Maria Manuela Limpo Caetano, filha da autora da versão original do “Livro de Pantagruel”, publica em co-autoria com os seus filhos Maria e Nuno Caetano, o novo “Livro de Pantagruel. De Garfo e Faca à Volta do Mundo” (edição A Esfera dos Livros). Em entrevista evoca a obra gastronómica da sua mãe, Bertha Rosa Limpo; fala-nos em algumas das viagens que serviram de inspiração à presente obra e o conceito por detrás do título agora publicado: cozinha do mundo mas com ingredientes presentes em Portugal e, claro, o gosto pessoal.  Uma conversa que inclui um marroquino com jeito para línguas, mas pouco dado a culinárias.

Não podemos abordar este novo “Livro de Pantagruel” sem evocar a obra anterior, com mais de sete dezenas de edições, um clássico da culinária portuguesa. Pode, brevemente, traçar a história desse livro (onde aliás participou ativamente a partir de certa altura) que nasceu das mãos de sua mãe, Bertha Rosa Limpo?

A mãe, a partir de determinada altura, começou a juntar receitas que as amigas e mães de amigas lhe davam, anotando-as nuns livros, muito bem organizados, com numeração de página e índice. De tal forma estavam apelativos que as amigas, quando os viam, ficavam entusiasmadíssimas a ponto de a desafiarem para publicar um livro com aquelas receitas. Tanto insistiram que ela acabou por ceder.

O que, em seu entender, tem contribuído para fazer do “Livro de Pantagruel” uma obra transversal a tantas gerações?

O seu conteúdo, a informação que contém e a diversidade de receitas.

Centremo-nos, então, no “Livro de Pantagruel. De Garfo e Faca à Volta do Mundo” nasce do seu gosto pelas viagens. Gostaria que nos relatasse como foi em si crescendo esta vontade de sistematizar em termos gastronómicos os seus périplos pelo mundo.

Desde há muito, fruto das receitas que fui colecionando, que essa ideia surgiu, saindo reforçada quando se realizou a EXPO 98, em Lisboa. Foi uma excelente oportunidade de “visitar” países onde ainda não tinha - e alguns nunca cheguei a ter - tido oportunidade de conhecer. Os meus filhos, sobretudo o Nuno que também sempre viajou muito, também sempre tiveram a preocupação de pesquisar receitas estrangeiras, contribuindo em muito para o pecúlio existente. Para além disso, a sua colaboração em todas as etapas de seleção das receitas, foi fundamental; o trabalho de degustação, igualmente importantíssimo, nunca deixando, sempre que a sua vida profissional o permitia, de estarem presentes na confeção das receitas experimentais.

Quais foram os elementos que mais pesaram na seleção de receitas para a presente obra?

Sobretudo o fator “produtos ao alcance dos portugueses”. Evidentemente que a sensibilidade daquilo que os portugueses mais poderiam gostar, teve o seu peso. Um terceiro aspeto foi o resultado das receitas e aqui, obviamente, entra muito o gosto pessoal.

Entre as gastronomias que conhece de perto quais as que mais a fascinam e porquê?

Sempre gostei muito da cozinha italiana, para além da cozinha portuguesa. É algo que herdei da mãe. Contudo, todas as cozinhas exóticas, sempre me fascinaram, nunca me rogando a provar o que quer que fosse (tanto quanto me lembro). Há pratos asiáticos, africanos, americanos, absolutamente deliciosos.

Quer partilhar connosco uma ou duas histórias de viagem que envolvam as cozinhas locais?

Bom, assim de repente, lembro-me de uma história passada em Marrocos. Estava com a mãe em Marraquexe e num restaurante pedimos uma receita. O cozinheiro, muito solícito começou e desbobinar os ingredientes, etc., mas a mãe percebeu que havia qualquer coisa de errado naquilo e comentou-o comigo em Italiano. Para nosso espanto, eis se não quando o dito cozinheiro salta do francês para o italiano, tendo eu feito um comentário sobre o sucedido, desta feita em inglês. E não é que o homem começa a falar inglês! Mas a história não acaba aqui, porque ainda tivemos oportunidade de constatar que o indivíduo dominava o espanhol e o português! Aí, desistimos. Quanto à receita, se bem me lembro, estava toda enganada, tal como a mãe previra.

O “Livro de Pantagruel” original tinha uma forte componente prática, com conselhos, dicas, etc. Este novo “Pantagruel” segue essa linha? Pode-nos dar alguns exemplos?

Sim, continua a ter dois excelentes apêndices: As “Bases” e o “Glossário”.

Finalmente: como vê hoje a cozinha portuguesa?

A cozinha portuguesa é uma das melhores do mundo. A doçaria, por exemplo, é absolutamente divinal. Atualmente existem “chefes” de altíssimo gabarito e livros de qualidade mas, como em todas as atividades, também existe muita coisa duvidosa, porém, atrevo-me a dizer que não temos de pedir meças a ninguém.

Jorge Andrade