Além da criatividade de cada chef, todos são unânimes em dizer que o seu sucesso está diretamente associado à qualidade dos produtos usados. Foi com isto em mente que perguntámos a oito chefs onde costumam ir às compras para os seus restaurantes. «Os nossos produtores são aqueles que fazem com que os nossos clientes tenham uma refeição de memórias». É desta forma que Diogo Rocha, chef do restaurante Mesa de Lemos, em Silgueiros, Viseu, nos mostra a importância que os produtores têm para os chefs.
A confiança é a palavra chave, a ponto de Diogo Rocha «colocar uma cenoura apenas cozida no prato» e os clientes ficarem encantados ao relembrar «o sabor que estava esquecido há uns tempos. Isto só é possível quando utilizamos matérias-primas de alta qualidade», realça. E todos os chefs sabem disso, escolhendo criteriosamente os produtores. «A qualidade do nosso trabalho depende diretamente dos produtos com os quais trabalhamos», refere José Avillez, chef do Belcanto, do Cantinho do Avillez [que acabou de inaugurar no Porto], da Pizzaria e Café Lisboa.
«Sem bons fornecedores, não conseguiríamos trabalhar. O dia a dia é muito intenso e as encomendas não podem ser uma preocupação», acrescenta ainda. Opinião semelhante tem o chef do São Gabriel, em Almancil, Leonel Pereira, que a par «do grau de frescura e do acondicionamento», considera essencial «a consistência nas entregas» na escolha de um produtor. Dalila Cunha e Renato Cunha do restaurante Ferrugem, em Vila Nova de Famalicão, juntam a tudo isso as pessoas.
«Da mesma forma que os nossos clientes apreciam a relação com o cozinheiro, também nós gostamos de saber quem está por detrás de cada produto, o carinho que emprega no seu trabalho, o respeito que tem pela natureza e a capacidade que tem de se ajustar às nossas necessidades», sublinham. O que não está muito longe da filosofia do produtor, defendida por Miguel Laffan, chef do restaurante L'And, em Montemor-o-Novo, como critério de escolha, logo a seguir à qualidade.
A necessidade de uma pesquisa constante
Em Portugal, existem excelentes matérias-primas, mas como diz o chef da 1300 Taberna, Nuno Barros, «não é fácil chegar até aos produtores». Diogo Rocha conta que «é uma pesquisa constante de novos produtos e por consequência de novos produtores». Talvez tudo isso explique que «um restaurante com cerca de 30 lugares e que não está integrado numa unidade hoteleira, se veja obrigado a ter mais de 40 fornecedores só de matérias-primas», referem os proprietários do Ferrugem.
«Nas grandes superfícies, encontra-se muita coisa, mas há produtos de estufa e não de época e nós procuramos produtos mais exclusivos que nos permitem apresentar alguma novidade aos clientes», explica Nuno Barros, que defende as compras diretas ao produtor. «Só assim é possível saber o que é melhor em cada altura do ano», assegura. Muitos dos seus fornecedores têm-lhe ido bater à porta para experimentar os seus produtos e, quando gosta, passa a trabalhar com eles.
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A necessidade de ir buscar produtos junto da sua origem
À exceção da Miosótis, loja onde vai comprar produtos biológicos, todos os restantes produtores trazem-lhe os produtos ao restaurante, tal como acontece a José Avillez, no entanto, o chef do Belcanto diz que quando é necessário alguma coisa de última hora, gosta de ir «às compras ao Mercado da Ribeira, pois tem uma boa seleção de produtos de qualidade». Diogo Rocha gosta de se deslocar aos produtores e «a aquisição dos produtos é feita o mais possível perto da sua origem, permitindo assim saber e controlar o seu processo de fabrico podendo mesmo intervir e ajudar», diz.
Na Quinta do Poial, em Azeitão, exemplifica Nuno Barros, Maria José Macedo produz «quase tudo o que os chefs lhe pedem para produzir». De acordo com Vitor Matos, chef do Largo do Paço, em Amarante, casos como este fazem falta em Portugal. «Precisamos de pequenos produtores direcionados para a alta gastronomia como se vê em França e em Itália», sublinha. Essa proximidade com os produtores faz com que se possa pensar em produtos específicos, como é o caso do queijo que Diogo Rocha encomendou ao seu produtor de queijo Serra da Estrela.
