
Entrar no Bonança, o novo restaurante com vista para o Tejo, é como mergulhar numa aula de história. Talvez seja pelo imponente mural restaurado por Pureza Peres e Anaísa Franco, do WOA – Way of Arts, logo à entrada, que celebra a histórica oferta de D. Manuel I ao Papa Leão X, criando uma ponte visual entre o legado marítimo de Portugal em 1514 e o presente. Este mural não é apenas uma referência histórica, remonta também a um passado mais recente, datando da Exposição do Mundo Português de 1940, quando o regime salazarista procurou exaltar a glória dos Descobrimentos e o nacionalismo português.

Ou talvez seja pelas constantes referências aos próprios Descobrimentos, com a viagem de Vasco da Gama à Índia servindo de ponto de partida para o conceito do restaurante. O espaço, distribuído por vários ambientes e dividido em dois pisos, evoca esse espírito aventureiro. Há até uma sala dedicada ao navegador português — onde aconteceu o nosso almoço —, que conta com uma lareira e que nos remete para a atmosfera acolhedora de um clube.
Mas, acima de tudo, é o anfitrião Salvador Sobral (o empreendedor que teve outros espaços como o El Clandestino ou Poké House, não o artista) quem dá vida à história do Bonança. Além de ser um dos investidores — juntamente com Diogo Sousa Coutinho, Filipe Farinha Santos e o Family Office da Família Germano de Sousa —, é também um grande apaixonado por história. É ele quem nos apresenta o espaço com entusiasmo, guiando-nos por uma verdadeira viagem no tempo, onde, durante o almoço, as memórias dos navegadores portugueses se entrelaçam com episódios mais recentes. Ou até o local onde nos encontramos, já que o restaurante está inserido na Associação Naval de Lisboa, a mais antiga do género na Península Ibérica e uma das mais antigas do mundo.

Salvador traça dois paralelismos interessantes. Por um lado, compara a passagem pelo Cabo das Tormentas — que se tornou Cabo da Boa Esperança — com a dificuldade de concretizar o conceito do Bonança, um projeto que, inicialmente, parecia distante da realidade, mas que, com o tempo, foi ganhando força. Por outro, destaca que a concretização do restaurante levou exatamente três anos, o mesmo tempo que durou a viagem de Vasco da Gama à Índia.
“No início, o projeto era muito menos ambicioso, até do ponto de vista financeiro. Mas, com o apoio de investidores, foi crescendo e tivemos a oportunidade de realizar algo que, no princípio, parecia impossível. Acho que a centralidade da viagem, para nós, é sempre um marco. Somos invadidos pela viagem, mesmo sem querer”, reflete.
Afinal, estamos ao lado do Padrão dos Descobrimentos, com o Tejo aos nossos pés e uma vista privilegiada para a Torre de Belém, o Mosteiro dos Jerónimos e a Praça do Império. Depois, há o mural que nos conecta a essa herança. E Salvador resume toda esta jornada de forma simples e poderosa: o Bonança que nos apresenta hoje é "uma viagem de superação".
Ao falar sobre o menu, o responsável estabelece mais um paralelismo entre a história e o conceito gastronómico. “A capacidade de explorar o desconhecido, a resiliência, o espírito de aventura e a coragem são qualidades pelas quais tenho particular admiração. A tenacidade dos portugueses — que também tivemos. É uma homenagem a essa viagem, uma busca pelos sabores que consideramos interessantes, ou seja, a diversidade, o início de um mercado global. Procuramos ingredientes que estejam ligados a essa travessia, daqui até ao Oriente.”
Coube ao chef Carlos Nunes — que passou por restaurantes com estrelas Michelin, como o Fifty Seconds, por hotéis como o Artsy, em Cascais, e pela reabertura do Conceito de Daniel Estriga, além de acumular experiência em Barcelona e no Dubai — adaptar esta visão à mesa.
O Bonança, com a sua atmosfera imersiva, apresenta uma ementa que celebra a diversidade e os sabores globais, inspirados pelas viagens dos navegadores portugueses e pela evolução da cozinha contemporânea, com destaque para o peixe e o marisco.
Com uma técnica que valoriza o uso do fogo e da lenha, o chef presta homenagem às tradições culinárias de várias partes do mundo — africanas, árabes e orientais — incorporando especiarias num menu dinâmico e sazonal.
