É no Norte do país, no Minho, onde os outonos são bem vincados e o calor menos áspero que o chefe Rui Ribeiro se sente bem. Quem lhe segue o rasto na sua página, o Faz&Come, sabe como é cultor de uma ligação telúrica à sua região. Rui Ribeiro é herdeiro de uma tradição gastronómica e doceira geracional. Sabe-o, defende-o, embora afirme a necessidade de lhe retocar a forma para chegar a novos públicos. Irrita-o a má pastelaria, com introdução de pré-fabricados, congelados, aromas e afins. Para Rui Ribeiro, provar um bom pão ou bolo, depois de o produzir é consagrar todos os minutos de preparação, cuidado e escolha de ingredientes envolvidos. No pão, este chef vê a magia da transformação de dois elementos essenciais: água e farinha. Na fotografia encontra uma forma de fixar no tempo o produto efémero. No fundo, Rui considera-se um “partilhador de sabores”

O Rui é cozinheiro de profissão, mas tem outras paixões na vida, nomeadamente a fotografia. Gostava que nos trouxesse o seu bilhete de identidade.

Sou um apaixonado por tudo aquilo com que me identifico e por todos os desafios que me fazem trabalhar cada vez mais rumo à minha satisfação pessoal e profissional.

Gosto do meu trabalho, de cozinhar, do campo, de animais, dos desafios, dos amigos, da fotografia, de mimos, de recompensas, dos utensílios de cozinha, do outono e dos jantares ao ar livre.

Não gosto da pobreza, da injustiça, do calor, das frigideiras que deixam agarrar a comida e facas "cegas".

Quando olhamos para as suas produções culinárias salta à vista o genuíno empenho que nelas coloca. O que mais o fascina quando produz um bolo, um pão, o que seja?

O momento da "prova" é, sem dúvida, aquele que mais me emociona e é com esse objetivo que coloco todo o empenho na fase da produção: medir, pesar, tocar, amassar, cortar. Os ingredientes e o que faz com que se crie uma relação próxima com cada um deles.

“Não há nada que supere a nossa doçaria tradicional e conventual”
“Não há nada que supere a nossa doçaria tradicional e conventual” Chef Rui Ribeiro: "Gosto do meu trabalho, de cozinhar, do campo, de animais, dos desafios, dos amigos, da fotografia"

Ao acompanharmos as sugestões que deixa na sua página (o Faz & Come) parece-nos fácil produzir um bolo elegante, um pão rústico. Contudo, presumo que por trás deste produto final estejam muitas horas de dedicação. É como se costuma dizer uma profissão de “sangue, suor e lágrimas”?

Na maior parte dos casos as coisas correm bem à primeira, mas também já me aconteceu ter que repetir e melhorar receitas várias vezes, até atingir aquele aspeto e qualidade que eu tinha predefinido. Além disso, existem também os dias bons e os dias maus: e no caso dos últimos, nem me atrevo a tentar preparar uma receita nova. Há também aquelas receitas de pão ou massas doces que carecem de longos tempos de fermentação e cuja preparação é feita em vários passos o que obriga, por vezes, a deitar tarde e madrugar.

Há espaço para improviso ou basicamente estamos a falar de técnica?

Em pastelaria é crucial respeitar quantidades, tempos e temperaturas, mas nalgumas receitas há margem para improvisar.

A cozinha do Rui tem também uma matriz de defesa do produto local. Presumo que não veja com bons olhos a massificação gastronómica e a perda das identidades locais?

Sou defensor do património cultural e gastronómico local e nacional. Contudo, julgo que a inovação e utilização de novas técnicas, sempre que utilizadas com o intuito de dar um novo "ar" a receitas tradicionais, possam ser uma mais-valia, visando a aceitação e conquista das novas gerações.

Assumiu por diversas vezes a sua predileção pelo pão. O que o desafia neste alimento universal?

A magia da transformação dos dois elementos essenciais na produção de pão: água e farinha.

É possível produzirmos em nossas casas sem recurso a meios profissionais um bom pão?

Basta farinha, água e uma fonte de calor para fazer pão em casa. Esta é base; a partir daí, há uma infinidade de elementos que podem enriquecer o nosso pão, seja ao nível da textura, do sabor, da conservação.

Presumo que este campo, o do pão, seja uma fonte inesgotável. Onde vai buscar a inspiração para as suas criações?

Inspiro-me, essencialmente, em receitas de pães produzidos de forma e com fermentos naturais, algumas retiradas de livros, outras de blogues inspiradores e outras ainda de amigos que partilham a mesma paixão.

