Em finais de 2017, o "Campeonato Nacional de Barista" que decorreu na Escola de Hotelaria e Turismo de Lisboa, despertou a atenção pública para uma profissão ainda pouco divulgada em Portugal. Barista? Profissional de Bar? Não, embora na etimologia do termo encontremos como referência o Bar, o lugar onde também se prepara o café.
Barista, não traduzível para o português, é o especialista em tirar e nos apresentar o espresso e bebidas à base de café. Ou seja, um cuidador que nos garante que os 30 ml de café em chávena, de bom creme e inspiradora profundidade negra, nos chegam aos lábios em perfeitas condições. Podemos comparar, por exemplo, o Barista ao Sommelier nos vinhos, embora com técnicas, ferramentas de trabalho e um léxico diferentes.
Terá reparado na referência a Espresso e não Expresso. Não por erro do autor do presente artigo, antes por afinação à designação correta da bebida que nos entusiasma diariamente. Um “s” e não um “x”, porque não deve o termo Espresso créditos à velocidade da extração, mas sim à pressão. A água na máquina é pressurizada, atravessa o café moído e verte para a chávena.
Outro mito a derrubar. Que se desengane quem julga que a comodidade de um café tirado numa máquina espresso é trunfo da moderna tecnologia. A linhagem desta benesse associada à tira irrepreensível do café, nasce na aurora do século XX, em 1901, pela mão do italiano Luigi Bezzera. Uma outra forma de olhar para um produto milenar, originário dos planaltos da Etiópia, em África e que, neste século XXI, é um bem “cotado em bolsa, tal como o ouro, a prata e o petróleo e segue os mesmos princípios da oferta e da procura. Sobe o valor quando escasseia, desce quando a produção é elevada”, como nos explica Tiago Costa, barista de profissão e formador na Fábrica do Barista em Lisboa.
É com Tiago que nos embrenhamos neste mundo repleto de gestos, medições e precisões, associado à extração de um espresso inesquecível. Última fase de um processo que remonta à plantação, à colheita, à torra, à moagem e, finalmente, à chávena de café, etapa derradeira, crucial porque todos os momentos anteriores concorrem para esta prova.
“Saiba que um quilo de café corresponde a 140 chávenas do dito e que quase todos os cafés que bebemos provêm de duas variedades, a Arábica [70% da produção mundial] e a Robusta”, explica Tiago Costa, acrescentando, “o grão da variedade Arábica dá corpo ao café e é muito utilizado para cafés gourmet. Em Portugal, 99,9% do café é um blend, uma mistura, entre Arábica e Robusta”.
Não basta apenas a proveniência para determinar o carácter de um café. Temos, por exemplo de considerar a torra, que “confere personalidade ao café”, como também o sabor mais ou menos intenso, o aroma, o amargor, entre outras características.
Como saber então se estamos perante um café bem tirado?
Tiago Costa explica, dispondo uma chávena de café sobre a bancada, “olhe para a cor do creme. É avelã amarelada com apontamentos avermelhados. Por vezes pode mesmo apresentar um aspeto tigrado”. Características que provêm dos óleos que estão contidos no grão e que se libertam com a torrefação. O barista socorre-se de uma pequena colher para nos dar a segunda prova de um café bem tirado. “Percorra delicadamente o creme com o extremo da colher. Vai ver que o creme é persistente e consistente”.
Ou seja não estamos perante um creme aguado. Por comparação quase o podemos aproximar a um ponto de estrada de açúcar. Quando o percorremos com a colher, sulcamo-lo, mantendo-se firme nas margens onde, ao centro descortinamos aquele pequeno mar negro de café. Isto sem que deixe de ser um creme “elástico”. Tiago, um purista e exímio tirador, aprofunda: “um bom creme deve ter 2 milímetros de espessura”. É obra conseguir tal precisão. Um bom creme tem de “persistir, sem perder qualidade, por dois a três minutos”.
Não há creme sem sabor
Não há prova de café que não inclua a dimensão sensitiva, importante para um provador profissional. Não raro o barista apresenta-se a concurso perante juízes sensoriais, especialistas que avaliam a prestação em diferentes preparos: Espresso perfeito, bebida à base de leite e bebidas de autor.
