Quando nascemos não somos um livro em branco. Somos o resultado de várias histórias vividas e de tantas projeções. Os pais transmitem os seus desejos, sonhos e expetativas e o que foi desejado influencia diretamente a nossa vida. Recebemos mandatos da nossa família, de forma consciente ou inconsciente, que nos chegam mesmo a comandar. Cada um de nós é o resultado de um projeto paterno e materno e faremos de tudo para honrar o sentido que nos foi atribuído, ainda que de forma inconsciente. Acabamos por carregar histórias que não são nossas, pagando preços muito elevados. São tantas as vivências, as alegrias, os sucessos, mas também as dores, as vergonhas, os segredos, os medos, as culpas. E todos fazem parte do conteúdo psíquico da família.

Mark Frechet, psicólogo francês, dedicou-se ao estudo do fenómeno da informação recebida inconscientemente da família, apelidando-o de “Projeto Sentido Gestacional”. Dele fazem parte três momentos específicos: os meses anteriores à data de conceção de cada pessoa, o período da gestação e os primeiros três anos de vida. Pretende-se, assim, compreender de que forma os eventos que ocorrem nestes períodos podem ter impacto na vida de cada um.

A psicogenealogia e a terapia transgeracional dedicam-se a observar estes temas, olhando tanto para os legados familiares positivos, como para os disfuncionais, através de uma abordagem sistémica e integrativa. O objetivo é identificar o que aconteceu aos nossos familiares para podermos alcançar um maior bem-estar na nossa vida atual. Estamos todos interligados e tantas vezes repetimos padrões, profissões, feitios ou até traumas, sem darmos conta. O caminho é levar consciência a todos estes processos e seguir a nossa vida de forma mais leve e livre.

Vários são os aspetos que devem ser valorizados. A título ilustrativo, deixo alguns exemplos. Como correram os meses anteriores à data de conceção? Quais os eventos mais significativos da vida dos pais nesse período? Terá ocorrido algum trauma, por exemplo o falecimento de algum ente querido ou uma perda gestacional? O que terá sido projetado pelos pais para aquele filho? Qual era o ambiente social, económico, político que se vivia na altura? Como se sentiam os pais emocionalmente? A gravidez foi desejada e planeada? Como foi vivida a gestação? De forma tranquila e sem sobressaltos? Com medos e angústias? Como foram os primeiros três anos de vida daquele filho? Que eventos marcantes terão ocorrido?

Chegamos a este mundo através da nossa família, e vimos à sua imagem e semelhança. Dela recebemos todo este legado, que faz parte de quem somos. O cordão umbilical que nos liga à nossa mãe também nos liga simbolicamente à família. Registamos, de forma inconsciente, o que se passa com os pais, as suas emoções e sentires, os dramas e traumas. O estado emocional da mãe pode mesmo condicionar o bébé, tal como sugere diversa evidência empírica.

Imagine-se o caso de um casal que perde o seu primeiro filho no parto. A dor é tão grande para estes pais que não elaboram o luto, colocam as suas emoções “debaixo do tapete” e apontam baterias para o próximo filho. Estes mecanismos são muito frequentes e permitem, de certa forma, a sobrevivência nestas situações de crise. Uns tempos depois, a mãe volta a engravidar mas sente muito medo e ansiedade durante toda a gestação. Estas vivências fazem parte da história daquela nova criança. Pode ser que cresça com muitos medos, sem entender porquê, ou mesmo, mais tarde quando for mãe (no caso de ser menina), sinta também um medo enorme em engravidar ou mesmo do parto.

A proposta que lhe deixo é levar consciência ao seu Projeto Sentido Gestacional. Investigue como corria a vida dos seus pais naquele tempo, como se sentiram a mãe e o pai, de que forma viviam, qual era o contexto social, económico, político, psicológico e familiar da época. Sempre com muito amor e sem julgamento, explore se a gestação foi desejada e aceite pela família, como foi o momento do nascimento, qual o tipo de parto. De que forma correram os anos seguintes ao nascimento, como era o ambiente. É um caminho que se faz, passo a passo, sem pressas nem correrias e que lhe permite olhar para dentro. Imagine que a sua vida é um puzzle de mil peças. A ideia é ir juntando uma a uma, levando um novo olhar e significado às histórias passadas, escutando o movimento da vida. Desta forma, vai identificando aquilo que precisa de ser visto e olhado.

Saber mais sobre a nossa história permite o libertar de pesos que não são nossos e compreender, com maior nitidez, a pessoa que é hoje. A identificação dos principais eventos, traços e características do seu sistema familiar vai permitir que “caiam muitas fichas”, levando a novos entendimentos que podem trazer muitos benefícios para o seu dia-a-dia.

Se quer entender melhor a sua vida atual, olhe para a história da sua família.

Um artigo de Sara Larcher, Terapeuta Integrativa e Sistémica.