Nos idos anos 1990, um anúncio de televisão de um conhecido hipermercado colocou nas nossas bocas uma frase que se celebrizou: “Ainda sou do tempo em que…”. Neste caso não falamos do preço dos pacotes de arroz ou do quilo do bacalhau. Mas ainda há quem seja do tempo em que o Sável à Tanoeiro era um petisco bem apreciado por aqueles que faziam as suas vidas nas viagens de barco Rabelo, Douro fora, a caminho de Vila Nova de Gaia, quando o sável se multiplicava por aquelas águas para a desova.

Sem certezas absolutas, acredita-se que a última viagem desses barcos com o propósito de levar pipas de vinho do Porto para as caves de envelhecimento terá acontecido por volta de 1971, altura em que a estrada e os camiões-cisterna substituíram esta tradição secular. Era a inovação a tomar conta. A receita, essa, foi ficando por aí, no imaginário daqueles que trabalhavam e trabalham no negócio do vinho do Porto. E volta e meia era comentada por alguém.

Do século XX damos um salto para o quase presente, mais precisamente para 2019, e para os armazéns da Poças, em Vila Nova de Gaia. Talvez faça todo o sentido que, aquela que é a empresa familiar portuguesa mais antiga a operar neste negócio, recupere esta tradição.

“Havia nas casas de vinho do Porto uma receita de sável fumado dentro de uma barrica de vinho do Porto, com o serrim (as aparas) da barrica, que, de acordo com aquilo que sabemos, seria uma tradição já bastante antiga, que remonta ao tempo dos barcos Rabelo, que vinham do Douro para Gaia. E sendo o sável um peixe que sobe o rio para a desova devia ser provavelmente pescado pelos próprios barqueiros e depois, num trabalho conjunto com os tanoeiros, fariam a fumagem do sável”, explica-nos Pedro Poças Pintão, quarta geração e atual Administrador da Poças.

A intenção de recuperar a receita surgiu por acaso, aquando da descoberta de uma barrica manipulada que tinha todas as características para fumar o sável, na renovação que o armazém foi alvo, em 2019. “Quando fizemos a recuperação do armazém encontrámos uma barrica que nós achamos que seja para fumar sável pois bate certo com a descrição. Como vocês vão ver, é uma barrica que não tem tampos, e que num dos lados, em vez de ter um tampo tem uma rede, onde se penduram os peixes para depois serem fumados usando o tal serrim de vinho do Porto”, completa.

Sabores com tradição. É um Sável à Tanoeiro para a mesa da Poças, por favor
créditos: Daniela Costa

Se a necessidade aguça o engenho, isso tanto serve para aqueles que criaram a receita de Sável à Tanoeiro, como para a Poças, que teve de depositar em alguém a responsabilidade de aprimorar a receita, já no século XXI. E esse alguém é André Barbosa, o enólogo da Poças. “Resolvi desafiar o André, que é o nosso enólogo, porque ele gosta muito de cozinhar, é um coca-bichinhos”, explica Pedro Poças Pintão, ideia que pareceu boa aos olhos do executante.

Os testes começaram a ser feitos e no momento em que iam apresentar a receita a um grupo de convidados, deu-se o primeiro confinamento. Sim, estávamos em março de 2020. “Foi justamente no ano do COVID. Tínhamos marcado um almoço com alguns amigos para testar, mas foi mesmo naquela semana do confinamento. Assim, quando liguei às pessoas a dizer que não havia almoço, todos me disseram ‘é capaz de ser melhor!’”.

O início até pode ter sido atribulado, mas a moda pegou. Desde então que, anualmente, a Poças, apresenta a um número restrito de convidados, a tradição do Sável à Tanoeiro, iguaria que pode depois ser apreciada no centro de visitas, na tentativa de tornar o próprio evento numa tradição.

Sabores com tradição. É um Sável à Tanoeiro para a mesa da Poças, por favor
Sável em salmoura e sável depois de fumado. créditos: Daniela Costa

A receita parece ser simples. Como nos explica André Barbosa, o sável depois de pescado (este ano em particular nota-se alguma escassez de peixe – ou como nos diz Pedro Poças Pintão – “de ano para ano, o sável vai ficando mais pequeno”), e limpo de espinhas, é colocado, no frio, com uma salmoura de sal e açúcar em partes iguais, pimenta, endro e raspa de limão entre 24 a 48 horas. Passado esse tempo é bem lavado com água, seco com um papel e está pronto para ir para a barrica.

O sável é fumado a frio (sem brasas, portanto), o que lhe confere um sabor mais aprofundado como explica André Barbosa, com serrim de barrica de vinho do Porto e ali fica a cozinhar entre 12 a 18 horas. Finalizado, só deve ser consumido 24 horas depois. E assim temos um Sável à Tanoeiro ou talvez um sável fumado à Poças.

Para o evento deste ano, que aconteceu no final de março, a Poças convidou o chef Ricardo Dias e equipa, do restaurante Esquina do Avesso, em Leça da Palmeira, para reinterpretar esta iguaria e compor um menu de quatro pratos, onde o sável fumado foi o protagonista. A refeição foi harmonizada com vinhos da casa, como o Poças Reserva Branco 2021, o Poças Branco da Ribeira 2021, o Fora da Série Lagar das Quartas Tinto 2021 e a encerrar a refeição, um Fora da Série Nativo Branco 2020. À chegada houve a oportunidade de experimentar outro vinho da gama “Fora de Série”, desta feita, o Poças Fora da Série Plano B Branco 2021.

Sabores com tradição. É um Sável à Tanoeiro para a mesa da Poças, por favor
O Vermouth Soberbo é mais uma tradição resgatada pela Poças. créditos: Daniela Costa

Destaque para o aperitivo e mais uma tentativa da Poças em resgatar tradições do passado, com base em registos da própria marca, das décadas de 1930 e 1940: o Vermouth Soberbo. Aqui junta-se vinho do Porto branco com infusões de 18 botânicos provenientes das quintas que detêm no Douro. Este vermute é “ideal como aperitivo, podendo ser servido fresco com uma pedra de gelo e casca de laranja ou como cocktail, com água tónica ou gin. Acompanha especialmente bem salada verde com tomate, queijo fresco e alcaparras”, sugere-nos a Poças. Mas esta história fica para contar numa próxima oportunidade.

O SAPO Lifestyle esteve no almoço de apresentação a convite da Poças.