Provar é complexo o que é compreensível, dado o universo de cafés, as diferentes proveniências, os tempos de torra, as condições em que são mantidos, entre inúmeros outros fatores. “No café encontramos 800 elementos. Dai as muitas diferenças. Mais complicado se considerarmos como interagem essas centenas de elementos”, sublinha o barista.
Numa prova há que considerar as diferentes partes gustativas da língua: doce, salgado, picante, acidez e o umami [termo de origem japonesa que significa “delicioso e apetitoso”]. Tal como nos vinhos, o produto final decorre do Terroir. “Se o café proceder de uma plantação que coabita, por exemplo, com outra cultura, o grão vai exprimir essa interação”, refere Tiago.
Quanto café há dentro de uma chávena?
“Para obtermos um café perfeito precisamos de uma extração de 20 a 30 segundos. Uma chávena normal terá 30 mililitros de líquido [25 mililitros no caso de uma italiana – mais curta], contendo 7 gramas de café moído”. Medidas exatas e importantes na profissão de barista. Como também o é a temperatura a que é servido o espresso : “deve oscilar entre os 88 ºC e os 96 ºC com uma pressão de nove bar”.
No fundo da chávena também está o segredo
Nem sempre a chávena mais charmosa, elegante e colorida corresponde a um café de igual proporção qualitativa no interior da mesma. “O mais importante na chávena é a base. Ou seja, o fundo tem de ser côncavo para que o liquido, sob pressão, caia suavemente, enquanto sobe formando o creme. Se o fundo da chávena for liso, o café ao cair vai `quebrar`”. Na prática, não vamos ter um creme sedutor e provocador”.
A água, esse elemento vital
No espresso a água é extremamente importante. É nela que se dissolve o pó decorrente da moagem do café. Ainda a propósito da água, Tiago Costa desfaz alguns mitos. Um deles largamente difundido, o de que o café cheio tem menos cafeina e mais água. É falso e a desconstrução deste mito é simples: “Quanto mais água passa pelo café, mais café sai com a água, sem diminuir a quantidade de cafeína. Mas atenção, a dose de cafeína varia de acordo com o blend que é feito. O índice no Arábica é menor do que no Robusta.
“Tal como o arroz o café é altamente higroscópico”, sublinha o nosso interlocutor, ou seja, tem uma alta propensão para absorver água. Fator importante a considerar na conservação do produto. “Aconselho que no final do dia o café já exposto ao ar fique em ambiente selado. Um café oxida três vezes mais rapidamente do que a maçã. O café em grão, depois de em contacto com o oxigénio num moinho tem duas horas de vida útil. Depois de moído o tempo encurta, não passando dos 30 minutos”. O que, naturalmente, se traduz numa perda de qualidade e concorra para bebermos um mau café.
Quase escusado será dizer que na trilogia dos três “M”s do café perfeito, não há Mão exímia a tirar um bom café se não cooperar com uma boa Máquina e Moinho. Estes dois últimos elementos concorrendo para todos os objetivos já enunciados, ou seja, garantindo uma boa pressão, temperatura constante, uma boa moagem e de pó uniforme.
Ainda a propósito do "Campeonato Nacional de Baristas", organizado pela AICC – Associação Industrial e Comercial do Café e pelo capítulo português da SCA – Speciality Coffee Association, teve a participação de 12 baristas, sagrando-se vencedor Pedro Marmelo. Este barista irá representar Portugal no Campeonato do Mundo, prova que se realiza em Amesterdão, na Holanda, em junho de 2018.
Na competição portuguesa, cada profissional contou com 15 minutos para apresentar “o espresso perfeito”, um cappuccino ou outra bebida com leite e uma bebida de autor com café, assim como outra bebida não alcoólica.
Os participantes apresentaram-se frente a quatro juízes sensoriais que analisaram e julgaram elementos como a consistência do creme, a espessura, o sabor persistente, que deve ser “arredondado” e aromático. Uma prova que contou com patrocinio da Fiamma, fabricante de máquinas de café espresso.
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