Chama-se Laurent Simons, tem oito anos e foi notícia em todo o mundo pelo facto de estar prestes a entrar para a universidade. Leu bem: universidade. A criança, filha de pai belga e mãe holandesa, tem um QI de 145 (na Bélgica, 2,5% da população é considerada como de alto potencial, isto é, com um QI de 130 ou mais).
Para a psicóloga e fundadora do Ceibe, Centro de Psicologia em Madrid, Olga Carmona, esta situação não é assim tão extraordinária. A responsável disse ao El Pais que incrível é terem respeitado o ritmo de aprendizagem da criança. “Há muitas crianças como esta nas escolas que são ignoradas, ostracizadas e com diagnósticos mal feitos”. E acrescentou: “Esta criança foi educada em casa porque se percebeu que ficava entediada na sala de aula e não poderia manter o seu ritmo de aprendizagem se fosse obrigada a esperar pelos outros”.
Para Olga Carmona, sistemas de ensino como o espanhol, na sua versão mais autoritária e paternalista, não permite que os pais escolham. “Os miúdos são apanhados por um sistema que faz da escola uma espécie de sequestro legal, mas que não atende às necessidades desse tipo de aluno, enquanto a maioria dos professores não tem conhecimentos básicos que lhes permitam apoiar uma criança sobredotada”.
A psicóloga acredita firmemente que “as universidades teriam muitas crianças assim se estas pudessem avançar ao seu ritmo. Era bom que o sistema não atrapalhasse o seu ritmo de aprendizagem”.
Carmona recorda que muitos destes miúdos têm um desempenho mediano ou até medíocre na escola. “Os métodos tradicionais foram adotados dos que se praticavam no século XIX e pouco evoluíram. Os alunos continuam a trabalhar com base na repetição de informação já processada quando a maioria das crianças sobredotadas valoriza a perceção viso-espacial”.
Além disso, prossegue, “o seu ritmo de aprendizagem é muito diferente do dos seus colegas, pelo que o ter de seguir um ritmo que não é o seu, dia após dia, acaba por provocar-lhes tédio e frustração”.
A especialista fala ainda em fatores motivacionais: “Os sobredotados percebem rapidamente que, com pouco esforço, obtêm boas notas, de modo que cumprem os mínimos e passam a dedicar-se ao que realmente lhes interessa. Essa atitude pode funcionar no ensino básico, mas quando transitam para o secundário a situação complica-se”.
Outra característica que encontra nestas mentes brilhantes é a sua extrema emotividade. “Para eles, o vínculo emocional é determinante para desenvolverem o seu potencial cognitivo. A falta de um professor com ligação à criança, o sistema tradicional com base na punição e uma informação mastigada, tudo isso contribui para o fracasso destes alunos”, diz Carmona.
A especialista deixa uma série de dicas sobre o que fazer e não fazer com crianças sobredotadas:
- Esteja atento ao desenvolvimento emocional e académico da criança.
- Ajudá-la a compreender as suas capacidades de aprendizagem para, assim, desenvolver a autoestima.
- Entenda a forma como processa a realidade e o conhecimento.
- Acompanhe a aprendizagem na escola, para evitar a desmotivação e o fracasso.
- Canalize o seu potencial intelectual e emocional de maneira construtiva.
- Tenha cuidado com diagnósticos de Asperger ou Transtorno por Défice de Atenção ou Hiperatividade (TDHA), pois muitas vezes as situações são confundidas.
- Defina bem as prioridades: ao invés de colocar toda a energia em normalizá-lo face ao padrão comum, ver como pode ajudá-lo a ser feliz e a realizar-se. “Eles precisam de ser como são, sem julgamento, projeções de sucesso ou desastre”.
- Evite atitudes demasiado protetoras ou demasiado exigentes.
- Proteja a criança das ideias correntes sobre a maldição de ser muito inteligente. “Não é nem uma maldição nem uma punição. É uma condição que precisa de ser entendida, aceite e cuidada. É uma maneira de processar a realidade”.
- Não lhe minta. “Não temos o direito de esconder algo tão essencial. Ser capaz de nomear o que nos acontece é o primeiro passo para compreendê-lo. Tendemos a associar o diferente ao patológico e isso prejudica a autoestima, diz Gloria Carmona.
- Não acumule avaliações e diagnósticos, porque os profissionais não concordam com os resultados. Diz Gloria Carmona que é “inadmissível que o único teste para avaliar a capacidade do aluno seja o psicométrico, básico e fundamentalista. O talento e a criatividade não são levados em conta. E uma criança altamente criativa precisa de adaptações metodológicas ou terá problemas de adaptação e desmotivação “.
- “Eles não precisam ir ao psicólogo por serem sobredotados”, diz a especialista. “Porque não se trata de nenhum transtorno. Recebemos constantemente miúdos que já passaram por vários psicólogos, com diferentes diagnósticos, com pais angustiados, quando o que realmente se passa é que a criança tem um alto potencial não detetado”.
- Não confie cegamente num programa educacional desatualizado e que não funciona. “Ele não serve a nenhum aluno, mas no caso dos sobredotados é uma rejeição clara”, diz a psicóloga. “Muitas das crianças que diagnosticamos pura e simplesmente não querem ir à escola. Ficam doentes física e psicologicamente com a ideia de ter que passar oito horas por dia fechadas numa sala a ouvir coisas que não lhes interessam”.
- Não insista num modelo de educação clássico. “A maioria de nós foi educada com base no esquema de prémio-castigo e com a célebre frase: é assim porque eu digo. Isso não têm efeito ou significado para eles. Devemos rever as nossas crenças e a adaptá-las”, aconselha Olga.
- Dê-se ao respeito. “Os nossos filhos precisam de razões, explicações, limites que façam sentido para eles e que respeitem todo o sistema familiar; precisam de coerência. E não o respeitarão pelo simples facto de ser mais velho ou ocupar uma posição hierárquica superior. Só o respeitarão se conquistar o respeito e a admiração deles, se fizer um esforço para compreendê-los, aceitá-los e apoiá-los, sem tentar ‘normalizá-los’”.
- Evite a armadilha das mil tarefas extracurriculares. “Isso nunca vai travar a sua voracidade intelectual e só aumentará o seu cansaço”.
- Cuidado com as expectativas: “Eles não precisam que os pais estejam sempre a tentar encaixá-los numa vida de sucesso ou que falem constantemente de um eventual fracasso. Devem ser aceites pelo que são.”
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