Quem desce a Avenida da liberdade, em Lisboa, rumo à Praça dos Restauradores, sabe que poucas dezenas de metros volvidos após o icónico Cinema São Jorge, vai encontrar outro espaço que serve de emblema à capital desde 1947. A porta com o número 155 é, há quase sete décadas, um sinónimo de marisco (e não só, pois também se comem as carnes) tratado com preceito.
A Ribadouro, marisqueira e cervejaria, é também para muitos lisboetas mais do que uma casa onde se sentam à mesa. Para muitos artistas foi durante décadas pouso de tertúlia, dado o restaurante ser espaço contíguo ao velhinho parque Mayer. Muitas famílias também fizeram desta marisqueira uma segunda casa no que respeita aos apetites da mesa. De tal ordem se arreigam hábitos que há terceiras gerações de clientes a sentarem-se à mesa desta cervejaria atualmente com imagem refrescada e com um quiosque a servir de segundo balcão em plena Avenida da Liberdade.
É sabido que sucesso no tempo não se faz só com bom produto. Como se usa dizer “de boas intenções está o inferno cheio”. A fórmula para manter viva a chama décadas a fio tem de passar pela componente humana. No caso da Ribadouro o fator humano conta com funcionários como o senhor Alberto Moita, marisqueiro há 30 anos na cervejaria e Manuel Almeida, com 29 anos de casa. Juntos formam a dupla que hoje se presta a trazer o marisco vivo da cozinha para a sala da Ribadouro. Isto para uma breve, mas ilustrativa aula, de como se bem se devem tratar crustáceos e moluscos.
Juntos, Alberto e Manuel não conseguem estimar quantas toneladas de lagosta, lavagante, sapateira, ostra, gambas do Algarve, camarão tigre de Espinho ou de Moçambique, lhes passaram pelas mãos. “Atreva-se o senhor a fazer a conta”, lança Alberto Moita com um sorriso, “por semana encomendamos mais de 25 toneladas de marisco”. Trocando por miúdos e com base em dados disponibilizados pelo Grupo Portugália detentor do restaurante, a Ribadouro serve anualmente, perto de quatro mil quilos de sapateira, 11 mil quilos de camarão. No mesmo período e no que respeita a líquidos, bebem-se nesta casa aproximadamente 30 mil litros de cerveja.
No momento presente, Alberto Moita e Manuel Almeida, concentram-se nas explicações sobre o marisco que lhes é colocado à frente. Ostras, de bom porte, com as características cascas coriáceas. “Estas chegaram hoje do Algarve, da Ria Formosa. Também compramos ostras a produtores da Ria de Aveiro e do Estuário do Sado”, alerta Alberto. Neste caso, estamos perante ostras com um ano de crescimento. A Ribadouro recebe entre 40 a 50 quilos deste bivalve por semana. “Há que ter muito cuidado com a frescura deste marisco” alerta o nosso interlocutor, “se não estiver fresco é dos mais perigosos para a saúde humana”.
Como podemos aquilatar esta frescura? “Há que avaliar se a concha não está aberta e, caso se confirme que abriu, terá perdido a água”. Neste caso, está proibido o consumo. Uma boa ostra é uma ostra fechada. Abri-la implica uma técnica apurada. Um saber fazer que o senhor Manuel exemplifica com destreza. Munido de uma faca e de uma luva de malha de ferro, aplica pressão com o polegar no punho do instrumento de corte, empurra a lâmina para dentro, no ponto certo, e com um movimento de alavanca abre as duas faces da concha. O purista vai apreciar esta ostra, assim mesmo, com toda a frescura a mar. Quem não aprecia sabores tão intensos pode acrescentar à carne da ostra, um fio de limão.
