O sonho de ser e pai ou mãe vai crescendo dentro de nós ao longo da nossa história de vida. Sonho que se ensaia no brincar aos pais e às mães na infância e que ganha uma dimensão mais concreta na entrada na vida adulta. É dentro do imaginário de ser pai ou mãe que a ideia da adoção por vezes nasce. O desejo de adotar para muitos casais ou pessoas singulares, surge como a forma mais viável ou natural de parentalidade.
Para além da generosidade de querer dar a uma criança uma família, o projeto da adoção à semelhança de qualquer projeto de parentalidade, também é composto pelas necessidades emocionais dos pais e pelos sonhos que têm sobre a parentalidade.
Sonhar um filho implica criar uma expectativa, de contornos mais ou menos definidos, na qual se esboça uma imagem de ser criança e uma imagem de ser pai ou mãe. Uma imagem tendencialmente romântica, com uma luminosidade que lembra Paris.
O problema é que nem todas as cegonhas vêm de Paris, a nossa prática clínica tem mostrado que há cegonhas com outras rotas migratórias. Na verdade, na grande maioria dos casos não sabemos bem de onde vêm as Cegonhas. Adoção é sem sombra de dúvidas uma caixinha de surpresas. A ideia de um bebé trazido de Paris, embrulhado no bico da cegonha, fácil de acalmar e somente à espera de colo, para ter um percurso de desenvolvimento linear, corresponde pouco à realidade.
Há a fantasia que o amor é o suficiente para dar uma nova luz à vida da criança adotada e por milagre provocar um novo nascimento. Ninguém nasce de novo, é mesmo impossível. Nos filmes de ficção cientifica é que existem por vezes máquinas de teletransporte no tempo e a possibilidade de irmos ao passado rescrever a história. No mundo real, o tempo só tem um sentido.
Todas as crianças adotadas têm por isso uma história que não se apaga. Uma história composta por genes, por uma gestação, pela qualidade de cuidados precoces e um conjunto de episódios de vida significativos mais ou menos traumáticos. É esta história que determina um presente mais ou menos normativo, com desafios próprios, um caminho diferente do sonhado.
Na prática clínica é com frequência que conhecemos pais adotivos aflitos, perdidos entre o sonho imaginado e a realidade relacional ao longo das rotinas. Perdidos na ausência de um porquê que explique de tantos comportamentos desafiantes! Perdidos numa história de amor que raramente, parece escrever-se nos dois sentidos. No caminho surgem por vezes os jogos de culpa. Não o amamos o suficiente, o nosso amor não é de qualidade, estamos a errar? Em sentido contrário. Ele não é capaz de amar, é uma criança verdadeiramente ingrata, nós damos tudo e ele não muda, continua igual, faz o que nos magoa. A experiência diz-nos que não há desencontro pior que a procura incessante de culpados.
É necessário um novo lugar, isento de culpas e culpados, no qual a história da criança possa voltar a ser lida. Por outras palavras é importante voltar a interpretar todos os dados disponíveis sobre o desenvolvimento. Uma leitura que conjugue fatores intrínsecos à criança iminentemente biológicos, com fatores associados à qualidade dos cuidados e com fatores associados a episódios de vida significativos por forma a traçar um perfil de funcionamento emocional e comportamental que enquadra de forma realística o presente.
A construção de uma nova visão da criança, com uma dose de racionalidade e não condicionada simplesmente pela ideia que o amor cura tudo, permite uma nova compreensão do comportamento da criança e da relação pais filhos. O novo caminho quer-se mais realístico e alicerçado nas características da criança de forma a criar a segurança necessária para novos sonhos.
Afinal as cegonhas que não vêm de Paris, também podem trazer bebés que nos podem fazer sonhar.
Pedro Vaz Santos – Psicólogo Clínico
PIN - Progresso Infantil
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