"Ser uma mãe SOS é e não é uma mãe como as outras. É uma mãe como as outras em toda a sua dimensão: que acompanha, que protege, que dá força e que cuida do seu filho. Mas a única diferença é que tem uma pequena compensação monetária por isso", começa por explicar ao SAPO Lifestyle a mãe Berta. "Mas vivemos efetivamente como uma mãe com os seus filhos dentro de uma casa. Aqueles meninos são os meus."
Há dois anos e meio na Aldeia SOS de Bicesse, Berta revela que este é um projeto de vida que lhe enche o coração. Viúva e com dois filhos biológicos maiores, afirma que sempre recebeu da sua família apoio incondicional para abraçar o projeto de ser Mãe SOS. "Os meus filhos disseram-me: ‘Nós agora estamos a trabalhar, estamos orientados portanto tu despedes-te e vais fazer aquilo que gostas’".
Assim juntou-se a Adalcinda, uma das primeiras Mães SOS a ir viver para Bicesse. Já criou e educou mais de 30 filhos. Neste momento tem ao seu cuidado seis crianças: a mais nova tem 7 anos e o mais velho 15. Tal como todas as mães também tem os seus momentos de fraqueza: "Nós fazemos as figuras tristes que qualquer mãe faz. Já vi desculpar as coisas mais parvas", afirma.
Todas as mães candidatam-se por anúncio e até assumirem a função de Mãe SOS a tempo inteiro, passam por um estágio que pode durar entre 1 e 2 anos. De acordo com Manuel Matias, secretário-geral interino das Aldeias SOS, é necessária uma grande resistência emocional para criar estas crianças e jovens. "São crianças que nos chegam com alguma desconfiança do mundo dos adultos, não compreendendo por vezes o benefício que é ser acolhido por uma senhora que vai ter alguma vinculação e um grau afetivo com eles e os seus irmãos", refere. "Cabe à mãe abrir perspetivas de que o mundo também tem aspetos muito positivos, que eles têm direito a isso e que a aldeia é um espaço que lhes proporciona uma infância feliz."
Recorde-se que as Aldeias SOS são vocacionadas para acolher irmãos e irmãs em situações de risco e extremamente vulneráveis. Em Portugal existem três: uma em Bicesse (7 mães), uma na Guarda (3 mães) e outra em Gulpilhares (5 mães.)
Ao longo de 35 anos, Adalcinda diz que já acompanhou histórias de vida muito difíceis e traumáticas, confessando que este papel não é pera doce. O mais importante? Estabelecer laços familiares e afetivos com os filhos que ficam aos seus cuidados. "O que se gere aqui são emoções e afetos. Aliás só se conseguem fazer algumas coisas pelos afetos. E não se inventam afetos: eles existem ou não existem", admite.
Força interior e coragem são duas características que devem ser inerentes a todas as mães SOS. "Não há varinhas mágicas", frisa Berta que neste momento tem a seu cargo quatro crianças com idades entre os 11 e 14 anos. "Todas as horas do dia são desafios. Desde que se levantam até que se deitam. Falamos de pessoas, falamos de crianças e não é fácil. É um trabalho que exige uma grande responsabilidade."
Para além dos desafios diários que enfrentam, as Mães SOS confessam que o maior de todos é aquele que é traçado a longo prazo: ensinar-lhes a ser uma família e quebrar o ciclo. "O meu maior desafio é tornar estes miúdos autónomos, responsáveis e integrados. Não estou a criar ninguém para viver permanente comigo e o que eu quero é que sejam bons homens e mulheres", sublinha Adalcinda que neste momento já é bisavó.
Apesar de serem designadas Mães SOS e desempenharem este papel efetivamente, Berta e Adalcinda confessam que esta não é uma palavra que escutam com muita regularidade dentro das quatro paredes do seu lar. "Eles sentem a necessidade da pertença. E isso de nos chamarem de mãe só tem a função da pertença, de pertencer e ser de alguém", explica Adalcinda.
Independentemente da idade, todos continuam a ver na mãe o seu suporte e fonte de apoio. "Sou capaz de ir ao hospital para coser a cabeça de um filho que tem 20 e tal anos e que decidiu que não cose a cabeça sem eu lá estar. Foi uma vergonha, mas eu fui lá agarrar na mão dele", relembra Adalcinda de forma divertida."Não é por dar problemas que deixa de ser o meu menino."
Questionadas sobre quais os momentos que recordam com mais emoção, ambas revelam que são as coisas mais simples do dia a dia que lhes põem um sorriso na cara. "Um dos meus primeiros rapazes era um menino muito limitado. E conseguir que ele fizesse o 6º ano foi uma emoção muito grande. […] São coisas que a maior parte das pessoas não dá importância mas são o motivo de tudo", frisa Adalcinda que mostra orgulho no seu papel de mãe e educadora.
Apesar de todas as dificuldades, desafios e complexidades que esta função acarreta, Berta e Adalcinda referem que não a trocavam por nada deste mundo. "É uma profissão solitária sem que nós nos sintamos solitárias", admite Berta. "Mas a verdade é que não há nada que pague o trabalho de uma mãe, seja ela qual for."
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