Para quem, como nós, tenta fazer uma cozinha com os melhores produtos de cada época, o Verão é o expoente em termos das possíveis combinações que se podem fazer. A ligação do pescado com fruta é uma das nossas favoritas e nesta época o difícil é decidir o que queremos utilizar dada a variedade imensa que encontramos. Recentemente foi-me feito o desafio de combinar frutas com peixe para o "Peixe em Lisboa" e chegámos a interessantes combinações: sardinha com cerejas ou melão com raia.
Confesso que a primeira combinação foi um pouco mais emocional que técnica, resultando de recordações familiares de grandes sardinhadas com a batata nova acabada de apanhar, com peixe proveniente da zona de Aveiro que chegava à aldeia ainda a saltar, refeição esta que depois terminava com uma taça de água fresca com umas belas cerejas da Cova da Beira. Porque será que era feita esta combinação? Seria pura coincidência de época ou haveria uma intenção da frescura e acidez das cerejas vir a cortar a gordura e untuosidade das sardinhas? E foi com estas premissas que construímos o nosso prato. Uns filetes de sardinha fumados no momento utilizando os pés das cerejas, com um escabeche das mesmas. Combinação arrojada? Certamente que sim, para os mais céticos, e mesmo para quem fazia as nossas sardinhadas. Mas são este tipo de combinações que fazem evoluir a nossa cozinha e que podem dar uma nova expressão à sardinha e a outras espécies tão ricas e saborosas.
O melão com a raia surgiu-nos depois de termos recebido uma grande variedade de peixes secos provenientes de Peniche. Entre eles estavam umas raias. Pensámos na muito tradicional receita fresca de melão com presunto, pois estávamos a trabalhar um peixe seco e salgado. Tratámos o melão em vácuo, recorrendo a congelações e descongelações sucessivas, o que nos permitiu alterar a textura fibrosa inicial do melão que depois no final foi ainda grelhado. O peixe foi dessalgado e cozinhado em manteiga e depois finalizado com umas gotas de limão. Esta combinação do melão com raia demonstra muito bem o estilo de trabalho que fazemos. Uma receita tradicional é o ponto de partida e é a base para surpreender os clientes. Ao provar, os sabores de referência terão de estar presentes, apesar de terem texturas bem diferentes das usuais.
É isto que caracteriza muito a nossa cozinha: base tradicional como referência, produtos frescos, de época e de qualidade, e alguma técnica para se tentar alcançar um resultado diferente e arrojado. E peixe sempre presente.
Nuno Barros
Chef do Restaurante Taberna 1300
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