Se há quadro propício a predispor para a mesa um comensal parido e nascido em terra piscatória é um inesperado encontro com uma saudável banca de peixe, daquele de bom cenho, escama firme e olho ainda saltitante. Mais quando a dita banca, ornada de cama de gelo, acomoda peixinho e marisco que conheceu o mar, o reboliço das ondas e das correntes marinhas. E como puxam estas pela compleição das criaturas, conferindo-lhes uma carne robusta e atlética. Nada das texturas enfarinhadas de peixes engaiolados.
Diz-se, então, no início deste texto que o encontro com a dita banca de robalos, salmonetes, pregados, garoupas, atum, carapaus, ostras de Aveiro, amêijoa do Algarve, percebes do Guincho, carabineiros, sapateiras de Inglaterra, foi momento inesperado. Foi-o mais por distração do presente articulista, do que pelo aviso que levava de um almoço numa mariscaria. Atenção, diz-se aqui mariscaria. Não é o mesmo que dizer marisqueira, embora também o seja, juntando-lhe outro termo, peixaria. O que explica que assim que transpomos a porta deste MAR, no Parque das Nações, sejamos brindados com o já referido quadro digno de mercado.
A banca não é um apontamento, é a montra para aquilo que o restaurante da dupla Rui Matos e Joaquim Prates (responsável pela pizaria Forneria, também no Parque das Nações), nos apresenta na sua carta, onde não faltam as sugestões diárias, navegando de acordo com aquilo que o mar dá ao MAR. Ou seja, aquilo que dos fornecedores chega diariamente. E tem de ser fresco, muito fresco, como o peixe-espada acabado de receber neste dia. Mais de 1,70 metros de bom exemplar, abonado no que respeita a quilos.
Uma carta com um elenco clássico de marisqueira, juntando-lhe a singeleza de um bom peixe assado no carvão, sugestões para picar ao balcão e à mesa e os inevitáveis bitoque (15,50 euros) e prego do lombo (7,50 euros), entre outras carnes, o que inclui uma peça de 600 g de chuleton de carne maturada (48,00 euros). Porque “nem tudo o que vem à rede é peixe”, lá diz o adágio, reforçado num apontamento escrevinhado numa das montras do restaurante.
Não se esgota, contudo, nisto, apesar de em si já ser bastante. Há que juntar a presença na cozinha do chefe André Veríssimo (ex. Nobre e a Cantina Ministerium), e na sala de Francisco Guilherme, sommelier, anteriormente ligado a projetos como os restaurantes Pedro e o Lobo e o Alma, de Sá Pessoa. Dirão: um sommelier em território de cervejas? Seria se neste MAR, bem próximo da banca de peixe, não repousasse uma interessante garrafeira com inúmeras referências, entre brancos, tintos, espumantes e alguns rótulos biológicos e naturais. Sim, porque já cansa a frase, “com peixinho assado o que vai bem é um vinho branco”. Francisco está neste MAR para contrariar a expressão. No caso vertente concorda com a escolha que fazemos, “seria uma das minhas sugestões”, refere. Um espumante Quinta do Valdoeiro, das Caves Messias, um blend das castas Baga e Chardonnay. “Fino, elegante, vai acompanhar bem toda a refeição”, afiança Francisco. E tem razão.
Já à mesa, onde se passa tudo
E ala para a mesa, esta de tampo de mármore e de estrutura de madeira robusta, à boa maneira da tradição das marisqueiras. Manda também a regra do restaurante de marisco que não falte o `aquário` nutrido de água borbulhante para gáudio da vida marinha (e posteriormente do comensal, já à mesa), vulgo lagostas e sapateiras. Neste caso um tanque com 1700 litros de volume, traduzido em boa área para o molusco espevitar.
O design do restaurante entregue ao Projecto 84, traz-nos toda uma alegoria de cores e peças decorativas que nos reportam para os ambientes marinhos. Como entorno aos perto de 80 lugares do restaurante, há redes de pesca, cardumes de sardinhas em cerâmica com assinatura da fábrica Bordallo Pinheiro, gigantes murais em inox estampando moluscos, cefalópodes e peixes que simulam um exercício de escalada nas paredes.
