A família e a escola são os dois principais contextos de vida da criança e, além das figuras parentais, o professor torna-se também num dos adultos de referência desde tenra idade. E é precisamente na articulação entre todos os contextos onde se insere, que a criança se desenvolve. Como tal, muito se tem estudado e reforçado a importância das rotinas da escola e de casa não serem perspetivadas de uma forma totalmente independente, já que o sucesso do processo ensino-aprendizagem em muito depende destes dois contexto, além das variáveis inter e intra individuais de cada criança.
Na realidade, o processo ensino-aprendizagem é algo que exige envolvimento parental e a comunicação escola-casa é fundamental. Ainda assim estávamos bem longe de imaginar a generalização do conceito de “fazer a escola em casa”. Muito menos pelos motivos com que agora nos deparamos. Como se isto não bastasse, uma boa parte dos adultos também passou a “trabalhar a partir de casa”. E, tem sido assim, tudo ao mesmo tempo! Entrámos numa espécie de “telefase”, de “televida”, entre telescola, aulas online, teletrabalho, reuniões e contactos sociais também online. Parece que de repente tudo ficou “à distância de um clique”.
Vimo-nos, enquanto pais, professores e outros profissionais de educação, invadidos por uma “proximidade estranha e quase ilimitada”, precisamente imposta pela necessidade de distanciamento social como medida de saúde pública. Parece antagónico, mas não é! Afinal a escola e as aulas aparecem agora por todo o lado, desde a televisão, ao computador, tablet ou telemóvel, seja no quarto, na sala, no escritório ou até mesmo na cozinha. Por detrás disto, um esforço dantesco dos professores, que de repente parecem omnipresentes, mas não são! Além do que, muitos são também pais.
Acordámos repentinamente para uma nova realidade, sem qualquer aviso prévio, que exige de todos, e mais do que nunca, uma capacidade de organização e reorganização quase ao minuto.
Ora, se quando falamos de PHDA - Perturbação de Hiperactividade e Défice de Atenção, falamos especialmente de dificuldades de organização e de planeamento da informação, de fragilidades ao nível da interiorização de rotinas e da automatização de processos sequenciais, tentemos então imaginar todos os desafios que estas crianças e adolescentes, e as suas famílias têm vindo a enfrentar. Se imaginar nos parecer um exercício difícil, acreditamos que vivenciá-lo diariamente seja um desafio ainda maior.
E é isto, perante os obstáculos, entre diferentes possibilidades de resposta, uma delas é encará-los como um desafio. E, se todos vivemos estes tempos únicos, com desafios nunca antes imaginados, reinventemo-nos nas estratégias que nos permitam superá-los. Para tal, algumas partilhas:
1. Se antes usávamos mais a expressão “ano novo, vida nova”, que tal a substituirmos agora por “novo período escolar, novas aprendizagens, materiais novos?” Comecemos pela motivação extrínseca, reutilizar uma pasta de arquivo que tínhamos esquecida no canto do armário e que agora se poderá tornar no novo dossier de arquivo do nosso filho. Ou se comprámos um caderno a mais no início do ano letivo, chegou a altura de o estrear!
O mesmo é válido para outro tipo de material de desgaste. Por exemplo, se o professor validar, altere o registo das aulas e a realização das fichas ou do plano de trabalho para um dossier, se antes sempre foi realizado num caderno. Assim marcará certamente pela diferença, estimulando a capacidade de iniciativa para uma maior motivação e foco na realização e armazenamento das tarefas. No final do ano letivo, pode ficar para sempre guardado como um “diário de um tempo de escola único, especial”.
2. A importância de redefinir rotinas e construir um novo plano semanal, optando por objetivos e sequências curtas. Optar por um cronograma com imagens e/ou cores em detrimento de muitas mensagens escritas, de forma a estimular a capacidade de memória visual dadas as maiores fragilidades ao nível da capacidade de memória auditiva imediata/ memória a curto prazo. As rotinas, ainda que flexíveis, são organizadoras e reguladoras do comportamento, outro dos desafios da PHDA.
Nos momentos e/ou nos dias de maior frustração e/ou oposição, crie pausas maiores nas tarefas escolares. Reorganizem o plano de trabalho em conjunto e/ou se necessário peçam o apoio do professor.