Alberto Moita segura, agora, uma empreendedora Sapateira. O crustáceo, capturado na costa portuguesa, agita duas pinças de respeito. O marisqueiro quer desfazer um mito: “No caso da sapateira ser macho ou fêmea não traz influência ao sabor”. Para lhe tomar a qualidade da carne e a abundância desta sob o exoesqueleto do animal há algumas dicas importantes. “Se estiver muito `branquinha` está vazia. Por outro lado, devemos verificar se as pinças não dançam quando agitamos a sapateira. Ou seja, se as mantém firmes”, aconselha o senhor Alberto. Ainda no item escolha há que apertar, com os polegares, as laterais da sapateira na parte inferior do crustáceo. Se chocalhar estará vazio. Também ao pressionar a casca, se esta ceder um pouco, o animal está vazio. “A fêmea tem duas `maminhas` [membranas]. Se estiverem salientes está cheia”, acrescenta o marisqueiro.
No que toca à cozedura, a sapateira vai ao tacho em água a ferver. “Deve chegar à panela já morta. Para isso colocamo-la num recipiente com água tépida. Quando não segura as pinças está pronta para cozer”. Chegados a este ponto há que ter em atenção que só conta o tempo de cozedura quando a água volta a entrar em ebulição. Uma sapateira de um quilo levará dez minutos de cozedura. Mas é relativo, “depende do tamanho, do número de sapateiras que vão a cozer simultaneamente”.
Manuel Almeida deixa-nos uma receita para produzir um bom recheio: juntar à carne do animal e às miudezas, um bom vinho da Madeira, maionese e picante. Este último se for a gosto do comensal.
O topo de gama do marisco e os frágeis percebes:
Manuel e Alberto apresentam-nos o topo de gama no que respeita aos mariscos, a Lagosta. Dois exemplares ainda vivos que revelam um apurado instinto de sobrevivência ao sentirem-se ameaçados. Investem e emitem um matraquear perturbante. Impõe respeito este crustáceo de lento crescimento, de muito alimento e que pode atingir mais de um quilo de peso. Os funcionários da Ribadouro alertam-nos para as diferentes cores, decorrentes da proveniência dos espécimes. “As lagostas mais escuras provêm de águas frias. São as melhores”, elucida o senhor Alberto. Para cozer uma sapateira, basta sal, 50 a 60 g por litro de água. Tal como na sapateira só se vai contar o tempo da cozedura depois de a água voltar a ferver após a receber o animal. “Uma lagosta com um quilo leva uns 20 a 22 minutos a cozer”.
De um marisco dos fundos marinhos para um outro das zonas rochosas dos litorais, a dupla de marisqueiros apresenta-nos os Percebes das Berlengas. “São muito difíceis de apanhar. Vivem nas rochas, na zona da rebentação”, adverte o senhor Alberto. Para perceber se estão frescos e vivos, há que cheirá-los para sentir o odor a maresia. Acresce que, ao toque, não podem estar peganhentos. Preparar uns percebes para levar à mesa não acarreta grande ciência. “Basta uma lavagem muito rápida antes da cozedura. Esta faz-se com água fervente. Os percebes entram no líquido em ebulição acondicionados numa rede. Isto porque a cozedura é só um escaldão que lhes damos. No que respeita ao sal, 70 g por cada litro de água”, fica o conselho. Já à mesa, podemos avaliar a frescura de uns percebes se a unha sair bem do pedúnculo.
Finalmente, um Camarão de Espinho, um espécime de fundos rochosos e arenosos. “Se estiver congelado, devemos fazer a descongelação bem feita. Um método rápido é colocar o camarão sob água corrente”, alerta o funcionário da Ribadouro. Quanto à cozedura, tal como na sapateira e na lagosta, o camarão vai à água fervente.
Aqui, contudo, difere o ponto ideal de cozedura. “Assim que o marisco vier ao de cima e a água começar a espumar, está pronto para sair do elemento líquido. Assim que o fazemos, damos-lhe um choque térmico, mergulhando-o em água com um punhado de sal e com gelo. Basta cinco minutos”. Uma dica: para levarmos e retirarmos o camarão todo ao mesmo tempo da água basta levá-lo a cozer dentro de um saco em rede de batatas.
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