A Rita já terá ouvido muitas vezes esta pergunta. De qualquer forma não resisto em colocar-lhe a questão. Como é que uma psicóloga de formação é “raptada” para este mundo da cozinha?

Tem toda a razão. É uma pergunta frequente. A minha grande paixão inicial foi a pediatria. Por uma questão de médias de acesso à universidade não entrei em medicina. Optei pelo curso de psicologia. Quando o terminei fui trabalhar numa outra área. Na realidade não me consigo ver sentada a uma secretária horas a fio. Por outro lado, sou muito emocional e acabaria por não criar a distância suficiente face aos problemas dos pacientes. A cozinha acabou por surgir naturalmente na minha vida, embora não a tenha praticado até aos 18 anos. Não posso dizer que haja propriamente uma tradição familiar. Tive uma avó que cozinhou para mim muitos anos. Era uma cozinha de tacho, de conforto, logo pouco relacionada com a cozinha mais leve que pratico.

Chega, então, o momento em que a Rita arregaça as mangas e diz, “vou para a cozinha”, certo?

Naturalmente comecei a produzir algumas receitas para receber a família e os amigos em casa. Inicialmente mais sobremesas e, depois, passei aos pratos. Já na altura introduzia apontamentos meus. Depois nasceu o Martim, o meu primeiro filho, e com ele começaram as festas infantis de aniversário. Nessa época já preparava tudo o que ia à mesa. Comecei a destacar-me ligeiramente. Paralelamente lia muito sobre cozinha. Na televisão, os programas da Marta Stewart inspiravam-me. Via na sua mudança de vida (inicialmente era modelo) pontos de encontro com o meu percurso.

A cozinha saudável e emocional de Rita Malvar

A abordagem que faz à cozinha mudou num momento traumático. Quer partilhar connosco?

A doença grave da minha sogra despertou-me a atenção para uma cozinha saudável e para os cuidados com a dieta do doente. A minha sogra foi sempre um excelente garfo. Para ela, algarvia de gema, a comida era um prazer absoluto. Cozinhava com grande paixão e com todos aqueles ingredientes que, sabemos, são saborosos mas não propriamente saudáveis, como os enchidos, as carnes vermelhas e de porco. Entretanto, com a doença, vieram as restrições alimentares o que, naturalmente, trouxe um abalo emocional. A minha sogra tinha grande dificuldade em ingerir a comida de hospital. Comecei, então, a fazer a comida em casa e a levar-lhe. Pratos adaptados à condição de saúde da senhora.

De certa forma este seu primeiro livro “Comida de Verão – Sabores para o ano inteiro” acaba por fazer uma homenagem à sua sogra?

Sim, já antes o blogue, Rita’s Messy Kitchen, nasceu com essa intenção. Comecei-o três dias após o falecimento da minha sogra.

É com o blogue que acaba por ter projeção.

O blogue inicialmente era visitado por amigos. Depois, através do passa-a-palavra, tornou-se mais visitado. Com o tempo evoluiu. A abordagem inicial era mais gulosa. Desde há ano e meio as receitas são muito diferentes. Acompanham a mudança na alteração da dieta familiar. A certa altura o meu marido teve a necessidade de perder peso. Ajudei-o nesse sentido e ele perdeu 30 quilos.

Nessa altura o que muda na sua cozinha?

Posso dizer-lhe que ficámos com mais tempo na cozinha. As refeições associadas à dieta saudável produzem-se mais rapidamente, têm menos molhos, menos preparação, há muitos ingredientes a cru, evitam-se longas cozeduras. Por outro lado passámos a planear melhor as compras. As idas ao supermercado fazem-se com uma lista daquilo que queremos preparar às refeições. Nos doces não cortámos totalmente, mas sim no consumo de açúcar branco. Em substituição introduzimos, por exemplo, as tâmaras e comemos uma maior variedade de legumes e frutas. A cozinha ficou mais rica e acabamos por brincar com estes ingredientes. Repare, a cozinha portuguesa acaba por ser monótona na utilização dos legumes.

