Em pânico tentava que ele não falasse para não denunciar a nossa presença, mas por outro lado tentava “atenuar-lhe o terror”, e mostrar que estava tudo bem (como se fosse possível). Vou contar-vos um segredo: também existem mães na Síria.
No rescaldo do dia da mãe e no dia internacional da família, queria relembrá-las, a Elas, heroínas, e ao seu amor de mães, que é igual ao nosso. Sim, também amam tantos os seus filhos como nós. Agora imaginem estar naquela situação, de perigo iminente, da ânsia de proteção dos filhos, da insegurança, da dor lancinante da possibilidade da perda do nosso maior tesouro.
Temos um vislumbre nas notícias quando almoçamos ou jantamos, e não queremos ver esta realidade, colide com a nossa. É impensável, dói só de pensar, e é uma verdade nua e crua, como se de outra dimensão se tratasse. Crianças ensanguentadas, cheias de pó. O cenário é creme, cinzento, e vermelho do sangue.
As ruínas vêm da alma daquela gente, os olhares são gastos e a tragédia tirou-lhes o brilho. Mas é real. Distanciamo-nos sem querer porque achamos que isso nunca nos vai acontecer, que vivemos num sítio seguro, culturalmente superior, achamos que adquirimos direitos de estabilidade, estudámos, casámos, temos um emprego bem sucedido, temos os nosso filhos bem cheirosos e educados, e aquela dimensão não é nossa, é noutro planeta. Aliás só pode ser noutro planeta...Mas não é. Existe, e termos essa consciência, da sorte que temos quando nos deparamos com problemas ridículos e fúteis, é o mínimo que podemos fazer.
Volto à minha útil pirâmide de Maslow, da hierarquia das necessidades: ali ninguém fica triste por não ter tido um presente no dia da mãe, por não ter ido jantar fora. Ali o estar perto da mãe é “A” melhor prenda do mundo. Sobreviver, um dia mais, junto daqueles que amamos e pedir fervorosamente a Deus que não leve mais um familiar, mais um tudo no meio do nada.
E as mães em qualquer lado do mundo são isto mesmo, as que em situações limite não páram de nos mostrar como “a vida é bela”.
Como psicóloga e no meu trabalho com crianças, vi essa disparidade de realidades e desejos. Nunca mais me esqueço do menino que pediu ao Pai Natal, como o seu maior desejo, passar o dia da consoada com a mãe. Não era uma Playstation. Naquele dia chorei, aquilo perturbou-me, mexeu comigo. A minha vida é catalisar a vida dos outros, identificar problemas e apoiá-los na mudança, é uma energia transformadora, quando por vezes a nossa fica em frangalhos. Quem trabalha com pessoas e emoções sabe disso, de certa forma alugamos, emprestamos a nossa alma por instantes. Eu não consigo fazer por menos. Deixo sempre um bocadinho de mim, mas também trago muito dos outros, ensinamentos, sorrisos, todo esse desgaste emocional é superado pela gratidão, de se fazer o que se gosta, e de ter a capacidade de realizar pequenas e valiosas mudanças na vida das pessoas.
Ultimamente aquilo que mais tenho ouvido ao nível profissional é: “sinto que já te conhecia antes” ou “vais-me fazer falta”, é muito bom sinal. Estou a ser eu, inconscientemente. A ser espontânea, carinhosa e atenciosa, como no início da carreira, em que temos a pretensão que vamos mudar o mundo, fazer diferença, e estamos entusiasmados, motivados, pensamos em projetos novos, temos força de Popeye e coragem de um leão. Voltei aqui, a esta ingenuidade boa, a querer aprender coisas novas, a deixar-me levar pela curiosidade, a dar-me genuinamente aos outros, e isso sente-se, e é reconhecido. Este é o melhor salário, o emocional, o do reconhecimento.
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