Quando se pensa no nome Erva, é natural imaginar um espaço leve, verde, fresco. Vegetariano, talvez. “Já entraram clientes à espera de encontrar um restaurante vegetariano?”, pergunta um dos jornalistas presentes. À mesa está o chef executivo do Corinthia, hotel lisboeta que alberga o restaurante. João Moreira não hesita: “Já nos perguntaram se somos vegetarianos, mas não somos. Temos opções vegetarianas, mas não somos um restaurante vegetariano. Isso é um equívoco que acontece por causa da decoração.”

Horas antes, entramos no restaurante, o tal cuja envolvência é preenchida pelos tons de verde — muitas plantas, madeira e ferro num ambiente acolhedor de estética urbana — e com uma entrada direta para a rua. Afinal, uma das coisas que ainda afasta potenciais clientes de restaurantes de unidades hoteleiras é a ideia de que é preciso “entrar pelo hotel adentro” e invadir um espaço alheio. No Erva, essa barreira foi desmontada logo à nascença: uma das portas de acesso é independente e convida a entrar sem hesitações.

Noite de tango e sabores latinos a 14 de fevereiro no Erva
Noite de tango e sabores latinos a 14 de fevereiro no Erva créditos: Erva

Produto nacional, o mote da mudança

Mas não foi apenas a decoração que nos trouxe ali. O motivo do encontro foi a apresentação da nova carta do restaurante, completamente renovada, num gesto que o próprio chef admite como arrojado. Afinal, a carta anterior mantinha-se praticamente intacta há vários anos. “Queríamos deixar para trás os pratos que já estavam na carta desde 2018 e criar algo que mostrasse de facto a nossa identidade e a qualidade do produto português”, explica o chef, que está no hotel desde 2019.

E como se não bastasse apresentar pratos novos, o restaurante decidiu convidar os jornalistas para um workshop prático de arroz de enchidos no forno. Uma escolha diferente. No menu da nova carta, a descrição aparece mais contida: Porco Preto Alentejano – Cachaço, arroz de enchidos, laranja (25€). Mas na cozinha do Erva, a execução é tudo menos simples. Os enchidos e os legumes são cortados à mão, a base de legumes refogada com tempo, com aproveitamento das cascas para minimizar o desperdício, o arroz Bom Sucesso é bem envolvido nos sucos e depois levado ao forno para uma textura perfeita. Já o cachaço vai cozinhar a baixa temperatura durante 12 horas.

Dica

Durante o workshop, os chefs partilharam uma dica de ouro: o que faz com as cascas dos legumes que usa nas suas receitas? Reaproveita-as? Se ainda não o faz, comece a guardá-las — pode ser num recipiente adequado no congelador. Quando tiver uma boa quantidade, use-as para fazer um caldo de legumes caseiro e dar mais sabor aos seus cozinhados.

A dica é simples: deixe o caldo borbulhar em lume brando durante, pelo menos, 30 minutos depois de começar a borbulhar. Evite que ferva — o calor excessivo pode deixar um travo amargo. Assim, extrai o máximo de sabor e consegue dar um toque especial àquele arroz ou sopa. Pode até congelar o caldo em doses pequenas e ir usando conforme precisar. Acredite: faz mesmo a diferença. Palavra de chef.

Durante o workshop, os jornalistas meteram as mãos nos ingredientes — cenoura, alho francês, enchidos variados — e a equipa de cozinha partilhou alguns dos segredos da casa (deixamos-lhe a receita no fim deste texto). A começar pelos fornecedores, cuidadosamente escolhidos. No caso dos enchidos, a estrela é a SEL – Salsicharia Estremocense, que recentemente conquistou sete medalhas (seis de ouro e uma de prata) e a primeira Taça para Portugal no concurso internacional IFFA, em Frankfurt. Dela vêm o chouriço de carne de porco preto, a morcela e o chouriço mouro de porco branco, todos utilizados no prato.

Mas os enchidos são apenas parte da história. O restaurante aposta fortemente na escolha de produtores nacionais e fornecedores de confiança, uma ligação que o chef João Moreira mantém com proximidade e regularidade. O peixe fresco vem da Peixaria Veloso, no Mercado 31 de Janeiro, onde o chef vai pessoalmente sempre que pode, sobretudo ao sábado, para preservar a relação direta com o fornecedor. “Pedimos linguados, chocos, lulas grandes de um a dois quilos, conforme vamos arranjando. Tenho um contacto direto e próximo; às vezes mandam sugestões do que têm, eu digo ‘posso aceitar?’ e eles enviam”, conta.

Já o bacalhau chega pela mão da Lugrade, produtora da região centro, conhecida pelo rigor na cura e seleção. A estrela é o bacalhau Asa Branca da Islândia, que já chega à cozinha demolhado e higienizado, oferecendo “uma garantia de qualidade e uniformidade”, explica João Moreira. “Às vezes há bacalhau mais salgado do que o esperado. Aí recebemos reclamações”, admite. Com este fornecedor, esse risco é praticamente eliminado.

O ponto de partida para esta nova carta foi simples: o produto. “Queríamos trabalhar 90%, 100% produto nacional. Andámos meses a estudar o que queríamos fazer, e no início deste ano decidimos: a nova carta entrava na primavera, só com produtos mais frescos”, explica João Moreira.