A cozinha saudável e emocional de Rita Malvar

A Rita tem dois filhos. Como pais sabemos a responsabilidade acrescida que temos em incutir bons hábitos alimentares nos nossos filhos.

Os meus filhos têm uma alimentação mais rica em proteína animal, com mais carne do que nós. Estão numa idade diferente, em crescimento e também condicionados pela comida na escola, mais tradicional. A professora de um dos meus filhos está a tentar revolucionar, mas está a encontrar muita resistência. Estou a colaborar e a tentar mudar a mentalidade na escola através de workshops. Mas é difícil. As pessoas ainda não estão muito sensíveis à mudança. É mais fácil colocar um pacote de bolachas na lancheira do que ir comprar pão fresco e fazer uma sandes. É claro que as crianças são moldáveis e estarão mais sensíveis às mudanças. Ao verem em casa os bons hábitos alimentares acabam por assimilar os mesmos.

A Rita já nos falou na Marta Stewart como fonte inspiradora para a sua cozinha. Há outras figuras?

Sim, o Jamie Oliver e a capacidade de mobilização que ele tem. A nível nacional a Mafalda Pinto Leite, também é mãe e faz uma cozinha para o dia-a-dia.

Quais são os ingredientes indispensáveis na sua cozinha?

Além dos legumes e das frutas da época, a manteiga de amendoim biológica, as farinhas alternativas que utilizo, por exemplo, para fazer pão. Também nunca faltam as leguminosas e o leite de amêndoa, dado que não consumo produtos de origem animal, exceção feita aos ovos.

A Rita não sente que radicalizou a sua alimentação?

Não, o que faço é uma abordagem pessoal. Com o tempo fui percebendo aquilo que me faz mal ou bem. Por exemplo, a melancia e o melão não me caem bem. Logo, reduzo estes alimentos na minha dieta. Se tiver uma festa de família, ai faço uma seleção daquilo que é exposto. Posso comer gelatina, evito os fritos, mas não rejeito uma sandes de fiambre ou de queijo.

Neste seu livro vamos encontrar receitas muito simples que podemos levar, por exemplo, para o trabalho. Teve esse cuidado, o de introduzir uma dimensão prática na obra?

Sim, nas grandes cidades as pessoas tendem a levar a marmita para o local de trabalho. É mais económico e sabem o que estão a comer. Basta preparar uma quantidade maior de comida no dia anterior. Depois, o leitor, vai encontrar, por exemplo, sugestões excelentes para um piquenique de verão. Acresce que quase todas estas receitas são originais, não estão publicadas no blogue.

A cozinha saudável e emocional de Rita Malvar

Pode dar-nos alguns exemplos de receitas simples de levar para o trabalho?

Uma salada de quinoa. Se a levar já cozida basta acrescentar os restantes ingredientes. Os alimentos salteados também são excelentes. Pode saltear os espargos no dia anterior, em casa. Outro exemplo, um molho vinagrete para temperar uma salada. Basta levá-lo num frasco.

Em “Comida de Verão – Sabores para o ano inteiro” deixa um repto: tornar esta alimentação estival transversal a todo o ano. É simples?

Sim, claro. Este livro foi feito no inverno, e não tive muita dificuldade em arranjar, em pleno mês de janeiro e fevereiro, ingredientes associados ao tempo quente. De qualquer forma, no livro, deixo em todas as receitas dicas para o leitor substituir alguns ingredientes fora de época. Trata-se de simples adaptações.

No final do livro deixa uma ligeira provocação aos homens (“homem que é homem sabe cozinhar”). Acha que os homens deixam a desejar entre tachos?

[Risos] No final do livro sugiro seis menus com receitas, todas do livro, que as pessoas podem agregar num dia especial, como um dia na praia, um piquenique, festas com miúdos. Deixei também uma sugestão para os homens com receitas tipicamente masculinas, como alternativa aos tremoços. Por exemplo, uma tosta de pimentos com brie de pesto, mexilhões  com chipotle, hambúrguer de bacalhau e batata-doce.

Fotografias: Rita Malvar

A cozinha saudável e emocional de Rita Malvar