Quando isto sucede, importa enveredar por uma estratégia diagnóstica exaustiva que permita identificar o que de facto fez com as varizes voltassem a ser um problema.
O reaparecimento de varizes após uma intervenção que visou eliminá-las, pode ficar a dever-se a deficiências no diagnóstico e/ou na terapêutica, mas mesmo quando tudo decorreu como seria de esperar, a doença pode ainda assim progredir, reaparecendo anos mais tarde.
Como quase sempre, a entrevista clínica e o exame do paciente revelam as pistas principais. Quando as novas varizes se distribuem ao longo da face medial da coxa, partindo aparentemente da região perineal, torna-se especialmente valioso investigar uma eventual origem no interior da bacia.
De que falamos então?
Varizes pélvicas são veias dilatadas, tortuosas e com refluxo (ou seja, através das quais o sangue, ao invés de ser drenado, se escapa em sentido contrário – anti-fisiológico). Localizam-se na cavidade pélvica, isto é dentro do baixo ventre, não sendo portanto evidentes. Estas varizes acompanham-se porém por vezes de varizes vulvares ou de varizes na face interna das coxas ou nas nádegas, o que deverá alertar para a possibilidade da sua existência, motivando o seu estudo. O reaparecimento de varizes nos membros inferiores após uma ou mais tentativas de tratamento prévias, sobretudo em determinadas localizações anatómicas e segundo certos padrões, deve igualmente “levantar a suspeita” da existência desta situação.
Dor na região pélvica e abdómen inferior é o sintoma mais comum. Esta dor tem um carácter crónico, arrastando-se, habitualmente, por mais de 6 meses. Costuma ser caracterizada como uma sensação de peso, por vezes como uma cãibra menstrual mais prolongada e intensa. Pode ser francamente limitante, implicando impacto significativo na qualidade de vida. É agravada quando se está de pé muito tempo, mas passar muitas horas sentada também pode resultar desconfortável. Esta dor agrava-se frequentemente com a realização de esforços (nomeadamente aqueles que impliquem aumento da pressão intra-abdominal – certas rotinas de exercício físico, mas também levantar pesos, por exemplo), durante o período menstrual e durante ou após as relações sexuais.
Pode também verificar-se um aumento da frequência da sensação de necessidade de urinar ou mesmo o agravamento de incontinência urinária.
Para além do que é sentido, há que referir o que pode ser visualizado: varizes exteriores. Estas veias dilatadas e sinuosas, podem passar a ser vistas e sentidas na região perineal (nos grandes lábios, mas por vezes também na região circundante, ou mesmo por cima do púbis). Pacientes há que notam estes achados no interior da vulva. Quase sempre a situação estabelece-se durante uma gravidez, acabando por não regredir ou fazendo-o de modo apenas parcial após o parto. O mecanismo de aparecimento destas varizes quase que se percebe intuitivamente: não são mais do que a manifestação exterior, através do pavimento pélvico, da transmissão da pressão anómala. É também este processo que explica o aparecimento de varizes nos membros inferiores com determinadas características e em localizações específicas que nos devem colocar na pista de uma “origem pélvica” do problema.
É um quadro que atinge de modo muitíssimo mais frequente mulheres que já passaram por 2 ou mais gravidezes, mas pode também ocorrem em senhoras que nunca estiveram grávidas.
A congestão pélvica ainda é considerada um tabu. Porquê?
Devemos evidentemente resistir à eventual tentação de tratar o que não necessita de ser tratado, estando pelo contrário alerta para a necessidade de não deixar por fazer um diagnóstico de algo que pode felizmente hoje em dia ser resolvido. Esta é provavelmente de resto a situação que mais vezes acontece hoje em dia. Tal pode resultar da inibição natural que as pacientes seguramente sentem quando se trata de referir um assunto que envolve queixas desta natureza e nesta área corporal. Devemos também talvez admitir alguma falta de consciência elevada, ou disponibilidade mental a priori para considerar este diagnóstico por parte dos profissionais envolvidos.
São frequentes os relatos que ouvimos de doentes que já referiram as suas queixas ao longo de vários anos e a diferentes clínicos, tendo sido confrontadas por vezes com alguma desvalorização. O quadro é talvez demasiadas vezes caracterizado pelos médicos como algo exclusivamente estético e não relacionado com as varizes pélvicas que até já tinham sido identificadas em exames prévios. Também os cirurgiões vasculares, tantas e tantas vezes confrontados com varizes nos membros inferiores que reapareceram após um tratamento anterior, não são provavelmente tão proactivos como se justificaria na investigação de uma “causa pélvica” para estas varizes. As perguntas certas são muitas vezes o passo inicial mas necessário para iniciar o caminho de diagnóstico e terapêutica.
