A Birkenstock sempre foi mais do que uma simples marca de calçado. Com 250 anos de história, a tradicional fabricante alemã de sandálias conseguiu a proeza de transformar os seus produtos em designs que se tornaram tanto icónicos como apetecíveis.

Conhecida pelo seu conforto, a marca tem vivido uma verdadeira reinvenção nos últimos anos, conquistando não só os pés de celebridades, mas também o coração da cultura pop.

A transformação das suas sandálias de símbolos de estilo alternativo para ícones de moda é apenas uma das facetas da marca que, agora, está no centro de uma batalha legal que pode mudar o futuro da sua identidade. E quem sabe, se for bem-sucedida, abrir um precedente no mundo da moda.

Luta legal: a Birkenstock quer a proteção dos seus designs

Com a popularização e o aumento da procura pelos seus modelos, a Birkenstock viu-se forçada a proteger o seu legado de imitações. De acordo com o The Guardian, a marca entrou com uma série de processos judiciais contra concorrentes que, segundo ela, copiaram os seus designs. A empresa argumenta que as suas sandálias não são apenas calçado, mas “obras de arte”, algo que deve ser protegido por direitos de autor, assim como qualquer outra criação artística.

A Tchibo, uma marca alemã de retalho, é uma das visadas pela Birkenstock por alegada violação desses direitos. A marca argumenta que os seus modelos de sandálias mais populares, como o Arizona, Gizeh, Madrid e Boston, são "obras de arte aplicadas" e, como tal, merecem proteção legal contra imitações. Em resposta, a Tchibo contesta essa classificação, afirmando que as sandálias são produtos utilitários e não avanços criativos.

Birkenstock, a marca de calçado que transformou conforto em estilo, está numa batalha legal que pode revolucionar o mundo da moda
Birkenstock, a marca de calçado que transformou conforto em estilo, está numa batalha legal que pode revolucionar o mundo da moda créditos: Getty Images via AFP

A decisão final sobre este caso será tomada pelo Tribunal Constitucional Federal da Alemanha, depois de dois acórdãos anteriores terem chegado a conclusões opostas sobre o termo “arte aplicada”.

Este movimento judicial é uma tentativa da Birkenstock de garantir a exclusividade dos seus produtos num mercado saturado, onde as imitações não só minam a integridade do seu nome, mas também desafiam o valor do seu design. Para fazer valer a sua argumentação, a marca procura o mesmo status legal de outros ícones do design, usando como exemplos o carro Porsche 356 ou os móveis de Le Corbusier, da escola Bauhaus, que gozam deste tipo de proteção tanto pela sua qualidade quanto pela relevância cultural.

O legado cultural e a consolidação no mundo da moda

A Birkenstock foi fundada em 1774 por Johann Adam Birkenstock, um sapateiro que criou uma palmilha ergonómica inovadora, algo que na altura representava uma verdadeira revolução. No entanto, foi na década de 1960 que a marca alcançou o verdadeiro “boom”, com o lançamento da famosa sandália de cortiça, que conquistou um público fiel e se estabeleceu como um ícone de conforto e de saúde.

Durante as décadas de 1980 e 1990, as sandálias foram associadas a um estilo de vida alternativo e estavam longe de ser consideradas de luxo. Hoje, o que era visto como uma peça de vestuário confortável tornou-se num símbolo de estilo. Celebridades como Kaia Gerber, Jason Momoa e Margot Robbie são algumas das personalidades que exibem orgulhosamente as suas Birkenstocks.

Os modelos Arizona (com duas tiras), Madrid (com uma tira), Gizeh (modelo tipo chinelo com tira entre os dedos) e Boston (modelo fechado na frente) tornaram-se emblemáticos e consolidaram a Birkenstock como um símbolo de durabilidade, versatilidade e de elegância mais casual, contrariando a cultura do "fast fashion" e incentivando os consumidores a fazerem escolhas mais conscientes ao promover práticas sustentáveis e ao utilizar materiais ecológicos, valores que são especialmente apelativos a novas gerações, como os Millennials ou a Geração Z.

A marca conquistou o seu espaço na alta-costura, com parcerias, primeiro com a Valentino, em 2019, e depois com a Dior, em 2022, colocando-se no segmento premium e no mainstream, principalmente após o seu papel de destaque no filme "Barbie", além da associação a figuras públicas.