Sobre a mesa que nos calha em sorte paira um candeeiro recriando um alvo cardume de criaturas marinhas. É sob a luz de tom quente destas sardinhas aladas e sobre o mármore que vem descansar a primeira sugestão deste MAR, uma Salada de caranguejo de casca mole, dos Estados Unidos, envolto em polme de farinha de trigo, acompanhado de miolo de sapateira, laranja e funcho (13,00 euros). Também à mesa, um petisco sob a forma de barriga de atum seca, com uma pitada de flor de sal e uma golpada de azeite de Trás-os-Montes.
Ainda nos preâmbulos ao prato de resistência chega à mesa a sugestão de um Tártaro de atum (carne da barriga), que marinou em molho de sésamo, casando com gengibre, alga kombu e katsuobushi, especialidade nipónica produzida a partir de flocos de bonito seco (11,00 euros).
Uma carta que neste prólogo aos pratos mais robustos sugere, ainda, as Vieiras na chapa com manteiga de alho e lima (11,80 euros). Vieiras importadas diretamente dos Estados Unidos. Muito frescas, tratadas ao lume no ponto e com uma pitada muito ligeira de malagueta (11,80 euros), e os Mexilhões com molho de açafrão e chalotas (11,00 euros).
Francisco anuncia-me a sugestão de prato principal. “Um peixe-galo dos Açores acabado de chegar. Tem perto de três quilos e tirámos-lhe um filete. Vai acompanhar com batata assada e salada à Algarvia”. Generosa dose de peixe de carne branca tratado na grelha pela mão de José Augusto. Um fogo tratado com uma mistura de carvões vegetais. Batatas de polpa firme à pressão do garfo, saborosas por si mesmo e sem o desagrado de lhe encontrarmos crueza no interior. A salada a recordar-nos que um bom peixinho assado casa bem com memórias gustativas mediterrânicas. Por isso mesmo, cai bem o tomate, o pepino, a cebola e uma boa golpada de vinagre.
Ainda nos principais, quatro cativos da carta, o Polvo assaco com batata-doce, molho fricassé e pimentos padrón (16,00 euros), o Bife de atum com salada de quinoa e alga (18,00 euros), o Bacalhau grelhado com xerém de amêijoas à Bulhão Pato (16,50 euros) e o Arroz de marisco (30,00 euros, em dose para duas pessoas).
Quanto ao marisco, vendido ao quilo (também para fora, assim como o peixe), uma oferta clássica, entre outras, com as gambas, o lingueirão, os carabineiros, a santola, o berbigão, o camarão tigre, os percebes, a sapateira, a lagosta e o lavagante.
Pede a mesa da marisqueira – mariscaria no caso vertente, a não esquecer – que à panóplia de mar se junte um elenco cárnico. Contido como é aqui o caso. “Do Talho” inscrito na carta a sugestão recai num Risoto de javali com amêndoas tostadas. E recai bem. Não é só da grelha que sai deste MAR comida que agrada. Como também se desenvencilha com distinção o Prego do lombo com mostarda Dijón (7,50 euros), secundado por umas batatinhas fritas rústicas (3,00 euros). A acompanhar uma cerveja servida, exatamente, a -2 ºC. “Faz a diferença” garante Francisco Guilherme.
Bem, vai longo o repasto e há que o rematar. Para adoçar, um Pudim de ovos com favo de mel e toffee (3,80 euros) e um Leite-creme de baunilha queimado na hora (4,00 euros). Não saem do mar, mas também sabe bem andar por terra depois de uma longa refeição a navegar no MAR. Navegação sem enjoos, numa carta segura, sempre com terra à vista e com uma vibrante brisa oceânica.
Restaurante MAR
Rua Ilha dos Amores 62E, Parque das Nações, Lisboa
Horário: Terça a quinta das 12h00 às 15h00 e das 19h00 às 23h00. Sexta a domingo das 12h30 às 23h00. Fecha à segunda.
Contacto: 960 166 641
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