«Pedimos-lhe que fizesse um queijo da Serra da Estrela com um tamanho bem superior ao que ele faz habitualmente», revela. A reação inicial foi de estranheza e interrogação mas, depois da explicação, baseada em que os melhores queijos do mundo são de dimensão pelo menos XL, o produtor de laticínios aceitou e, hoje, apesar de ser um projeto ainda em teste está «orgulhoso por ser produtor de um dos maiores queijos do mundo e talvez um dos melhores», considera o chef.
O fenómeno das hortas privadas
À falta de produtores, muitos chefs voltam-se para hortas próprias. «Na Quinta de Lemos [propriedade onde está inserido o Mesa de Lemos], existe uma horta de dois hectares e surgiu porque, por vezes, temos dificuldade em encontrar os produtos que queremos. Damos especial destaque às ervas aromáticas, couves, feijão, ervilhas, favas, batata, cebola, alface e temos ainda um pomar. Ambos servem também para nos alertar quais os legumes ou frutas da época», explica Diogo Rocha.
No São Gabriel, também existe uma horta, que, como realça, Leonel Pereira, tem um caráter pedagógico. «Tenho mais de 20 ervas aromáticas diferentes e cerca de 30 verduras e aproveito para dar formação à equipa, desde o semear, tratar diariamente e, finalmente, apanhar o fruto dessa sequência». Renato Cunha e Dalila Cunha vão pelo mesmo caminho e possuem uma «horta de aromáticas bem recheada», tanto que teve passar, por falta de espaço, do jardim da casa de ambos para o quintal da casa dos pais de Renato. Sem recurso a pesticidas, «temos a vantagem de podermos ajustar a produção às sucessivas alterações da carta», garantem.
Há seis meses, Nuno Barros também aderiu a esta moda, arrendando uma horta em Sintra ao projeto My Farm. «Controlamos o processo todo por Internet e já nos deu tomate, cenoura, pepino, alface, curgete, beterraba, espinafres, feijão-verde e rúcula», conta. Quem ainda não tem uma horta é Vítor Matos, mas pondera essa hipótese, «não só para uso da cozinha, mas também para criar experiências sensoriais aos hóspedes» da Casa da Calçada, hotel onde está inserido o restaurante Largo do Paço.
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Os ingredientes internacionais mais procurados
Estes chefs trabalham em regiões diferentes do País, mas quando lhes perguntamos se dão preferência aos sabores regionais, à exceção de Miguel Laffan, que usa maioritariamente produtos regionais alentejanos, afirmam que gostam de usar produtos das várias regiões. Diogo Rocha, ainda recentemente se deslocou à ilha da Madeira à procura de produtores madeirenses. Já José Avillez diz que usa «alguns regionais, mas sem fundamentalismos». O mesmo sucede aos proprietários do Ferrugem que declaram privilegiar os locais, embora façam incursões por outras regiões.
«Não somos fundamentalistas quanto à sua origem. Desde que sejam bons e encaixem no perfil da nossa cozinha, são sempre uma opção», refere. «Temos uma gastronomia tão rica e diversificada no nosso País, que há que promovê- la e aos produtos associados», acrescenta ainda Vítor Matos. Leonel Pereira vai mais longe ao dizer que «quando os produtos portugueses não têm a qualidade e a consistência» que exige, compra «no cesto do mundo». Mas não está sozinho, fazer compras no estrangeiro é algo comum a todos os entrevistados.
No caso de Vítor Matos, isso passa pela compra da carne Kobe japonesa e Angus irlandesa, caviar francês, trufas da Toscana e balsâmico de Modena, de Itália. «Não utilizo produtos estrangeiros pelo nome ou estética, mas sim pela ligação ao produto e à minha história. Não posso esquecer que o início do meu percurso profissional foi feito na Suíça», adverte. Ao estrangeiro, Miguel Laffan vai buscar as especiarias, vieiras e alguns molhos asiáticos. «São poucos», diz, «mas mesmo assim são importantes no sentido de criar algum exotismo e fusão nos meus pratos».
Uma questão de qualidade
José Avillez também utiliza alguns produtos estrangeiros «pelo sabor ou pela textura, sempre que faz sentido, tais como foie gras, trufas, cuscuz, mostardas, várias especiarias, lima kaffir, burrata e mozzarella». Por sua vez, Dalila Cunha e Renato Cunha usam produtos que fazem parte da nossa história, embora oriundos de outras paragens. «São exemplo disso o bacalhau e as especiarias. Mas produtos como as leguminosas, que existem cá com grande qualidade, não faz sentido seguir o exemplo da indústria, preterindo os nossos para comprar a países como o México ou a China», dizem.