Num mundo onde a estética tem como prioridade a beleza em vez do conforto, a Birkenstock destacou-se por combinar os dois, numa espécie de "dois em 1". O conceito de conforto elevado a status é um dos pilares que impulsionou a marca. Ao longo dos anos, a empresa permaneceu fiel à sua proposta inicial - criar modelos de calçado duráveis e funcionais -, mas o que a torna fascinante é como essa proposta foi reinterpretada por diferentes subculturas da moda ao conseguir estar presente tanto nas passarelles da alta-costura – como aconteceu com a Dior, em 2022 - quanto no dia a dia.

A cultura da cópia e a ascensão dos “dupes”

A cultura da cópia sempre foi uma realidade no mundo da moda, mas, com o advento das redes sociais e da democratização das tendências, ganhou uma nova dimensão. Os “dupes” – imitações baratas de produtos ou marcas de luxo – tornaram-se uma forma acessível de consumir moda, permitindo que um número maior de pessoas tenha acesso a designs mais cobiçados.

No entanto, essa prática levanta questões importantes sobre originalidade, ética e valorização do trabalho criativo, sobretudo num momento em que a sua democratização e aceitação parece não levantar discussões. Embora os “dupes” possam parecer uma solução prática para quem deseja estar na moda sem gastar muito dinheiro, esses produtos acabam por desvalorizar o esforço de designers e marcas que dedicam tempo e recursos para criar algo único e de qualidade.

Para marcas como a Birkenstock, que vêem os seus designs como algo mais do que produtos comerciais, mas sim como “obras de arte”, a proliferação dessas imitações ameaça não só a sua identidade, mas também o conceito de que a moda pode ser uma forma de expressão legítima e, acima de tudo, protegida. Assim, o fenómeno dos "dupes" questiona até onde vai a linha entre inspiração e apropriação, desafiando o equilíbrio entre o acesso à moda e o respeito pela criatividade.

A consistência que transcende modas

Como refere o colunista Teo van den Broeke, do The Guardian, num artigo de reflexão sobre a ação judicial, o apelo da Birkenstock vai além do simples conforto: trata-se de um investimento em qualidade, longevidade e uma estética que nunca sai de moda. Não é apenas uma sandália, é uma afirmação de que a moda pode ser funcional, durável e, acima de tudo, intemporal.

O resultado disso foi o aumento nas vendas de 21% em 2024, com as receitas a atingirem 1,8 mil milhões de euros. Esse crescimento reflete a força da marca no mercado global, demonstrando que a Birkenstock não é apenas uma marca de nicho. Além disso, a empresa registou um lucro líquido de 192 milhões de euros, um aumento impressionante de 155% face ao ano anterior. A margem EBITDA ajustada de 30,8% também superou as expectativas da empresa.

As suas colaborações com designers de renome ajudaram a solidificar a sua posição no topo da moda contemporânea, fazendo com tenha, de alguma forma, transitado do utilitário para o aspiracional. Com a projeção de crescimento de receitas entre 15% e 17% para 2025, a Birkenstock continua a expandir a sua presença no retalho e a aumentar a sua gama de produtos, solidificando a sua relevância no mundo da moda.

Birkenstock, a marca de calçado que transformou conforto em estilo, está numa batalha legal que pode revolucionar o mundo da moda
Birkenstock, a marca de calçado que transformou conforto em estilo, está numa batalha legal que pode revolucionar o mundo da moda créditos: Getty Images via AFP

Estará o futuro da Birkenstock garantido?

A pergunta que fica é: a Birkenstock merece proteção legal para os seus designs? A resposta pode vir a definir uma nova era no mundo da moda. A marca já conquistou o status de ícone cultural e está plenamente consciente do valor do seu legado.

Ao lutar legalmente para garantir que os seus produtos sejam reconhecidos como arte, a Birkenstock está não apenas a tentar preservar a sua história, mas também a garantir que o futuro da marca seja protegido. Indiretamente, a confirmar-se a legitimação dos direitos de autor, abre-se a porta para que outras marcas sigam o mesmo paradigma.

A verdade é que a Birkenstock não quer ser apenas uma marca de calçado. E com esta ação judicial quer assumir-se como uma referência cultural que se recusa a ser reduzida a uma simples tendência. Ao conseguir a sua proteção legal, irá certamente garantir o seu lugar no grupo de marcas que fizeram história no mundo da moda.