É produzido a partir de leite de ovelha este peculiar queijo da ilha mediterrânica da Sardenha. O casu marzu que numa tradução livre a partir da língua sarda se designa "queijo podre" atrai há muito a atenção de curiosos, chefs e entusiastas do fenómeno gastronómico. Há razões para isso. Este queijo, para além do seu intenso sabor, é um controverso símbolo da herança cultural sarda. A fama deste queijo italiano decorre do seu método de produção. Conhecido localmente como “queijo de verme” usa no seu processo de maturação larvas vivas de mosca.

O processo de fabrico do casu marzu começa com o queijo Pecorino, tradicionalmente produzido no território da Sardenha. Diferente do Pecorino convencional, que se apresenta de pasta rija e de sabor suave, o casu marzu passa por uma transformação radical. Após ser fabricado, o queijo é deixado ao ar livre, onde atrai as moscas-do-queijo (Piophila casei). Os insetos alados depositam os seus ovos no queijo (em média 500 ovos por inseto). Após a eclosão das larvas, estas iniciam o consumo do queijo. O processo digestivo das larvas liberta enzimas que decompõem as gorduras do alimento, transformando-o de uma massa sólida e compacta, numa pasta macia, quase líquida, com um sabor forte, picante e altamente característico. As larvas são translúcidas, com aproximadamente 8 mm de comprimento. Quando perturbadas, estas larvas assumem um comportamento bizarro: lançam-se a distâncias de até 15 cm.

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O casu marzu é normalmente consumido em fatias finas sobre pão de trigo sardo, conhecido como pane carasau e chega à mesa acompanhado de um copo de vinho tinto local, como o Cannonau. Antes de ingerir este queijo, muitos consumidores removem as larvas, embora alguns optem por mantê-las. O casu marzu é considerado tóxico quando as larvas no queijo morrem.

Do ponto de vista cultural, o casu marzu é muito mais do que um queijo. Na Sardenha, é um símbolo de identidade, uma representação viva da tradição e da história da ilha. O seu consumo é muitas vezes reservado para ocasiões especiais e celebrações e as características do produto vistas como afrodisíacas. A produção do casu marzu, embora enraizada em métodos tradicionais, está em desacordo com os regulamentos de segurança alimentar da União Europeia. O próprio governo da Sardenha proibiu a produção deste queijo ainda na década de 1960, impondo multas que podem ascender aos 50.000 euros. Devido à presença de larvas vivas e ao risco potencial de contaminação, a venda do casu marzu é tecnicamente ilegal. Há, contudo, um mercado negro para o comércio deste tipo de queijo.

Da ingestão deste queijo decorre o risco potencial de miíase intestinal provocada por larvas. Os sintomas incluem náusea, vómito, dor abdominal e diarreia sanguinolenta. As larvas de Piophila casei apresentam-se muito resistentes ao meio ácido estomacal humano e podem continuar vivas após a passagem pelo estômago, vivendo por algum tempo nos intestinos e causando lesões estomacais e outros problemas gastrointestinais.

A ilegalidade do casu marzu também contribuiu para o seu status de mito gastronómico, tornando-o ainda mais desejado por aqueles que procuram experiências culinárias extremas. Os sardos defendem que ocasu marzu, quando preparado corretamente, não apresenta risco significativo à saúde.

Nos últimos anos, o casu marzu ganhou notoriedade global, aparecendo em documentários, programas de televisão e artigos de revistas que exploram alimentos exóticos e raros. Essa exposição internacional, paradoxalmente, aumentou o interesse pelo queijo. Fama que também trouxe à tona questões sobre a sustentabilidade da produção e o futuro do casu marzu face à legislação europeia.