[Clique na imagem abaixo para saber como se produz este Pão de Soda com Sultanas e Sementes]

Pão de soda com sultanas e sementes
Pão de soda com sultanas e sementes

E no que respeita a bolos, Portugal pode ser encarado como uma referência? Ou, antes, como aquele país com uma pastelaria heterogénea, fruto da carolice de anónimos pasteleiros?

Portugal é dos países mais ricos, gastronomicamente falando, e a pastelaria não é exceção. Há, sem dúvida, uma ampla oferta de produtos influenciados por outras culturas e técnicas, mas os portugueses continuamos a ser doceiros por natureza e não há nada que supere a nossa doçaria tradicional e conventual. Ou vocês conseguem resistir a um Pão-de Ló de Ovar bem molhadinho?

Se o tiverem de conquistar pelo estômago com um bolo qual será?

Fico sempre rendido ante um bom bolo de noz.

Na próxima página conheça a faceta de fotógrafo deste chef

Considera que as atuais (e legitimas) preocupações com a saúde, as dietas e as alternativas alimentares estão a fazer da doçaria/pastelaria os parentes mal-amados na cozinha?

Não de todo. Apesar de um maior cuidado com a alimentação, julgo que a doçaria continue a ter o seu lugar bem marcado na dieta da população.

O Rui é um perfecionista. O que mais o incomoda quando atualmente na forma como a nossa padaria e pastelaria são tratadas?

Sou, antes de perfecionista, grande apreciador de pão e de bolos. O que me deixa mais triste é a utilização massiva de produtos, como costumo apelidá-los, “falsos”. Refiro-me a produtos pré-fabricados, congelados, adicionados de aromas artificiais, corantes, `melhorantes`.

[Clique na imagem abaixo para saber como se produz estes Mini flans de laranja]

Mini flans de laranja
Mini flans de laranja

O Rui considera-se um educador do gosto de terceiros?

Digamos que me considero um "partilhador" de sabores.

Há algum Chef que lhe sirva de inspiração? (Se sim, quais as razões).

São cada vez mais os chefs reconhecidos pelo seu excelente trabalho. Quanto a mim, sou um apaixonado pela comida, pela forma como os alimentos são tratados e apresentados e é isto que valorizo no seu trabalho.

E na fotografia, onde se inspira?

Há vários fotógrafos nacionais e internacionais de still life e estilistas culinários que me servem de inspiração cada dia, através dos seus blogues, e contas dos Instagram. Fascinam-me os que utilizam esquemas de iluminação escassa, onde os contrastes e as sombras prevalecem, e é com este estilo que melhor me identifico.

Quais são os maiores desafios e dificuldades quando se fotografa algo tão efémero como a comida?

O mais difícil é, sem dúvida, fotografar gelados ou comida em movimento, seja o molho a escorrer, ou um simples açúcar com que polvilhamos um bolo. Por norma, fotografo as receitas assim que acabo de as preparar, o que facilita o trabalho; mas não queiram imaginar o que é fotografar gelados, às escuras, com luz artificial e uma temperatura ambiente a rondar os 40 graus.

[Clique na imagem abaixo para saber como se produz este Gelado de limão]

Gelado de limão
Gelado de limão

O Rui abriu há relativamente pouco tempo um espaço chamado Sr. Brioche. Presumo que seja uma montra da sua criatividade. O que vamos encontrar?

O Sr. Brioche é, acima de tudo, um local simples, de partilha. Todos os produtos são caseiros e lá não se encontram refrigerantes nem bebidas alcoólicas. Todos os dias há bolos diferentes, ou resultados de experiências, ou repetições de receitas que tiveram êxito, preparados de forma artesanal e com ingredientes de qualidade. Uma torrada de brioche ou de pão saloio ao pequeno-almoço com néctar de fruta acabado de fazer, ou um galão em caneca, como fazemos em nossas casas. Ao lanche, os pedidos ganham outra dimensão e os cheesecake e bolos de camadas acabam por ser os protagonistas, assim como as nossas estrelas: os macarons que, segundo o testemunho de alguns clientes, “são tão bons ou melhores que os parisinos”.

Rui, gere há alguns anos o blogue “Faz & Come”. Em que contexto este surge e o que procura transmitir com o mesmo?

O blogue surgiu por acaso, como instrumento de partilha das receitas realizadas em alguns dos meus workshops. Com o passar do tempo e o carinho dos leitores, comecei a ver o Faz & Come como parte de mim, como instrumento não só de partilha, mas também de comunicação, com o qual pretendo transmitir a mensagem de que todos somos capazes de preparar refeições deliciosas, em vários contextos.

chef rui ribeiro
chef rui ribeiro