Houve um tempo, não muito distante, em que, genericamente, o conceito de cozinha italiana em Portugal, no caso vertente em Lisboa, primava pela frugalidade. Uns quantos retoques decorativos, em modo toalha axadrezada, algumas imagens de ambientes transalpinos e uma carta insípida, de pizas de genealogia desconhecida e massas sem carácter e duvidosamente preparadas.
Felizmente os tempos são outros e as identidades gastronómicas destes nossos vizinhos do Sul da Europa começa a ser bem tratada. Mesmo quando o tratamento tem origem, como neste caso, num grupo de restauração criado há mais de duas décadas por espanhóis. Em abono da verdade, não há nenhuma regra que impeça um espanhol de se apaixonar pela cozinha italiana, de lhe procurar as origens, de correr o país em busca dos melhores produtos e, finalmente, de criar uma rede de restaurantes que, só em Espanha conta com mais de uma centena de espaços, acrescendo outros tantos em França, Andorra e Alemanha.
O La Tagliatella, assente nos princípios da cozinha tradicional das regiões de Piemonte, Ligúria e Emília-Romanha deu um salto de fronteira e desde Julho último abriu o primeiro restaurante em Portugal. E fá-lo com “pompa e circunstância”, numa artéria nobre e cosmopolita no Parque das Nações, a Alameda dos Oceanos. Vista desimpedida para toda a arquitetura que define a nova Lisboa, para o estuário do Tejo, mais distante. Dentro de portas um espaço amplo, capaz de acomodar 164 comensais na sala e 68 na esplanada. João Almeida, responsável por este La Tagliatella na capital portuguesa é um homem orgulhoso com a obra feita. “Este é o espaço La Tagliatella mais bonito da Península Ibérica. Houve um particular cuidado em tornar o restaurante distinto, luminoso, tem alguns recantos muito agradáveis”. Um facto comprovável. O layout da sala, contemporâneo, mas sem menosprezo pelas madeiras acolhedoras, apresenta decoração telúrica, cortiças, tons serenos temperados com alguns apontamentos mais atrevidos na cor. Um convite a preencher uma das máximas deste espaço, “o convívio”. No La Tagliatella não se pretende uma visita “toca e foge”, antes um périplo por uma carta com bastante amplitude, das entradas (antipasti), às saladas (insalate), aos gratinados e risotos (Gratinati e risotto); às carnes (selezione di carne), às massas (pasta ripiena), às pizas e sobremesas. Ao amador destes meandros da cozinha italiana uma dica: peça conselho à equipa, há dezenas de sugestões e uma boa primeira abordagem à carta pode começar pelas sugestões de quem a conhece de fio-a-pavio.
No momento presente é João Almeida quem faz de anfitrião deste La Tagliatella. Sugere-nos alguns incontornáveis da ementa. A abrir, um trio de Pane de La Tagliatella, ou seja pão tradicional na versão com tomate, azeitona ou cebola. Para alargar a experiencia gustativa, mergulhar pedacinhos deste pão em azeite aromatizado. Avançando, segue-se um Carpaccio di bacallà, “um dos sucessos da carta”, como refere João Almeida. Trata-se de um carpaccio com finas lascas de bacalhau fumado, com tomate confitado e azeite de azeitonas pretas e pistácios. Excelente sobre umas lascas de massa crocante de piza. Doses pródigas porque outras das máximas da casa é “servir com generosidade, fomentando a partilha”. Uma prodigalidade que se estende ao prato de massa sugerido. Um Tortellone caprese, com recheio de queijo mozzarella, tomate e manjericão. A guarnecer um molho Tartufo e funghi, com creme de leite, cogumelos e trufa. Refeição opípara onde ainda há a oportunidade de provar as sempre omnipresentes pizas. Neste caso uma Tartufo e guanciale, com queijo mozarela, creme de trufas pretas, guanciale, ovo, queijo provolone, cogumelos brancos. Vale a pena esticar a faca até bem ao centro da piza para lhe retirar um pouco da gema do ovo. Fica excelente sobre os restantes ingredientes. No que respeita à massa, como sublinha João Almeida, “sinta, quando coloca a mão sob a piza percebe esta textura granulada. A massa é fina e o bordo está crocante, levemente tufado e estaladiço”. É verdade.
Estas não são pizas envergonhadas, nascem frente ao cliente, num forno a um dos cantos da sala, mimadas por uma equipa de pizzaiolos que recebeu formação durante dois meses em Madrid. Já o produto chega diretamente de Itália. Um dos princípios do grupo é a procura dos ingredientes na origem. Isto significa que no La Tagliatella vai encontrar, por exemplo, Queijo Parmigiano Reggiano DOP, com cura de 24 meses, massa de piza elaborada com dois tipos de farinha transalpina, Presunto de Parma, queijo Gorgonzola DOP de Piemonte e Lombardia ou o salame da Calábria.
À guisa de exemplo foquemo-nos em alguns dos acepipes da presente carta. Nos Antipasti (5 opções), a Focaccua di recco – uovo e tartufo, com ovo estrelado, parmigiano regiano e pérolas de trufas pretas. Acompanhada de compota de pêssego e de alfaces variadas (9,70 euros). No caso dos Tartar e Carpaccio (6 opções), o Carpaccio di vitellone pepe nero, de vitela com pimenta preta com lascas de parmigiano regiano (14,55 euros). No que respeita às Insalate (6 opções), a Tagliatella, com alfaces variadas, tomate confitado, nozes e maçã caramelizada, presunto de Parma, ricotta e crocante de parmigiano reggiano (11,95 euros). Na Selezione di Carne (4 opções com molho à escolha e acompanhamento), o Controfiletto, um bife do lombo (22,30 euros). Grande destaque dado à Pasta Tradizionale com 12 referências entre massas curtas e longas e 18 molhos. Nas pastas recheadas, como Farfalle, Ravioli, Rotondo, Triangoli, uma dezena de opções. Estrelas da carta, as pizas, com mais de duas dezenas de sugestões, da incontornável 4 Formaggi, com tomate, mozzarella, grana padano, gorgonzola e emmental (12,10 euros), a uma menos convencional Di Foie, com tomate, mozzarella, foie gras, fiambre de pato, queijo taleggio, cogumelos brancos, tomate confitado e cebola caramelizada (12,30 euros).
Um elenco onde não se desmerecem os doces. Para apetites gulosos, há que atrever o palato num Croccantino e num Cioccofondente. O primeiro, um crocante de amêndoas e pinhões com mousse de chocolate Rocher, chocolate derretido, gelado à escolha e bolo de chocolate. No caso do Cioccofondente, chega-nos à mesa um creme de mascarpone dentro de um copo, onde também cai bolo e crocante de chocolate. A sobremesa obriga a uma certa mise en scène, aqui a cargo do próprio João Almeida que, com uma colherinha verte chocolate derretido sobre os restantes ingredientes. “Experimentem levar a colher bem a fundo e retirem os diversos estratos de doce”, diz-nos o responsável pela La Tagliatella. Um princípio de experimentação que João Almeida que quer ver estendido a toda a carta: “Que quem nos visita volte e explore esta ementa rica”.
Alameda dos Oceanos, Edifício Explorer 57 A/B – Parque das Nações, Lisboa
Tel. 218 972 018
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