O lançamento da nova carta foi feito com cuidado. Houve uma semana de soft launch, sem publicidade, para testar a resposta dos clientes. “Felizmente, não foi preciso mudar nada”, explica o chef em relação à carta primavera/verão que entrou no dia em que começou precisamente a primavera.

Vai um arroz de enchidos à moda do restaurante Erva? Até receita lhe deixamos
Vai um arroz de enchidos à moda do restaurante Erva? Até receita lhe deixamos Arroz de lírio créditos: Divulgação

A nova estrutura prevê duas cartas por ano — primavera/verão e outono/inverno —, cada uma pensada para aproveitar os produtos da época. “Vamos adaptando. As entradas são mais frescas, fugimos das sopas — temos só uma. Para a próxima carta, talvez volte o polvo, no forno.” Mas há mais. O lado mais criativo fica para o Menu Regiões, servido apenas ao jantar e com uma identidade rotativa. “Todos os meses trabalhamos uma região específica, tanto no prato como na sobremesa”, diz João Moreira.

O mês de junho será dedicado à Estremadura, com a sardinha como presença garantida, uma escolha que respeita a sazonalidade e a tradição lisboeta. Já em julho, a Beira Alta sobe à mesa, com pratos típicos da região e um pairing de vinhos locais. A ideia é simples: dar a provar Portugal, de Norte a Sul, ilhas incluídas, sempre com produtos do tempo e pratos com história.

Este menu acaba por ter uma componente quase pedagógica, sobretudo pensada para o público estrangeiro do hotel. “Queremos que conheçam Portugal. Os portugueses já conhecem, mas quem vem de fora não. Temos pratos do Douro, da Bairrada, do Algarve, dos Açores. A chanfana, por exemplo, teve muito sucesso junto dos clientes americanos.”

A ideia não é estanque e as escolhas respeitam o calendário e a lógica das regiões: “Não faria sentido servir sardinha ou pratos algarvios em dezembro”, assume. O chef explica ainda que o menu é afinado ao longo do mês, no sentido de melhorar ou alterar os pratos que tenham menos saída.

Lírio, cachaço e pastéis de bivalves: os novos protagonistas

Mas voltando à nova carta, entre as novidades, há um favorito claro para João Moreira: o arroz de lírio (28€). “É caldoso, feito com caldo das espinhas do próprio peixe, finalizado com tomate fresco e coentros. O lírio vem grelhado só com sal. É muito procurado.” O polvo também se mantém entre os mais pedidos, por ser um produto familiar ao cliente, e na carne, o cachaço de porco tem conquistado cada vez mais espaço. “Ainda há algum preconceito com o porco, mas quando provam, voltam.”

Nas entradas, os croquetes de leitão à Bairrada (14€) e os pastéis de bivalves (15€), que fazem com massa tenra, ganham destaque. “Abrimos os bivalves — lingueirão, amêijoa, berbigão — e aproveitamos o caldo para fazer o recheio. Os pastéis não são servidos com molho, é mesmo o pastel com os bivalves dentro”, explica o chef.

Vai um arroz de enchidos à moda do restaurante Erva? Até receita lhe deixamos
Vai um arroz de enchidos à moda do restaurante Erva? Até receita lhe deixamos pastel de bivalves créditos: Direitos reservados ao autor

Nas sobremesas, o chef assume algum risco: “Temos uma baba de camelo com requeijão e leite de cabra (8,5€). Não é consensual, mas quem gosta, adora. O mil-folhas é feito com ananás dos Açores (9€). E o bolo de chocolate (8€) leva farinha de milho. É um twist interessante.”

A carta não é extensa, por escolha. “Prefiro dar tópicos dos ingredientes e confiar no serviço de sala para fazer a ponte com o cliente. A carta é feita a pensar no cliente, no talento da equipa e no que conseguimos executar bem.”

Vai um arroz de enchidos à moda do restaurante Erva? Até receita lhe deixamos
Vai um arroz de enchidos à moda do restaurante Erva? Até receita lhe deixamos Mil-folhas créditos: Direitos reservados ao autor

Restaurante Erva

Corinthia Hotel

Av. Columbano Bordalo Pinheiro, 105 Lisboa

Horário: De quarta-feira a domingo, das 12h30 às 15h30 e das 19h00 à 01h00.

Mas, com a mudança, os clientes não sentem falta dos antigos best-sellers? Até podem ter saído da carta, mas não foram esquecidos. “Algumas pessoas perguntam porque é que os tirámos. Estamos a estudar formas de os trazer pontualmente, como numa semana dedicada aos pratos antigos. A ideia é criar experiências diferentes para o cliente: quem estava habituado a uma coisa, encontra outra”, conclui João Moreira.

Se ficou com água na boca com o arroz de enchidos à moda do Erva, o melhor mesmo é marcar mesa. Mas se quiser pôr à prova o chef que há em si, deixamos-lhe a receita para recriar em casa. Na dúvida, faça as duas coisas… e tire a prova dos nove.

Arroz de enchidos no forno
Arroz de enchidos no forno
Ver receita completa

O SAPO Lifestyle esteve no Erva a convite do restaurante.