A partilha é um dos pilares do restaurante, refletindo-se nos pratos concebidos para esse propósito. Entre refeições (das 16h às 19h), a sala Vasco da Gama mantém-se em funcionamento com uma seleção de petiscos, como as amêijoas à Bulhão Pato (25€), as gambas à guilho (19,50€) ou os croquetes de carne (12€).
Ao almoço e jantar, o menu inclui uma variedade de entradas, destacando-se as influências orientais em pratos como o tártaro de atum com ponzu, maçã verde & wasabi (21€) ou o carpaccio de camarão vermelho com ovas de truta & vinagrete de yuzu kosho (25€). Nos arrozes, o de lingueirão (22€) e o de carabineiro (59€ para duas pessoas) são a expressão máxima da vocação do restaurante para os sabores do mar.
Para quem quiser arriscar num prato de carne, a sugestão recai sobre o entrecôte de vaca (31€), onde a cozinha de fogo tem a oportunidade de brilhar.
Nas sobremesas, chocolate negro, gelado de avelã & cacau (9€) ou o pão de ló, azeite, flor de sal & gelado de laranja (12€ para duas pessoas), prometem encher o olho aos mais gulosos.
Em destaque está ainda uma montra de peixes e mariscos frescos, além de uma carta de vinhos, da responsabilidade do sommelier Fernando Cortes, que reúne opções nacionais e internacionais. Já a carta de cocktails, ideal para ser explorada ao balcão, foi concebida por Filipe Ventura e segue a mesma linha de inspiração do restante espaço: os Descobrimentos.
Além da proposta gastronómica, o Bonança destaca-se também pelo seu ambiente intimista e multifacetado. O design do espaço, concebido pelo Oani Studio em colaboração com a arquiteta Vera Onofre, é sofisticado e acolhedor, equilibrando o moderno e o tradicional com detalhes de decoração inspirados no universo náutico. Cada área do restaurante possui a sua própria identidade, desde as salas mais íntimas, como a Vasco da Gama, até aos espaços voltados para grupos, incluindo a esplanada com vista para o Tejo. Esta última, dividida em duas zonas — Açores e São Tomé — está prevista para abrir este mês de abril, somando 186 lugares, entre interior e exterior.
De acordo com Salvador Sobral, também a partir deste mês, o Bonança ganhará uma nova vida. Com a chegada da noite, o restaurante transformará-se num ponto de encontro artístico, com uma programação musical cuidadosamente curada por Pedro Costa. Às sextas e sábados, o espaço será animado por DJ sets e performances ao vivo até às 3h.
“Queremos que as pessoas venham cá e sintam que estamos a trazer algo novo para as suas vidas. Se alguém não está a ter um bom dia, queremos que, ao entrar aqui, sinta uma energia positiva, de cuidado e alegria. O nosso objetivo é criar um espaço de acolhimento e bem-estar, onde as pessoas possam viver uma experiência completa”, afirma Salvador, deixando no ar o desejo de, no futuro, elevar esta programação a uma vertente ainda mais cultural.
Além de ser uma experiência gastronómica, o restaurante apresenta-se também como um projeto de revitalização da zona ribeirinha de Lisboa, uma das áreas mais emblemáticas da cidade. Ao unir história, gastronomia e cultura, o restaurante contribui para dar nova vida ao bairro de Belém, transformando-o num destino não só para os turistas, mas também para os lisboetas.
Há ainda detalhes subtis que podem passar despercebidos à primeira vista. Por exemplo, nas bases de copos, é possível ler frases de autores que refletiram sobre a palavra “Bonança”, de Charles Dickens a Fernando Pessoa. Com a sua combinação de sofisticação e acessibilidade, o Bonança representa um novo conceito de luxo descontraído, onde se pode tanto desfrutar de uma refeição, petiscar, beber um copo ou viver uma noite cheia de energia.
O impacto vai além da sua cozinha: o restaurante quer ser um espaço de descoberta e partilha, onde cada visita promete uma jornada única, seja através da gastronomia, da música ou da história de Portugal. O ambiente do restaurante favorece esta diversidade de experiências e, como explica Salvador Sobral, podemos visitar o restaurante várias vezes e viver algo diferente a cada ocasião, graças à multiplicidade de espaços. O convite está feito.
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