«Para além da qualidade dos nossos ser muito superior, impõe-se a responsabilidade de comprar o que é nosso», sublinham ainda. Diogo Rocha é de todos o que menos usa produtos estrangeiros, ficando-se pelo chocolate, por não ter outra alternativa. Antes de estar no Mesa de Lemos, utilizou alguns, mas hoje não sente «qualquer necessidade de usar produtos estrangeiros». «O produto tem de corresponder ou superar as nossas expectativas em termos de qualidade», diz José Avillez. E isso só é possível estabelecendo «uma relação de confiança com o fornecedor» e é assim que os grandes nomes da gastronomia em Portugal trabalham.
Faça isto em casa
O chef Nuno Barros aconselha que as pessoas em casa adotem a filosofia que tem no seu restaurante e que o tem aproximado de pequenos produtores. «Assim conseguem-se os melhores produtos, o que faz toda a diferença na hora de cozinhar», assegura. Mas será muito mais caro? «Não e mesmo que seja ligeiramente, há menos desperdício o que acaba por ser vantajoso», refere.
«Quando compro, por exemplo, produtos biológicos duram três vezes mais do que os que vêm embalados», assegura o chef, que recomenda o mercado biológico do Príncipe Real, o Mercado de Oeiras, o de Alagoa e o de Cascais. «Experimente ir ao mercado sem pensar no que vai cozinhar, ou seja, escolha primeiro os ingredientes e só depois pense nos pratos que pode fazer com eles, é inverter o habitual», ensina Nuno Barros.
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Os locais onde os chefs vão buscar ingredientes:
Nuno Barros
Este chef privilegia cebolas, batatas e fruta da época de um produtor da região oeste, produtos biológicos da empresa Miosótis e carne de vitela barrosã e de Trás-os-Montes. Os enchidos encomenda-os no Alentejo e Montalegre e o queijo vem de Quinta do Conde. As ervas aromáticas e os micro vegetais que usa são adquiridos num quintal urbano da zona histórica de Lisboa e os mini legumes de que tanto gosta vêm da Quinta do Poial
José Avillez e Diogo Rocha
Para o chef José Avillez, o peixe é comprado às empresas Açucena Veloso e Nutrifresco. A carne vem do talho Tito Carnes e os laticínios da Manteigueira silva. Os legumes biológicos e alguns frutos são adquiridos na Quinta do Poial e os citrinos no Lugar do Olhar Feliz. Já Diogo Rocha opta pelo peixe da lota de Peniche, pela carne de vitela da região de Lafões e pelo cabrito da zona da Serra do Caramulo.
Dalila Cunha e Renato Cunha
O porco-montanheiro que estes chefs cozinham é adquirido na Herdade do Freixo, o sal marinho e a flor de sal na empresa Salmarim e os micro verdes e as flores comestíveis vêm da Ervas Finas. As cenouras, os rabanetes e os mini-hortícolas são fornecidos pela H2D e as restantes hortícolas e fruta são compradas no Mercado da Apúlia. O porco-bísaro e os enchidos vêm da Quinta de Folga, o bacalhau é Pascoal e o peixe pode vir da «D. Filomena da Apúlia ou da Nutrifresco», revelam.
Leonel Pereira e Miguel Laffan
Para os legumes, a fruta e as verduras, o chef Leonel Pereira recorre à Quinta Biolíca, em Lagos. O peixe é adquirido na Nutrifresco, o porco-bísaro vem de Gimonde em Trás os Montes e a carne de vaca e de borrego e o foie gras são comprados à Fumadis. Já Miguel Laffan recorre à Herdade do Freixo do Meio para o porco-montanheiro, à Quinta do Poial para os legumes de pequena dimensão e compra os rebentos na Primeira Folha. O queijo de ovelha vem do Monte da Vinha.
Vitor Matos
Peixe e marisco, para este chef, têm de vir da Nutrifresco. Alfaces, germinados e legumes são provenientes da H2D e o azeite privilegiado pode ter origem na Quinta do Noval, Principal, Rosmaninho, Quinta do Romeo, Carm e Acushla. O porco-bísaro e os enchidos que usa são provenientes da Salsicharia Bísaro e a vitela-maronesa proveniente da Cooperativa Agrícola de Vila Real. O bacalhau, português, que usa é-lhe fornecido pela Friguarda. Para cogumelos silvestres e vegetais diversos, recorre à empresa de Manuel Duarte da Cruz. Os doces amarantinos vêm da Confeitaria da Ponte e as conservas portuguesas, balsâmico e caviar, entre outros, provêm da Anamac.
Texto: Rita Caetano
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