Blohm lança o seu livro "Pão Caseiro" num país que gosta do pão. Portugal tem neste âmbito tradição, centenas de pães, mas, também, uma história recente de algum abandono dos formatos tradicionais de produzir pães. Sobre isso falamos com a autora escandinava. Será um pão sem glúten tão saboroso como o congénere clássico? É possível conciliar uma agenda quotidiana preenchida com o mimo e paciência que exige um pão a preceito? Para das duas perguntas, a resposta de Maria é afirmativa. Vamos, então, conversar.

 Maria, como é que alguém que até há 13 anos se dedicava aos cavalos, se apaixona pelo mundo dos pães?

É verdade. Nunca havia cozido pão antes. Quando comecei, adorei as fermentações das massas. Mas levou algum tempo até começar a trabalhar com pães. Dei cursos, escrevi e, depois de perceber se estava disposta a passar o meu tempo em torno do pão, decidi-me pelo “sim”. Tenho o tipo de personalidade que, quando me interesso por algo, quero aprofundar e conhecer tudo sobre esse tópico. Sou um pouco nerd [interesse obsessivo por um assunto].

Massa para pizza
Massa para pizza
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A Maria conhece o pão português? Já teve a oportunidade de o provar?

Adoraria visitar Portugal, mas infelizmente nunca visitei o vosso país nem provei pão português.

Em Portugal, o pão atravessou um período complicado, com o desaparecimento de bons pães e padarias, face a produtos industriais e pobres nutricionalmente. Na Suécia assistiu-se a um fenómeno idêntico?

Na Suécia, também tivemos um fenómeno semelhante ao que descreve, com decréscimo na qualidade do pão. De certa forma, este cenário alterou-se positivamente nos últimos anos. Hoje em dia, existem muito mais padarias artesanais e as pessoas apreciam e também querem pagar o valor justo por um bom pão.

Maria Blohm, a sueca que nos ensina a mimar bons pães caseiros
Maria Blohm, a sueca que nos ensina a mimar bons pães caseiros Maria Blohm, a sueca que a Portugal chega com o livro "Pão Caseiro". créditos: Katja Ragnstam

O glúten, as restrições alimentares, entre outras questões, afastam muitas pessoas do pão. Em seu entender é justo demonizar um alimento milenar, associado à civilização e à subsistência humana?

Há alguns anos também tivemos um debate sobre o glúten em geral e o pão em particular, por não serem bons do ponto de vista da saúde. Mas as opiniões parecem ter mudado na Suécia. Atualmente, mais pessoas voltaram a comer pão, mas com um alto teor de grãos integrais e de boa qualidade. Julgo que é uma ótima maneira de ingerir pão, tanto pelo sabor, quanto pela saúde.

Ainda se lembra dos primeiros pães que fez? Ficou dececionada?

Fiz o meu primeiro pão num curso de fermentos. Tive um bom padeiro como professor. O resultado desse pão foi realmente muito bom, e talvez por isso o meu interesse pelo assunto, pois foi motivador. Muitas pessoas sentem que a sua primeira tentativa não tem sucesso e, no seguimento, não querem continuar a cozer pão.

O tempo é um amigo do bom pão. E há razões para isso certo?

Sim, o tempo é o melhor amigo do pão. A fermentação lenta dá-nos uma massa mais forte, à medida que as cadeias de glúten se vão unindo mais fortemente. Os sabores desenvolvem-se como, tal como num queijo de longa cura.

Pão de forma de centeio
Pão de forma de centeio
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É possível conciliarmos as nossas vidas com pouco tempo com a paciência que exige fazer um bom pão?

Acho que a fermentação lenta nos ajuda a fazer encontrar tempo para outras tarefas. A massa pode descansar até termos tempo para a levar ao forno. Por isso, é ela que se se adapta a nós e não nós à massa. No frigorífico, podemos armazenar a massa por 24 horas sem problemas. Com muito pouco fermento, não mais do que 3 gramas, a massa aguenta-se à temperatura ambiente até 12 horas. Isso significa que, se planearmos um pouco, poderemos economizar tempo quando quisermos levar ao forno. Prepare a massa da pizza na quinta-feira e na sexta-feira à noite, depois do trabalho, basta assar a pizza. Não precisamos esperar que a massa fermente.

A Maria lançou em Portugal o livro “Pão Caseiro”. O que a motivou a escrever a obra?

Dou aulas de cozinha há muitos anos e acho muito divertido motivar as pessoas e ensiná-las a cozinhar.

É adorável quando as pessoas me dizem que passam a cozer o seu próprio pão, em casa, depois de frequentarem um curso. Mas quero inspirar e compartilhar conhecimentos para além dos que participam nos cursos. Com os livros de culinária, posso fazer isso.

Que conselhos práticos daria a alguém que se quer iniciar na arte de fazer pão?

Comece com uma receita simples, por exemplo, o Ciabatta que encontra no meu livro. Siga a receita e respeite as quantidades indicadas para os ingredientes. Então, tem controle sobre o resultado. Não dê pressa à fermentação, não use mais levedura do que àquela que a receita pede e, se o seu forno for diferente do meu, ajuste a temperatura.

Ao folhearmos o seu livro deliciamo-nos com as imagens de pães. É possível com os equipamentos domésticos obtermos estes pães?

Sim absolutamente! O meu objetivo, quando escrevi o livro, é que tudo o que nele vai encontrar funciona com equipamentos domésticos. Só cozinho com esse tipo de equipamento. Isto, para garantir que todos tenham sucesso em suas casas.

Croissants
Croissants
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Uma das frustrações de quem faz pão caseiro é a de o ver, passada uma hora, perder muitas qualidades. Fica mais mole, menos estaladiço. É possível contrariar isto?

Sim. Por exemplo, deixe o pão cozer a uma temperatura mais alta. A superfície encapsulará a humidade contida no pão. Também fica com mais sabor quando a superfície é cozida a uma temperatura superior.

Há pães e pães e isso fica patente no seu livro. Ou seja, nem todos os pães servem todos os momentos à mesa. Quer dar-nos alguns exemplos?

As bolas com polenta, limão e tomilho são perfeitas à mesa do jantar. As bolas com alperce e nozes combina muito bem com um queijo bem maturado. Tem de experimentar os pãezinhos de açafrão suecos e a Semla, um pão do período da Quaresma mas que, em meu entender, casa bem com um chá em qualquer época do ano.

Voltando às viagens e ao pão. Presumo que quando viaja sinta curiosidade em provar os pães de cada país. Qual foi o país que mais a surpreendeu e porquê?

Lembro-me de uma torrada de um pão sem glúten que comi em Londres. Surpreendeu-me porque era muito parecido a um pão com glúten. Amo pão alemão, porque fazem um bom pão de fermento e centeio.

A Maria também é mãe. Os seus filhos participam na confeção dos pães?

Eles já são quase adultos, com 18 e 20 anos. Ou seja, já cozinha e cozem o pão e são realmente bons nisso. Mas, confesso, cozer pão é a minha tarefa lá em casa.