As crianças são mesmo o mais importante num casamento?
Um casamento é composto de diversos elementos importantes, e poderá incluir, ou não, uma criança. Existem casamentos e relações muito satisfatórias sem filhos, bem como o contrário. A importância e influência da chegada de uma criança a um casamento ou relação, irá depender da necessidade de cada pessoa de a ter no seu seio e na forma como esta é gerida individualmente e no casal.
Uma criança pode ser tanto uma fonte de união, partilha e satisfação familiar, como uma fonte de stress, conflitos e desgaste. Frequentemente as crianças são fonte de ambos os pólos destes elementos em simultâneo, sendo que tudo dependerá da forma como cada um destes três indivíduos é, o que necessita e como se relaciona entre si.
No fundo, o mais importante num casamento é aquilo que cada um considera que é o mais importante para si e enquanto casal, e isso pode incluir ter um filho ou não. Caso a escolha seja ter um filho, acrescenta-se à diade homem e mulher um terceiro elemento (filho), formando-se um novo sistema, em que aos papéis de homem e mulher, são acrescidos os papéis de pai e mãe, emergindo uma nova dinâmica familiar que implica uma reconstrução e adaptação de todos.
É normal que mulheres e homens digam que amam mais os companheiros do que os próprios filhos?
Uma relação de casal é consideravelmente diferente de uma relação materno/paterno-filial, pelo que os vínculos, emoções e sentimentos que as envolvem serão necessariamente diferentes, nem superiores ou inferiores, mas diferentes. Será difícil dizer que o amor é maior ou menor quando o tratamos de comparar nestes dois tipos distintos de relações.
Um filho, se viver no seio de uma forte relação de amor, respeito e compreensão entre um casal, e se beneficiar desse mesmo amor por parte dos pais, tanto através do vínculo estabelecido como do modelo observado, terá mais probabilidades de ser uma pessoa segura, confiante e com autoestima. Contudo, se esse amor no casal constituir uma forma de alheamento da criança, ou de promoção de competição entre um dos adultos e a criança, então aí estaremos a falar de uma relação prejudicial para esta e consequentemente para todos.
Por outro lado, se um dos membros do casal estabelecer uma relação preferencial com um filho, poderá estar a promover o afastamento do/a seu/sua companheiro/a e a afetar muito negativamente a sua própria relação, a si mesmo e inclusivamente o filho.
Não é correto dizermos mal dos nossos filhos?
Todos os seres humanos têm defeitos, quer sejam nossos filhos ou não. Um amor que não vê imperfeições, defeitos ou dificuldades é um amor que idealiza o outro, que se nega à realidade.
Por vezes alguns pais temem “ver” os defeitos dos filhos, por receio a verem-se espelhados neles, sem se aperceberem que nessa sequência estão a comunicar aos seus filhos que eles são o centro de tudo, os melhores, que podem ter tudo, ser tudo e que não existem limites. Quando um dia estas crianças se confrontarem com a realidade, onde há regras e limites, a frustração, revolta e desilusão com elas mesmas poderá ser tão forte que as irá lesar.
É importante promover que os nossos filhos se apercebam das suas capacidades e qualidades, ajudando na construção de recursos que lhes permitam acreditar que podem ser capazes de ultrapassar vários obstáculos e manter a sua autoestima elevada, mas não a um ponto em que percam a capacidade de perceber que os obstáculos existem, que os erros acontecerão e que com eles poderão aprender e crescer.
Ter consciência das imperfeições dos nossos filhos não significa que tenhamos que os criticar agressivamente, humilhar ou falar constantemente mal deles. A humilhação é extremamente prejudicial, mas o extremo oposto também.
É importante que os pais possam apontar as dificuldades dos seus filhos, apresentando-lhes soluções e estratégias para que possam melhorar ou ultrapassar essas mesmas dificuldades.
As crianças, no seu desenvolvimento, necessitam tanto de aprender a valorizar-se como a autocriticar-se, de forma equilibrada, e serão os pais os principais ajudantes na aquisição destas capacidades, na medida em que também eles as consigam equilibrar.
