O consumo de drogas e de álcool está a aumentar entre a população adolescente, atingindo um crescente número de crianças. Só em 2013, chegaram aos centros de tratamento de toxicodependentes 8.844 novos casos.

 

Este foi o valor mais elevado desde 2000, o que eleva o número de novos casos de dependência para um aumento de 70% na última década.O diálogo preventivo é, para Rui Martins, coordenador da Dianova Portugal, a melhor maneira dos pais lidarem com o problema numa primeira abordagem.

 

Em entrevista à Saber Viver, o responsável por esta instituição particular de solidariedade social, que é também uma associação de utilidade de pública especializada na prevenção, tratamento e reinserção ao nível das toxicodependências, alerta para os efeitos nefastos da dependência de álcool e drogas no âmbito familiar, profissional, escolar e pessoal, apontando estratégias que poderão ajudar progenitores e educadores a travar o flagelo.

 

O que é que as famílias podem fazer para prevenir o consumo de álcool e drogas, que não para de aumentar?

 

De acordo com o Relatório ESPAD 2011, realizado em meio escolar, os consumos de drogas ilícitas entre os jovens aumentou com prevalências de 16% para a cannabis, 8% para outras drogas, 7% para os ansiolíticos e 6% para as inalantes. Surgindo o consumo de drogas pelos jovens como objeto socializador e auxiliador do processo de autonomia face à família, de compensação de expetativas precocemente frustradas e até mesmo recusa de responsabilidades, não basta confrontar o jovem a parar o consumo de forma imediata, dado o conjunto de desequilíbrios que se encontram enraizados no consumidor.

 

Deve-se tratar a dependência, diminuindo as consequências negativas deste comportamento para o jovem, para a sua família e para as suas amizades. Da nossa experiência em programas de prevenção em meio escolar e comunitário, não há nada mais saudável como um diálogo preventivo, sensato, franco e objetivo acerca das drogas, evitando-se desta forma sofrimentos desnecessários a médio e longo prazo.

 

Quais as primeiras medidas ou ações que devem ser imediatamente tomadas pelos pais quando se apercebem de que um filho está a ficar dependente do consumo de álcool e/ou de drogas?


Uma família unida e que dá atenção aos seus filhos, por exemplo, já pode estar a fazer frente contra as drogas. A educação dos jovens é um desafio difícil. Há que trabalhar os delicados equilíbrios de liberdade e controlo, o aspeto e as normas. Há que por limites mas com amor e responsabilidade.

 

É fundamental que os pais estejam atentos aos primeiros sinais, tais como a descoberta de cannabis em casa ou o aumentar de situações de nervosismo. E, quando o caso se tornar mais complexo, devem procurar ajuda especializada num serviço público ou privado de tratamento das toxicodependências que o ajudarão não só a lidar com a problemática nesse dado momento, mas sobretudo a tratar o seu filho.

 

Quais são as consequências na aprendizagem e formação da personalidade para uma criança ou um jovem que viva com pais toxicodependentes e/ou alcoólicos?

 

Comportamentos violentos e anti-sociais, pouca resistência à pressão de grupo, baixa autoestima, problemas de atenção, fracas capacidades de leitura, redução da capacidade de memória a curto prazo, insucesso escolar e abandono precoce da escolar são alguns aspetos a ter em atenção nos mais jovens que vivem com uma realidade familiar no qual existe uma dependência do álcool e drogas. Uma família desagregada pode ainda constituir um fator de risco ao consumo de drogas até mesmo por parte desses mesmos jovens.

O aumento significativo da toxicodependência em Portugal que refere traduz-se em que números? Quais são as faixas etárias mais afetadas?

 

O segundo inquérito nacional de Portugal sobre toxicodependência revela um aumento da prevalência do consumo de drogas de 7,8% para 12% entre a população entre os 15 e os 64 anos de idade. O Relatório ESPAD realizado em meio escolar regista também um aumento dos consumos de drogas entre os jovens estudantes.

 

Na cannabis, esse foi de 16% (versus 13% em 2007), nas outras drogas foi de 8% (versus 6%), nos ansiolíticos foi de 7% (versus 6%), nos inalantes foi de 6% (versus 4%), registando-se apenas uma diminuição no consumo de álcool 52% (versus 79%). O aumento do total de toxicodependentes em tratamento em Portugal em 2012 apontava para 38.900 pessoas, mais 10.000 que em 2003.

 

Este aumento está associado à crise económica ou deve-se mais a uma crise de valores?


A crise de valores, a frenética aposta no desenvolvimento de carreira, a falta de redes de suporte familiar na educação ou as mensagens publicitárias contraditórias por parte de bebidas alcoólicas em estádios de futebol acabam por ser fatores de risco potenciados pela atual conjuntura económica. Na Dianova, preocupa-nos que, à semelhança do sucedido na Grécia, os consumos de drogas e, a sua associação à prostituição e potenciais
co-morbilidades como HIV, levem a um aumento da prevalência da toxicodependência.

