Crianças com capacidades intelectuais acima da média que não sejam diagnosticadas a tempo, podem ter problemas de rendimento escolar. Parece um contrassenso – mas não é. A espanhola Olga Carmona, especialista em Diagnóstico e Atendimento Psicopedagógico de Crianças Altamente Capazes, deu uma entrevista ao ABC Familia em que transmite algumas orientações aos pais para que saibam o que fazer se tiverem um filho sobredotado.

O que são exatamente elevadas capacidades intelectuais? É o mesmo que ter muito talento?

A Alta Capacidade Intelectual é um conceito que engloba crianças superdotadas, crianças que têm talento e outras que se revelam intelectualmente precoces. A Organização Mundial da Saúde (OMS) defende que os sobredotados têm um QI igual ou maior que 130, e são superiores em todas as áreas da inteligência. Ou sejam, possuem a máxima expressão da inteligência humana.

A pessoas talentosas têm resultados elevados num parâmetro específico (talento simples) ou em vários talentos combinados (complexo), mas estão dentro da média ou até mesmo abaixo no que toca às restantes habilidades.

A precocidade intelectual define as crianças que adquirem alguns progressos intelectuais ou psicomotores antes do que é considerado comum - por exemplo, começam a falar antes dos 2 anos ou a escrever aos 5/6. Todas as crianças sobredotadas são intelectualmente precoces, mas nem todas as crianças precoces se revelam talentosas. De registar, porém, que quer os miúdos sobredotados quer os talentosos revelam um elevado potencial criativo.

Como é que se identifica uma criança com elevadas capacidades intelectuais?

Através de uma avaliação completa feita por especialistas. Esta avaliação deve incluir, pelo menos, coeficiente intelectual, criatividade, história de vida e estado emocional.

Quais são os sintomas mais evidentes e em que idades se manifestam?

São emocional e sensoriamente muito intensos. A intensidade emocional confunde os pais porque não entendem o vigor das suas reações. A baixa tolerância à frustração faz com que expludam em terríveis acessos de raiva, reajam de maneira exagerada a um filme triste ou mostrem uma enorme capacidade empática e um sentido de justiça radical e precoce.

Em termos sensoriais, podemos falar de uma certa hipersensibilidade. As crianças altamente criativas e talentosas percebem a realidade de forma diferente; estão mais abertas a estímulos do que as outras. Isso pode afetar qualquer um dos cinco sentidos: toque, audição, olfato, visão e paladar, ou até mesmo todos juntos. Também podem apresentar hipersensibilidade psicomotora, ou seja, possuírem um excesso de energia, difícil de gastar, entusiasmo e uma necessidade ilimitada para agir, seja em termos físicos ou cognitivos. Muitas crianças sobredotadas são erradamente diagnosticadas como sofrendo de Défice de Atenção e Hiperatividade (TDAH) porque o tédio fá-las desligar e colocar toda a energia no movimento. Na verdade, e ao contrário do que lhes dizem, essas crianças têm uma capacidade de concentração tão intensa que parecem surdas quando se dedicam a uma tarefa que os entusiasma.

Esses miúdos questionam a autoridade e certas normas que lhes parecem despropositadas; preocupam-se muito cedo com questões ligadas à sua própria existência e à de Deus, à morte, origem do mundo e justiça social. Possuem uma memória prodigiosa, tanto a curto como a longo prazo – conseguem recordar imagens, sons e objetos com um nível elevadíssimo de detalhe e sem recurso a mnemónicas. Na maioria dos casos, aprendem a ler muito cedo e são autodidatas – aos 3 anos, muitos já leem e escrevem sem precisar de estímulo. E têm um vocabulário preciso, rico e muito diversificado para a sua idade. São ainda muito autocríticos, perfecionistas e competitivos. Mas também extremamente independentes e livres.  Não são fáceis de educar, especialmente em sistemas familiares e escolares excessivamente clássicos e rígidos.

Tendem a ser muito distraídos quando o assunto não lhes interessa. Porquê? Porque possuem um cérebro que percebe tudo, o tempo todo, o que faz com que tenham uma sobrecarga sensorial e emocional, sofram de alguma desorganização pessoal, distração, atraso no processamento de informação relevante, bloqueios e fadiga mental. É comum os pais dizerem que não percebem como o seu filho tão inteligente é incapaz de se vestir de forma correta.

O seu desenvolvimento é irregular, verificando-se aquilo a que os psicólogos chamam de dessincronia evolutiva: nem todas as áreas do seu desenvolvimento evoluem de forma paralela. Por isso, uma criança com elevadas capacidades pode estar preocupada com questões existenciais e, ao mesmo tempo, fazer uma birra porque lhe negam um brinquedo. Quer isto dizer que intelectualmente ela está num patamar, e emocionalmente noutro.