As mães têm uma função primordial no desenvolvimento fisiológico e psicológico de uma criança, é inequívoco e factual. Esse papel é ainda mais saliente nos primeiros anos, ou melhor, desde os primeiros segundos de vida. Mas, hoje, surgiu-me a vontade de escrever sobre ser-se pai ou pessoa que desempenhe esse papel, incluindo naturalmente os casais do mesmo sexo. É que nem sempre os pais são colocados, ou se colocam, no papel que lhes é legítimo.
Durante demasiado tempo, surgiram costumes que apontavam o cuidar da criança apenas à mãe e à mulher. Os pais tinham a função de trabalhar e garantir a estabilidade familiar. Muitas vezes, era-lhes até vedado o contacto com as suas crianças. Parecem aqui estarem patentes princípios da própria evolução da espécie em que a mãe cuidaria dos filhos/as e do lar e o pai caçava e protegia de ameaças. Mas fomos para além dessa visão primária e as práticas parentais continuaram e continuam a fazer a sua evolução natural.
Ser-se um pai presente, realmente presente, é uma experiência que tem tanto de exigente como de sublime. Estar-se fisicamente e, mais importante, emocionalmente, é um contributo decisivo do pai para um adequado e pleno desenvolvimento da criança. Muito me agrada ver cada vez mais pais que vão às consultas com os filhos/as, que os/as acompanham à creche, à escola e às atividades extracurriculares; que brincam com os/as filhos/as; que confortam; que ensinam e aprendem; que partilham; que beijam e abraçam; que pedem desculpa e ajuda; que contemplam; que definem limites; que ajudam nos trabalhos de casa e no estudo; que com o seu amor lhes permitem serem quem são, descobrirem-se, autonomizarem-se; que mudam fraldas; que dão banho; que vestem; que adormecem; que dão colo; que rapidamente resolvem um problema prático; que, simplesmente, estão. Incondicionalmente.
Não existem pais nem mães perfeitos – nem filhos/as. A perfeição não existe. E o que é suposto ser-se ou fazer-se, que vem de familiares, amigos e outros de pouco vale se não houver o mais importante, por muito boas intenções que tenham. Porque somos únicos e individuais, tornamo-nos pais momento a momento, no contacto diário com os nossos filhos/as. Também cometendo erros. É uma construção partilhada e feita entre pai e filho/a. Onde o sentir, o experienciar e o intuir criam uma ligação profunda e insolúvel.
Haverá também dias onde tudo corre mal. Também os pais têm direito a estar cansados, irritados, frustrados, deprimidos, sozinhos, com medo. Haverá também alturas em que o pai se sente um "mau pai" (esta nossa tendência para nos rotularmos, para nos julgarmos, para nos compararmos…). No mesmo sentido, também os pais podem desenvolver depressão pós-parto, não o podemos esquecer. Com a chegada do primeiro filho/a, também a vida do pai se transforma para sempre: nada será como dantes e essa transformação leva o seu tempo a acontecer. Eventualmente, a vida toda.
Ser-se pai não é acertar ou falhar ou fazer-se bem ou mal uma coisa. Nem tão pouco é isso que marcará a diferença no crescimento da criança. Falo de uma visão bem mais ampla: ser-se pai é estar-se plenamente na relação com o filho/a. Sem passado nem futuro, é aqui e agora. Neste olhar, neste sorriso, nesta emoção, nesta tarefa, nesta ajuda. Um pai faz-se.
Por último, deixo algumas sugestões para os pais, de forma a aproveitarem a grande viagem das suas vidas:
- Treine a sua gratidão por este momento único na sua vida e pela sua presença na da sua criança e vice-versa (incluindo nos dias mais difíceis, principalmente nesses até);
- Valorize as suas capacidades e competências, não apenas os erros e dificuldades;
- Peça ajuda ou faça perguntas, não é menos capaz ou competente por fazê-lo;
- Conheça e expresse as suas emoções sem vergonha, fazer-se de forte deixa-o mais “frágil” e desligado;
- Fale com amigos e família. Partilhe as suas experiências, inquietações e dúvidas com outros pais;
- Pesquise e leia artigos para pais e sobre crianças e veja o que se adequa à sua realidade;
- Treine o seu auto-cuidado: o seu filho/a vai agradecer muito;
- Passe do “eu” e “tu” para “nós” na sua relação. Verá que tudo fará muito mais sentido;
- Oriente sem obrigar o seu filho/a a ser quem gostaria que ele/ela fosse. Deixe-o/a ser quem é desde o primeiro momento;
- Planeie e antecipe a sua vida pessoal e profissional, deixando momentos para imprevistos (e que serão muitos);
- Se sentir necessidade, faça psicoterapia. Tornar-se pai mexe necessariamente com a sua própria experiência como filho/a e poderão haver feridas por sarar, além dos inúmeros desafios que um pai atravessa diariamente. Lembre-se que é bem mais fácil perpetuar o que nos foi passado do que fazer mudanças, às vezes, de padrões negativos que passaram de geração em geração. Esteja também atento ao aposto: pode dar por si a fazer o contrário daquilo que viveu como filho/a (por exemplo, se não se sentiu protegido proteger em demasia os seus filhos/as).
Luís Gonçalves - Psicólogo clínico e Psicoterapeuta
Comentários