 

Tal sucede como forma de escape (ilusório e temporário) das pessoas, sobretudo as mais vulneráveis e desfavorecidas, em fazer face às suas angústias e receios, perda de emprego, redução do poder de compra e de receitas mensais para despesas (familiares, educação e saúde, entre outras), incapacidade de encontrar novo trabalho e desestruturação familiar.

 

Que valores devemos privilegiar e incutir às crianças e jovens para que se protejam e aprendam a defender-se deste flagelo?


A fórmula dos 3 R que a Dianova utiliza (Respeito, Responsabilidade e Resiliência) é um excelente início para que entre pais e filhos se desenvolva uma relação e comunicação construtiva e que funcione como um fator e ambiente protetor face ao consumo de drogas. Precoce e preventivamente, recomendamos aos pais que respeitem os seus filhos e os considerem como pessoas importantes.

 

Que os ensinem a exprimirem-se com segurança, sinceridade e alegria pois os jovens que recebem expressões de afeto são mais comunicativos e seguros. Que sejam um amigo para os seus filhos, demonstrando-lhes confiança e disponibilidade para ouvir as suas confidências, compreendê-los e orientá-los, doseando a autoridade. Que os apoiem para que estes aprendam a aceitar as suas responsabilidades e evitem os maus exemplos.

 

Que lhes prestem atenção e demonstrem interesse pelas suas ideias, inquietudes e preocupações. Que os brindem com a possibilidade de se explicarem, criticando-os de forma construtiva e sem os ridicularizar, desqualificar ou comparar a outros. Que os valorizem, reconhecendo o que fazem e quem são, que lhes digam abertamente o que gostam neles, enfatizando o positivo e o negativo. Que os respeitem, tendo em conta as opiniões e gostos e que sejam consistentes com as normas e limites que impõem.

 

Que tipo de efeitos traz o abuso de drogas e álcool no contexto escolar, profissional e familiar? Quais são as consequências mais marcantes?

 

Para o próprio consumidor em geral, os efeitos das drogas produzem-se a nível neurológico, fisiológico e comportamental.

 

Nos mais jovens e, em idade escolar, surge uma redução da atenção, do rendimento escolar.

 

Surge também um aumento da agressividade potencialmente ligada a questões como o bullying e, até, um absentismo escolar. Para a família, existem encargos emocionais e financeiros associados que se podem converter em absentismo laboral, baixa de produtividade e acidentes no trabalho. E, naturalmente, não nos esquecendo da sociedade com os custos diretos e indiretos a nível de saúde e sociais a médio e longo prazo suportados pelos cidadãos e pelos contribuintes.

 

É neste contexto que a campanha de sensibilização social REAGE procura alertar as pessoas, famílias e organizações, nos três ambientes em que centra o seu enfoque escolar e amizades, profissional e familiar, para os efeitos e consequências da toxicodependência.

 

Qual é a droga mais consumida em Portugal? Na sua opinião, quais as razões para essa escolha?

 

As principais drogas consumidas em Portugal são as lícitas. Em primeiro lugar, o álcool e, em segundo, os ansiolíticos. O consumo de álcool acontece devido à nossa cultura permissiva que aceita e induz ao seu consumo desde tenra idade. No que respeita aos ansiolíticos, continua a verificar-se uma elevada tendência para a automedicação ou facilidade em conseguir esta classe de antidepressivos ou de ansiedade. E é igualmente neste sentido que importa reagir, inspirar para dar a volta à situação de forma resiliente e preparar o caminho para uma vida de potenciais sucessos.

 

Para alguém que não tenha conhecimentos suficientes sobre drogas, a que tipo de sintomas deve um pai estar atento caso suspeite que um filho, um familiar ou um amigo está dependente de estupefacientes?

Dependendo do tipo de substância, os seus efeitos no organismo produzem quatro tipos diferentes de estados: estimulantes (cocaína ou anfetaminas), depressivas (álcool), alucinogénias (ácidos) e narcóticas (heroína). Estados esses que provocam sensação de sonolência passiva. Isto significa que para cada tipo de droga haverá efeitos e consequências a nível neurológico, fisiológico e comportamental, que podem indiciar o seu uso ou abuso.

A Dianova recomenda que os pais estejam atentos a eventuais descobertas destas substâncias nas mochilas ou quartos dos seus filhos, ao desaparecimento de dinheiro em casa, a estados súbitos e inexplicáveis de euforia ou depressão, à diminuição do rendimento escolar e a faltas consecutivos no trabalho.

Texto: Filipa Basílio da Silva com Luis Batista Gonçalves