Pode dizer-se que a vida de um ser humano atinge o seu ponto máximo quando ele se torna progenitor, responsável por outro ser humano?
O ponto máximo da vida de cada ser humano dependerá daquilo que cada ser humano considerar o ponto máximo para si. Dependerá daquilo que mais valorize para a sua vida, e que mais preenche e satisfaz as suas necessidades. Para algumas pessoas, com filhos ou sem filhos, poderá ser o alcance de uma determinada posição na sua carreira profissional, para outros a conquista ou superação de um objetivo espiritual, para outros a concretização de missões pessoais, ou para outros, ser progenitores.
Muitas vezes o ponto máximo de um ser humano não depende da realização de outro ser humano, mas apenas do próprio.
Se considerarmos um filho uma realização máxima de nós mesmos, poderemos estar a incorrer numa colocação de peso, pressão e expectativas demasiado grandes num ser humano pequenino, que se poderá ver impedido de ter algo que é dele por direito: uma personalidade e identidade próprias, para além da dos seus progenitores.
Neste sentido, por vezes quando o filho é o “ponto máximo” dos seus progenitores, no momento em que se tenta diferenciar deles ao longo do seu crescimento e maturação, poder-se-à criar um cenário de culpabilização para o filho e de solidão e profunda perda para os pais.
Em Portugal existe esta mentalidade de quando um casal tem filhos deixa de haver a mesma relação física e sexual que havia anteriormente? O que fazer para combater esta situação?
Com a chegada de um bebé é comum dar-se uma substituição dos papéis de homem e mulher na relação de casal, para passarem a atuar como mães e pais cuidadores de um bebé indefeso que precisa deles para sobreviver. Dá-se uma mudança no ciclo de vida do casal, uma transição adaptativa ao momento de necessidade, perante a fragilidade e atenção que um bebé implica. Consequentemente, nestes momentos iniciais, a intimidade e sexualidade numa relação perde terreno, perante o desgaste das noites mal dormidas, os horários desregulados e a preparação de todos os detalhes para o bem-estar da criança. Neste seguimento, o casal pode readaptar-se e começar progressivamente a compatibilizar os novos papéis de pais com os de amantes ou pode cristalizar-se numa atenção continuamente focada no filho e comprometer a relação de casal.
Para regressar à relação física e sexual, será importante criar espaços tanto de individualidade como de casal, onde a criança não esteja presente. Ter momentos de auto-cuidado físico e psicológico será a primeira plataforma para estar com o outro. De seguida, criar momentos onde possam desfrutar da companhia um do outro, não como pais, mas como homem e mulher, quer seja através de jantares românticos, passeios a dois, contemplação a dois. No fundo, momentos em que possam concentrar-se apenas um no outro.
O investimento na relação será sempre uma forma de investimento no filho, pois é com os pais que ele aprenderá o que é ser amado, à semelhança do seu amor, o que é sentir-se seguro, à semelhança da sua segurança e um dia o que será estar em relação, com ele próprio e com os outros.
Vários estudos indicam que a taxa de divórcio tendo a ser maior em casais mais jovens uma vez que se dedicam demasiado aos filhos e não pensam na relação. Como comenta?
A taxa de divórcios está correlacionada com variadíssimos fatores: culturais, sociais, psicológicos, muito para além da idade dos casais e da dedicação focada nos filhos. Contudo, efetivamente, se uma relação não é cuidada durante muito tempo, e a atenção é continuamente deslocada exclusivamente para um filho, ou para qualquer outro foco, é natural que com o tempo o amor, o vínculo e a intimidade se ressintam, levando ao fim da relação ou ao divórcio.
Tanto uma relação de casal como um filho, necessitam de cuidados e atenção, basta que um deles seja preterido, para que todos sofram as consequências.
Vanessa Damásio
Psicóloga Clínica e Psicoterapeuta Familiar e Conjugal
Psinove – Inovamos a Psicologia
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