Há uns anos, uma equipa de investigadores associados a uma marca alimentar que não vem aqui à liça, procurou demonstrar que cozinhar alimentos em locais de altitude elevada, com pressão atmosférica inferior, concorre para lhes melhorar sabor, aroma e cor. É pouco provável que 26 andares a prumo sobre a cidade sejam altura suficiente para modificar as características que apreendemos dos alimentos. Os investigadores no estudo atrás referido falavam da alta montanha, a altitudes superiores a 800 metros. Certo é que no restaurante Panorama, 150 metros sobre Lisboa, no topo do Hotel Sheraton, a cozinha sabe muito bem. Aqui onde quando a noite cai a capital se transforma numa espécie de galáxia luminosa a nossos pés, reside desde março de 2015 um chefe de espirito irrequieto.
Miguel Paulino, 29 anos, formado na Escola de Hotelaria e Turismo do Algarve apresenta-se à mesa deste Panorama para nos fazer as honras do jantar. Arrasta consigo, nos gestos e nas palavras, um pouco do burburinho que se vive na copa. Uma agitação que entra nesta sala insonorizada, incólume ao bulício da cidade que se move lá em baixo. No espaço que já viu desfilar as cozinhas de três chefes Michelin lusos, Leonel Pereira, José Avillez e Henrique Sá Pessoa (será premonitório?), recebemos agora a mesa inspirada de Miguel Paulino.
Este alentejano de gema, nascido numa aldeia do concelho de Castro Verde, irmana nesta sua carta alguns conceitos que são gratos aos portugueses. Há um resgatar de memórias de infância (o "Bacalhau à Zezinha"), uma alusão direta à cozinha regional (as ementas de degustação “A Sul” e “A Norte”) e um boa história contada sobre cada prato (o que dizer de uma salada num vaso?). Quase temos vontade de proferir aquela máxima tão gasta como o “doce da casa” em certos restaurantes: “uma ementa que casa a tradição com a modernidade”. Está dito, mas há que consubstanciar a afirmação. Vamos a isso.
No caso presente somos convidados a viajar até ao “Sul” o menu de degustação que se faz em cinco momentos. Miguel Paulino sobe ao palco, isto é, abeira-se da mesa, para as apresentações. Somos tentados com um carabineiro, espécie semelhante ao lagostim. E, aqui, começa a ilusão. Há um pequeno tomate e um crocante que o acompanha. E há o lombo de carabineiro. Na realidade estamos perante um trio de marisco. "Carabineiro, Carabineiro, Carabineiro", assim se chama. O tomate é um molho de carabineiro e o crocante idem. Isto diverte obviamente Miguel Paulino. Olhar para o ingrediente e ver-lhe o outro lado. Neste caso uma dimensão cénica, transversal a todas as suas propostas neste carta. “No início, quando comecei a estudar nesta área, o mais complicado foi conhecer as técnicas, as bases, os molhos”, confidencia-nos o chefe que ainda jovem, no seu Alentejo, nunca se viu como cozinheiro. Miguel Paulino não poderia imaginar o percurso que levaria a casas como o Monte Santo Resort, o Hilton Cascatas, a Quinta do Lago ou o Crown Plaza. De permeio, uma curta passagem pelos Açores.
Segundo momento. Sobre a mesa descansa, agora um vaso. Isso mesmo um daqueles vasinhos onde plantamos um manjerico. Neste caso, o plantio é outro. Temos um tomate, um pimento e um talo que desponta. Uma salada, como se vê. Sim, é certo, mas uma salada de bacalhau e para comer à mão. O tomate é uma mousse de bacalhau, o pimento o puré de grão. A erva, um rebento de ervilha. Está lá tudo, o peixe dos mares frios e a leguminosa que o engenho português tratou de lhe juntar. Não falta uma cama de pepitas de cacau. Ninguém quer comer terra, evidentemente.
Neste jogo de mesa, Miguel Paulino gosta de impor algumas regras. É o que acontece neste terceiro momento, quando entre os talheres assenta uma travessa onde literalmente desponta uma pequena árvore. Um Bonsai de feição bucólica oferecido ao comensal. Na árvore não despontam maças, nem peras, nem laranjas. Aqui a fruta é outra e o desafio do chefe é provarmo-la desde a copa da árvore – sabores menos intensos - até às raízes – um shot de sabor. Começamos com um cone de coral de vieira e pólen de abelha. Passamos para as trufas de chocolate e Queijo da Ilha. Findamos com o pastelinho de bacalhau e a goma de molho de carnes. Não passa despercebida a louça. “É meio caminho andado para apresentar um bom prato”, sublinha Miguel.
Momento quatro, uma homenagem à mãe. O “Bacalhau à Zezinha”. A matriarca da família sempre de olho crítico sobre a cozinha do filho. Aqui, longe da planície, provamos uma recriação do bacalhau à Brás, petisco que por terras alentejanas é tão grato aos nossos vizinhos espanhóis. Miguel reconstrói o fiel amigo à sua maneira. O bacalhau em boas lascas chega à mesa com batata palha, um creme de ovo, outro creme de azeitona e lagostim. Degustamos, primeiro, cada elemento por si e acabamos por os acasalar sobre o garfo. Há harmonia. Ainda nos peixes, um prato que acompanha as memórias algarvias de Miguel, terra para onde se mudou aos 14 anos. A homenagem ao arroz de lingueirão do Algarve, faz-se acompanhada de um salmonete e de um arroz bem malandrinho. A espuma de maçã verde trata de ligar tudo o resto.
Do peixe para a carne. Aqui, Miguel Paulino sublinha a sua preferência. O prato de leitão é “arrojado, irreverente e isso agrada-me”. O nosso tão querido Leitão à Bairrada emparelha, aqui, com um “molho da nossa costa”. O que o chefe faz é desfiar o leitão assado em forno de lenha e envolvê-lo em bucho de porco. Um enchido sem ser enchido, compreenda-se. A acompanhar alface grelhada, batata frita e uma bisnaga. Sim, leu bem, uma bisnaga. E, dentro, um molho de gambas. O deafio: acrescentar alguma narrativa a um prato há décadas inamovível.
A encerrar este elenco, um Pudim Abade de Priscos com gelado de azeitona e tangerina. No caso vertente uma aproximação ao receituário minhoto e à famosa receita farta no açúcar, nos ovos e com umas boas lascas de toucinho. Neste caso um pudim leve como o céu não estivéssemos nós, neste Panorama, nas suas proximidades.
Referência, ainda, para as manteigas artesanais de ovelha e de vaca servidas na abertura da refeição, o sal de carvão vegetal e o sal azul do Irão. O pão, uma receita caseira, feito em forno de lenha na cozinha deste Panorama.
Quem optar pelo menu de degustação “A Norte” saiba que vai encontrar, entre outras propostas; uma Açorda Silvestre (Cogumelos, gema negra, queijo de cabra e temperos de Marrocos), inspirada nos pinhais de Leiria. Um Cabrito Assado no Forno (Cabrito, molejas, batatas e molho de ensopado), numa aproximação às Beiras; um Marmelo com Queijo Serra da Estrela, inspirado na marmelada. Uma ementa que se faz também com sugestões “À La Carte” de onde saem, aliás, as sugestões destes menus de degustação.
Restaurante Panorama
Sheraton Lisboa Hotel & Spa - Rua Latino Coelho, Lisboa
Tel.: 351 213 120 000; Email: sheraton.lisboa@sheraton.com
Horário: Aberto todos os dias das 19h00 às 23h00
Comentários