Quando entrei na escola, quase a fazer 4 anos, 1 de outubro de 1980, atravessei o portão verde do Colégio Beiral, ainda hoje enorme ao meu olhar e pensei, não chores, não podes ser piegas. Chorei, e não foi pouco. Resultado, cinco minutos de choro intenso de lágrima grossa até que a Filipa, a minha educadora, deu-me a mão. Sobrevivi.

Qual o motivo para um rapaz de 3 anos, quase a fazer 4, não querer chorar e ter medo de ser visto como piegas? Quem é que me proibiu de gritar e dizer não àquele sítio? Confesso que não sei.

Com a mesma idade, lembro-me bem de brincar com as minhas vizinhas a Marta e a Patrícia e pensar se existiam brincadeiras de rapaz ou de rapariga. Será que era obrigatório brincar com carrinhos, ou também podia brincar aos pais e às mães e com os pepos (bonecos parecidos com os nenucos). Lembro-me da minha mãe, dizer ao meu pai que não havia nenhum problema, com o meu gosto de brincar com bebés chorões.

Talvez o meu pai tivesse algum receio que as brincadeiras moldassem a minha masculinidade e o gosto por mulheres.

Cresci, sou apaixonado por mulheres, no lugar dos nenucos, nasceram quatro filhas, bebés lindos, hoje adolescentes. Pelo meio joguei pouca à bola, dois pés esquerdos, tive mais amigas do que amigos, envolvi-me muito pouco em lutas e brigas, raramente chorei. É importante referir que quando chorei as lágrimas foram sempre muito, mesmo muito grossas e ásperas.

Afinal, os homens choram?

Eu choro. Não muitas vezes, mas choro!

Será que os homens choram de uma forma diferente das mulheres?

Durante muito tempo defendi a tese que o choro é choro. Não há motivo nenhum para existir uma diferença entre o chorar masculino e o chorar feminino.

Cada pessoa chora consoante a sua forma de viver a dor. Sempre acreditei que no sofrimento, o género, provavelmente dita muito pouca coisa. Como psicólogo, aprendi que o sofrimento e a dor, pode ganhar uma intensidade insuportável quer nos homens quer nas mulheres.

Nos últimos tempos, curiosamente, dei por mim a refletir nas questões associadas ao género. Qual será o motivo de eu ter uma lembrança tão nítida do meu diálogo interno aos 3 anos de idade, a dizer que os homens não são piegas. Até que ponto, eu já era vítima de um estereótipo de género? Será que os estereótipos condicionam a nossa forma de expressar a dor?

Hoje sou tentado a responder que sim. Acho que aos 3 anos idade, já era vítima, do estereótipo de género.

Nós homens, de uma forma muito subtil, aprendemos a esconder a nossa vulnerabilidade

Aprendemos a desprezar os “pieguinhas pé de salsa”, nome que usávamos na minha escola, para denominar os mais vulneráveis ou os maricas. Maricas! Pieguice e orientação sexual? Não sei como na minha infância estes dois conceitos, apareciam sempre como partes da mesma equação.

A dor no homem é evitada ou dissimulada? Quando questionado sobre o sofrimento, o homem esconde-se: no movimento, no riso, no azar ou na sorte do futebol, eclipsa-se por entre as linhas da dor. Desculpem-me o estereótipo. As mulheres em sentido contrário, sublinham o que sentem, tornam claro, dão sabor, criam textura ao sentir. Talvez seja por isso, que são tão sedutoras.

Creio que exista uma linguagem distinta, uma sintaxe para cada género. Há, uma forma de colocar a nu, o masculino e uma outra forma de colocar a nu, o feminino. As mulheres sabem, são naturais no despir. Duas formas de narrar o sofrimento e a dor, de despir o sentir.

Talvez exista um trabalho para nós homens, que somos maridos, amantes, colegas, amigos, terapeutas, que consiste em procurar de que forma o estereótipo de género, condiciona o modo como choramos e expressamos o que sentimos.

Se conseguirmos realizar este exercício de concetualizar até que ponto cada um de nós está mais ou menos preso ao medo de sermos piegas, então teremos obviamente uma amplificação da nossa liberdade de escolha.

Na clínica, enquanto terapeuta de casal, encontro muitas mulheres que verbalizam que sentem uma enorme dificuldade por parte dos homens em partilharem emoções negativas. Há uma queixa usual sobre os homens terem dificuldade em expressarem os seus medos, vulnerabilidades e tristezas.

Talvez seja verdade, nós homens, fomos condicionados para uma expressão estoica do nosso mundo emocional

Aprendemos a transformar por dentro, em silêncio a dor, e a não expressar por palavras ou por pistas não verbais a vulnerabilidade. Uma dor, sentida, muitas vezes transformada em grito, em movimento de ataque ou fuga, em aparente aceitação. No desespero máximo, uma dor transformada em lágrimas grossas que ferem o próprio ou o outro. Os homens, parecem ser incapazes de verter lágrimas leves, salgadas que dão sal e sabor ao sentir.

Quase em sentido contrário, na clínica de casal, os homens verbalizam a sua perplexidade, pela dramatização do sentir no feminino. Há uma não compreensão pelo drama feminino. A não compreensão é ainda maior, quando ocorre na presença de uma funcionalidade pragmática, que devolve evidências que o barco está na boa rota. Está num bom rumo no qual nada falta para viagem.

O desafio da clínica de casal, é talvez encontrar o lugar de fronteira no qual a tradução, das duas linguagens possa ocorrer. Uma narrativa na qual a palavra por um lado, resgate o movimento e o estoicismo masculino, e por outro lado, dê espessura à subtilezas do sentir feminino. Uma tentativa de colocar no mesmo plano o viver emocional de homens e mulheres.

Há um negativo e um positivo fotográfico que rapidamente parece constituir-se como opostos de contrastes. Um sentir feminino versus um sentir masculino. Por hipótese parecem ser contrastes que definem duas representações distintas da mesma realidade, a dor da solidão e o medo de não sermos amados.

Sem pieguices! No íntimo, homens e mulheres têm medo de viver na solidão e de não serem amados. Infelizmente nós homens neste mundo das emoções, estamos pouco treinados.

Na terapia de casal, espaço no qual lutamos muitas vezes estoicamente pelo que mais amamos, teremos que ser ousados e descobrir o quanto estamos ainda presos a uma narrativa de género que condiciona a expressão do nosso sentir. Provavelmente, teremos que ter a coragem de expressar com lágrimas leves a nossa dor e os nossos medos.

Autor: Pedro Vaz Santos, Psicólogo Clínico - Terapeuta Familiar e de Casal