Causas desconhecidas
As causas da síndrome não são ainda completamente conhecidas. Sabe-se que acometem predominantemente mulheres jovens, mais frequentemente as que já passaram por 2 ou mais gravidezes. Durante a gravidez as veias pélvicas são comprimidas pelo útero gravídico em expansão, levando sempre a algum comprometimento da drenagem venosa - desta situação resulta refluxo (isto é, fluxo em sentido contrário ao que era suposto) e, subsequentemente, dilatação das veias. Por outro lado, a gravidez caracteriza-se por um aumento de fluxo sanguíneo a nível pélvico. Estes 2 acontecimentos, eventualmente actuando de modo sinérgico, podem acabar por danificar determinadas veias de modo permanente, o que pode acabar eventualmente por condicionar o desenvolvimento de varizes pélvicas.
Existem outras causas raras como trombose das veias ováricas ou ausência de válvulas venosas por mau desenvolvimento congénito.
Por vezes ocorre concomitantemente uma compressão anatómica na veia ilíaca comum esquerda.
Independentemente do mecanismo que tenha estado envolvido no processo, a consequência prática é a dificuldade da drenagem venosa da cavidade pélvica, a pressurização deste território, nomeadamente envolvendo útero e ovários. Entender isto é perceber aquilo de que se queixam as senhoras com este problema.
Infelizmente não foram identificados factores de risco ambientais ou comportamentais cuja evicção possa ser recomendada de modo generalizado para prevenir a Síndrome de Congestão Pélvica. Perante sinais e sintomas devemos isso sim investigar, avaliando as possibilidades terapêuticas.
É uma situação crónica, no sentido de ser um quadro arrastado. Não é algo que surja e desapareça repentinamente se não for tratado. Isto é muito diferente de dizer que não tem cura ou tratamento.
Tratamento
Em alguns casos, este quadro pode melhorar com uma abordagem conservadora, com a administração de medicamentos. Têm sido tentadas várias classes de fármacos, nomeadamente flebótropos (já usados há muitos anos no controlo sintomático das varizes dos membros inferiores). Alguns esquemas com medicamentos hormonais podem também ser considerados. A realidade, algo desapontante, é que a resolução definitiva apenas com recurso a fármacos é porém muitíssimo rara.
A lógica subjacente a um tratamento de sucesso e duradouro é a eliminação das fontes de refluxo. No fundo, de pouco ou nada adianta tentarmos eliminar a varizes exteriores visíveis, se a fonte de pressurização retrógrada anómala daquele território continuar activa. Na melhor das hipóteses, tal traria apenas benefícios parciais e muito transitórios – na verdade, na maioria das vezes nem isso.
O tratamento de eleição é assim a embolização venosa. Este é um método minimamente invasivo, realizado sob anestesia local e através de uma picada na virilha (por vezes no pescoço). Através desta punção é avançado um “tubo” de finíssimo calibre (cateter) pelas veias a estudar. Conseguem-se assim identificar com precisão os pontos por onde está a ocorrer o já referido refluxo, fonte da pressão responsável pelo conjunto de sinais e sintomas acima mencionados. É por este mesmo cateter que se procede à oclusão terapêutica selectiva das veias doentes. Tal é conseguido com recurso à injecção de um produto esclerosante e ao implante de um ou mais dispositivos apropriados (plugs ou coils). Frequentemente e para maximizar resultados, são utilizadas várias técnicas num mesmo procedimento – esclerose e implante de dispositivos de oclusão.
Trata-se de um procedimento eficaz, muito seguro, e geralmente realizado em ambulatório e com uma recuperação rápida e essencialmente confortável.
O ganho obtido, no que respeita ao fecho de uma fonte refluxiva, pode eliminar a maioria dos sintomas e é fundamental para encarar a intervenção que vise eliminar as varizes dos membros inferiores com maior optimismo quanto à seu carácter definitivo.
Socorrendo-nos de uma frase tantas vezes lida, aparentemente proferida por alguém de inteligência superior, tentemos não cometer a loucura de repetir o mesmo comportamento na esperança de resultados diferentes.
Um artigo do médico Sérgio Sampaio, especialista em Cirurgia Vascular e professor na Faculdade de Medicina da Universidade do Porto.
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