3. Criar um local de trabalho apropriado, longe de estímulos distratores, de zonas de passagem ou de maior movimentação da casa, é importante para todos e imperativo quando coexiste um diagnóstico diferencial de PHDA.
4. Manter a zona de trabalho organizada.Ter disponível apenas e só o material necessário para aquela matéria ou disciplina.
5. Rever o material após cada período de aulas/ trabalho de forma a arquivá-lo no lugar certo, além de beneficiar a consolidação de conhecimentos e a interiorização de um plano de trabalho.
6. Usar e abusar dos post-its e dos marcadores para sinalizar as datas de envio de determinada tarefa para o professor. No caso dos mais velhos, ainda que com supervisão do adulto, a autonomia para explorar novas plataformas de videoconferência online, assim como de armazenamento e de partilha de documentos, despertará interesse e motivação, além de reforçar o seu autoconceito escolar (“eu sou capaz”).
7. Elogiar e reforçar positivamente todos os esforços, independentemente dos resultados alcançados é crucial na PHDA, não só para estimular a capacidade de resistência à frustração, como também a capacidade de persistência na tarefa, que independentemente do nível de gravidade do diagnóstico (ligeiro, moderado ou grave), é uma das áreas mais penalizadas.
8. Garantir a leitura das instruções das tarefas em voz alta pelo adulto, no caso dos mais novos e/ou gravando no telemóvel com a própria voz, no caso dos mais velhos (de forma a reforçar uma vez mais, a sua autonomia), pelo menos duas vezes, garantindo assim que o objetivo da atividade foi compreendido e interiorizado. Isto muitas vezes, o desempenho do aluno com PHDA sai penalizado exatamente por não ter lido ou compreendido corretamente as instruções das tarefas.
9. Dividir tarefas longas em tarefas curtas, investindo em pequenas pausas como se dos próprios intervalos/ recreios se tratasse. Nessas pausas, privilegiar algum tipo de movimento físico (por exemplo, dois exercícios simples de alongamento/ relaxamento ou simplesmente circular pela casa) em detrimento de quaisquer tipo de atividades de ecrã.
10. Incentivar a prática de exercício físico regular é igualmente importante. Na grande generalidade dos casos, as crianças e adolescentes com PHDA praticam algum tipo de desporto semanalmente que nesta fase de confinamento foi também suspenso ou está mais reduzido, pelo que o dispêndio de energia física é fundamental, não só para melhorar os níveis atencionais, como também beneficiará uma melhor qualidade do Sono (área esta também muitas vezes fragilizada). Podem criar-se momentos semanais de exercício físico em família, beneficiando todos os membros do agregado familiar de diferentes formas.
11. Não hesite em contactar a rede de suporte: social (pais dos colegas para partilha de dificuldades e de diferentes soluções), pedagógico (professores, psicólogo e/ou outros profissionais de educação, se abrangido pelo DL 54/2018) e a equipa de apoio multidisciplinar (como por exemplo, o pediatra, psicólogo e terapeuta da fala: não deixe de lado as consultas por receio de contraírem o vírus, saiba que as unidades de saúde têm procedimentos e circuitos seguros para receber e tratar os doentes. Paralelamente, existe cada vez mais opções de teleconsulta disponíveis).
Faça-o as vezes que considerar necessárias para partilhar os desafios diários e reajustar as diferentes estratégias à sua própria realidade. Porque não existem duas famílias iguais e o “todo é muito mais do que a soma das partes”.
Acima de tudo, seja tolerante e flexível consigo mesmo, como pai, como mãe, como professor.
Assim será também um modelo positivo de flexibilidade e tolerância nesta fase de especial aprendizagem para todos. Afinal poucas foram as vezes em que o Tempo e a Proximidade Física assumiram uma dimensão comum de tamanha importância.
Talvez, as maiores aprendizagens destes tempos, não sejam mesmo as académicas. A tolerância, a flexibilidade, a comunicação positiva e a capacidade de resiliência sim, poderão fazer toda a diferença, não só no Presente como, acima de tudo, para o futuro das nossas crianças e jovens com PHDA, das suas famílias e dos seus professores.
Os conselhos são de Rita Antunes, psicóloga clínica no Centro da Criança e do Adolescente do Hospital CUF Descobertas e no Hospital CUF Torres Vedras.
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