É uma fase de transformações rápidas. A neurocientista cognitiva Sarah-Jayne Blakemore, especialista em cérebro de adolescentes da Universidade de Londres, descreveu-a como “uma tempestade perfeita”, fruto de “um aumento súbito e simultâneo de alterações hormonais, neurais, sociais e de pressões da vida”. Christian Jarrett, autor do blogue Research Digest, da Sociedade Britânica de Psicologia, e que se preparara para lançar o livro Personology, acrescenta outro: “Mudança de personalidade”.
Diz Jarrett: “Ao longo da infância, a nossa personalidade e temperamento vão-se consolidando mediante a forma como pensamos e agimos. A consolidação da personalidade volta a ser reforçada no fim da adolescência e entrada na idade adulta”, defende o psicólogo.
Na fase intermédia – a própria adolescência –, essa tendência é interrompida. “Estudos de longo prazo mostram que certas características que surgem durante a adolescência são capazes de influenciar uma série de acontecimentos no decorrer da vida, incluindo o sucesso profissional ou o risco de desemprego”, diz Jarrett.
Mas atenção que a mudança de personalidade não é exclusiva da adolescência. “Se alargarmos um pouco o zoom e olharmos para a vida toda, perceberemos que, em geral, existe um aumento de certos traços de personalidade desejáveis – menos angústia, maior controlo, mais empatia”, prossegue o especialista, explicando que os psicólogos chamam a esse processo o “princípio da maturidade”. Um jovem com 20 e poucos anos, inseguro e ansioso, pode ter a esperança de ficar bem mais tranquilo.
O mesmo não se pode dizer dos pré-adolescentes, porque nessa fase entra em ação algo conhecido como a “variável da rutura”.
Em 2006 foi iniciado um estudo para compreender os fenómenos da mudança de personalidade na adolescência. Nessa altura submeteram-se milhares de adolescentes holandeses a testes de personalidade anuais, durante seis a sete anos. No início da puberdade, os rapazes apresentaram uma redução temporária da consciência (organização e autodisciplina), enquanto as raparigas exibiram um aumento da instabilidade emocional.
Tal resultado parece reforçar os estereótipos sobre adolescentes: quartos desarrumados e oscilações constantes de humor.
Para bem da humanidade, esse retrocesso na personalidade é temporário – o estudo holandês mostrou que as características positivas prévias dos jovens acabariam por ser resgatadas no final da adolescência.
Uma outra pesquisa de 2017, com mais de 2,7 mil adolescentes alemães, analisou o fenómeno, mas à luz do que pensavam pais e filhos. E chegou à conclusão de que os dois grupos tinham visões distintas da mesma realidade.
Aos jovens pediu-se que avaliassem a sua personalidade em dois momentos – 11 e 14 anos. Nas duas ocasiões, os pais também estudaram a personalidade dos filhos. As diferenças impuseram-se: quanto os adolescentes falavam, por exemplo, numa “certa” redução do grau de amabilidade, os pais consideravam essa quebra da empatia muito acentuada.
Nas duas últimas décadas, Sarah-Jayne Blakemore e outros especialistas provaram como o desenvolvimento dos jovens é marcado por importantes mudanças no cérebro, incluindo uma diminuição da massa cinzenta, associada à aprendizagem.
Tal fator, como explica um artigo da BBC, pode contribuir para os padrões de mudança da personalidade na adolescência, como determina um outro estudo, este norueguês e de 2018, baseado em imagens cerebrais. Os pesquisadores examinaram os cérebros de dezenas de jovens duas vezes, ao longo de um período de dois anos e meio, e pediram aos pais que avaliassem as personalidades dos filhos em ambas as ocasiões. Descobriram que quem tinha pontuações mais elevas na questão da autoconsciência também apresentava uma taxa maior de afinamento da área cortical em várias regiões do cérebro – sinal de um corte maior da massa cinzenta. O mesmo ocorreu em relação às avaliações da estabilidade emocional.
Segundo os cientistas citados pela BBC, os resultados sugerem que “grandes variações nos traços de personalidade podem estar parcialmente ligadas à maturação cortical durante a adolescência”. Ou seja: a forma como a nossa massa cinzenta muda na adolescência pode afetar a maneira como nos sentimos e comportamos para o resto da vida.
Obviamente, fatores externos, como situações de stress ou adversidade, também influenciam a mudança de personalidade nessa fase.
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