A experiência de algumas perdas ou situações de vulnerabilidade, sentirmo-nos fracassados, sobrecarregados por problemas pessoais ou familiares, sem esperança e sem capacidade de atribuir um sentido à nossa vida, ou mesmo sem conseguirmos perceber exatamente porquê, pode fazer com que fiquemos inundados pelo nosso sofrimento sem acreditarmos que existem soluções. O que se está a viver (o que pensamos, o que sentimos e o que fazemos), pode parecer insuportável, intolerável e instalar-se impotência perante a mudança. O suicídio e as tentativas de suicídio resultam e são sinais de grande sofrimento emocional e representam um desafio de Saúde Pública em todo o mundo, com impacto nas pessoas, mas também nas suas famílias, na sua comunidade e na sociedade.

A violência dos números é tão grande quanto o tamanho da dor - em Portugal, cerca de três pessoas por dia morrem por suicídio. No mundo, o rácio sobe para um suicídio a cada 40 segundos (800 mil por ano). Entre os jovens dos 15-34 anos, essa é a segunda maior causa de morte. E o número de suicídios tentados é 25 vezes superior ao daqueles com desfecho fatal.

Parece inegável que o suicídio é um tema delicado e também um dos mais silenciados da existência humana.

Entre outros fatores, o estigma é um forte obstáculo à deteção do risco e à prevenção do suicídio e não falar sobre este tema faz com que não se saiba falar sobre ele. É, assim, urgente falar(mos)!

E falar como? Com quem? Quando? Como sabemos onde é o lugar para isso? Estamos seguros de que o outro estará do outro lado a escutar, sem julgar? Sem ficar assustado? Saberá entender? Saberá respeitar as minhas necessidades? (questões que crescem em escalada na mente de pessoas que podem precisar de ajuda).

Neste binómio habitam os medos de quem precisa de ajuda, mas também as dúvidas e interrogações de quem quer (saber) ajudar. Neste duplo desafio, a informação é uma ferramenta muito poderosa e por isso todas as pessoas devem ser sensibilizadas para este tema, não esquecendo que a adoção de comportamentos protetores da saúde, de prevenção da doença e o autocuidado pressupõem uma correta integração da informação pelos cidadãos.

Somos todos chamados a prevenir este comportamento – a morte por suicídio deverá ser encarada como prevenível.

E como o saber fazer implica o Saber, enumeram-se alguns pontos chave a ter em conta quando alguém precisa de ajuda:

Reconheça os sinais de alarme

Uma pessoa em crise pode ter um comportamento diferente do habitual por isso é importante dar atenção a alguns sinais como desesperança no futuro, irritação frequente e fácil, variações extremas de humor, aumento de consumo de álcool ou drogas, maior isolamento, alterações no padrão de sono (dormir muito ou muito pouco) e/ou alimentar, agir de forma mais impulsiva, verbalizações de sentir-se um fardo, falar sobre querer morrer ou querer matar-se, não ver solução para os problemas, perda de interesse pelas atividades habituais (escola, trabalho, atividades sociais, desporto), tentativas de suicido anteriores, perda de uma pessoa significativa.

Leve a sério os pedidos de ajuda

Os sinais de alarme devem ser levados a sério e não interpretados como chamadas de atenção ou tentativas de manipulação. Um pedido de ajuda desesperado não é o mesmo que uma chamada de atenção. Valorizar os sinais de alarme é também validar o sofrimento da pessoa e abrir espaço para a possibilidade de aceder à ajuda de que necessita.

Procure ouvir ativamente, não faça juízos de valor

Depois de encontrar um momento e lugar reservados, é fundamental ouvir de forma ativa (ou seja, prestando atenção e manifestando interesse genuíno) o que a pessoa tem para dizer com respeito, empatia e disponibilidade. Pode iniciar a conversa partilhando que observa algumas mudanças no seu comportamento e que por isso se sente preocupado (podendo dar exemplos concretos do que o preocupa - “Tenho reparado que chega sempre triste ao trabalho”). É igualmente importante não fazer julgamentos e dar espaço para a partilha, aceitando todas as manifestações de sofrimento e validando as emoções expressas. Procure não argumentar e não vestir o papel de quem tenta resolver os problemas com frases que podem desautorizar a experiência emocional da pessoa (como, por exemplo, “Isso vai passar”, “Não se preocupe muito”). A pessoa pode precisar de ser escutada nas suas mais diversas necessidades e ter alguém que possa escutar de forma ativa sem questionar, interpretar ou julgar.

As perguntas devem ser abertas e diretas (ex.: “Como se sente?”; “Quando se apercebeu que isso estava a acontecer?”).

Pergunte diretamente sobre pensamentos de suicídio

Ao questionar não vai estar a incentivar ou a estimular estas ideias, muito pelo contrário, o diálogo, esclarecimentos e tratamento de doenças consideradas fatores de risco são a melhor forma de prevenir este comportamento.

Dar o espaço para que a pessoa possa falar sobre estes pensamentos pode gerar alívio e marcar o início de um processo de ajuda.

Encoraje a pessoa a procura ajuda profissional

Uma pessoa com ideias de suicídio está em risco e por isso deve ser avaliada por um profissional de saúde. É frequente a pessoa resistir à ajuda profissional por acreditar que não pode ser ajudada, por isso, pode ter que insistir devolvendo as suas preocupações e reforçando que há várias formas de apoio e que, acima de tudo, não está sozinha. Envolva outras pessoas próximas, sejam amigos ou familiares.

Se a pessoa estiver em perigo de vida, peça ajuda de imediato

Para ajudar-se a si ou outra pessoa com ideação suicida pode entrar em contacto com a linha SNS24, 112 ou o serviço de Saúde Mental do hospital regional. A Direção-Geral da Saúde disponibiliza ainda uma Linha de Aconselhamento Psicológico e Linhas de Crise.

Por mais natural que seja o movimento de querermos ajudar e encontrar palavras que salvem a pessoa em sofrimento, importa não cairmos em lugares comuns, evitando reações de surpresa ou choque perante o que a pessoa partilha, reações que desvalorizem os sentimentos expressos (“Não diga isso, que disparate”, “Para que é que fala/pensa sobre essas coisas?”). São também de evitar expressões de incompreensão supostamente positivas - “Não entendo isso. Tem tudo para estar bem”, “Olhe para as coisas boas que tem na sua vida”. Às vezes ajudar é saber escutar e saber estar no(s) silêncio(s).

Munirmo-nos de informação, reconhecendo os naturais limites da nossa ação e reconhecer a importância de ajuda profissional especializada é uma forma de contribuirmos para a prevenção do suicídio.  Não tenhamos receio de ajudar e ser ajudados, em quebrar os tabus e as barreiras que tantas vezes limitam o acesso a respostas adequadas às necessidades de quem está em risco.

Um artigo da psicóloga clínica Ana Margarida Teixeira, do PIN.