Crónica anterior: Gravidez em tempo de pandemia. “Já fizeste a mala?”
Pensei muito antes de escrever a crónica desta semana. Sobre um tema que acho importante abordar, mas que ao mesmo tempo é uma partilha muito mais pessoal do que tudo o que tenho dito por aqui. Mas porque é algo tão importante e por ter um final (espero que) feliz, aqui vai o meu testemunho.
Cheguei às 34 semanas e com elas acentuaram-se também os meus problemas de ciática, que já sentia desde janeiro. Quando me perguntam como estou digo sempre que nos últimos tempos tenho um sintoma novo: mãos, pés e pernas dormentes, insónias, acordar às 3h da manhã e não voltar a adormecer, dores nas pernas, sobretudo coxas, dores na bacia… Tudo a que tenho direito!
Esta é talvez a fatura que estou a começar a pagar por estes dois meses de sedentarismo e quase inatividade. Passei os últimos meses demasiado tempo sentada, deixámos de ter a hipótese de fazer coisas tão simples como andar de um lado para o outro e a contagem de passos que os telemóveis nos dão por esta altura é uma piada. Se para uma pessoa num estado normal isso já é mau, no meu caso, com um ser a crescer dentro de mim, é ainda pior.
Mas o tema que vos quero trazer aqui é outro. Recuemos uns anos, mais precisamente aos últimos dias de setembro de 2017. Tinha acabado de vir de férias e estava no centro de saúde à espera de uma consulta de planeamento onde iria saber o resultado do meu exame de rastreio também conhecido como citologia. Mas esse resultado foi diferente. Entre o “blá, blá, blá” de laboratório, dizia qualquer coisa como “lesão CIN II”.
Nem sei bem se entrei em pânico mas tive uma descarga de adrenalina brutal. Como assim, cancro do colo do útero? O meu lado prático começou a falar com o meu lado irracional e mandou-o acalmar
Fiz aquilo que 99% das pessoas faria: peguei no telemóvel e pesquisei o que era aquilo. E as entradas que me apareceram fizeram disparar o meu coração: Cancro do Colo do Útero. Nem sei bem se entrei em pânico mas tive uma descarga de adrenalina brutal. Como assim, cancro do colo do útero? O meu lado prático começou a falar com o meu lado irracional e mandou-o acalmar. O Dr. Google era ótimo a criar alarme e no fundo não percebia realmente o alcance daquilo. Devia ser a pesquisa, tinha-a feito de forma errada, e tinha de esperar por aquilo que o meu médico de família tinha para me dizer.
Ele olhou para o exame e ficou apreensivo, mas um apreensivo de “vamos tratar do assunto”. Encaminhou-me para uma consulta de urgência na Maternidade Alfredo da Costa (MAC) e disse-me que, se não me dissessem nada no espaço de um mês, para ligar para lá a insistir na minha urgência. Que era um caso de alarme, mas que não queria dizer nada, que muitas vezes as lesões não evoluíam para cancro e que esta era apenas isso, uma lesão. O importante era o facto de ter sido identificada e ter de se tratar.
Uma nota que vos deixo: relativizem as coisas que encontram na internet. Normalmente, só os casos mais graves ou que correm mal é que aparecem e são falados. Também há os outros, que correm bem. E o meu correu bem.
Dois dias depois ligaram-me da MAC a marcar consulta. Fui a uma primeira consulta no início de outubro em que a ginecologista me mandou dar os parabéns ao meu médico por me ter explicado as coisas e não me ter alarmado. Fiz os exames no mês seguinte, mais consulta, menos consulta, fiz a intervenção – uma conização – em fevereiro de 2018. Fiquei em casa a recuperar durante umas semanas. Foi a primeira vez na vida que estive de baixa. No trabalho, as pessoas pensaram que fui de férias. Na consulta seguinte descobriram que afinal tinha de fazer mais uma intervenção. “Antes tirar a menos que a mais”, diziam-me.
Desde aí que sou acompanhada de seis em seis meses – ainda nesta fase – e depois anualmente, durante cinco anos. Escusado será dizer que vou ter de ser seguida e não me esquecer do rastreio durante muitos e longos anos. No teste de genotipagem do HPV o resultado foi aquele que não se quer: era o 16, que juntamente com o 18, é responsável por cerca de 70% dos casos de cancro do colo do útero.
Curiosamente, no dia dessa tal consulta de planeamento, ia pedir ao meu médico de família que me passasse a credencial para a vacina do HPV, que não é comparticipada e que já tínhamos discutido antes. Fiz a vacina mais tarde, depois da intervenção, por opção minha.
Aprendi que com a saúde não se brinca. E aos poucos tenho partilhado com as pessoas à minha volta que tive de fazer um tratamento por causa do HPV. Que não é a melhor coisa da vida, mas que também não é o fim do mundo. O importante é fazer-se o rastreio. É mesmo fundamental. Leiam aqui o que a minha obstetra tem a dizer sobre o assunto. E atenção: estas lesões atingem muito mais mulheres do que se imagina. Simplesmente não se fala sobre o assunto.
Das primeiras perguntas que nos colocam quando fazemos esta intervenção é “tem filhos?” ou “já é mãe?”. Isto é muito importante porque na prática, o colo do útero tem um papel ainda mais fundamental na gravidez. E um colo do útero demasiado curto podia pôr em causa uma possível gravidez, por vários motivos.
se essa era a minha maior preocupação ao longo deste tempo – nas ecografias questionava sempre – a verdade é que neste momento o meu maior problema é mesmo um quadro de ciatalgia incapacitante
Quando questionei se podia começar a pensar em ter filhos, o médico que me acompanha disse em tom de brincadeira: “Pode, mas só se for uma menina”. Num tom mais sério respondeu que nunca estive impedida de engravidar, simplesmente o tratamento e acompanhamento teriam de ter sido feitos de outra forma.
A verdade é que foi nesse mês, depois da consulta, que engravidei – em outubro de 2019. Lembro-me de falarmos nas consultas sobre o tema “possível gravidez” e de me dizerem que o pior que podia acontecer era ter uma gravidez mais atribulada por risco de parto prematuro. Em casos mais extremos podia sofrer um aborto (a verdade é que qualquer mulher está sujeita a isso). Mas que o facto de ter feito uma conização não queria dizer que isso ia acontecer.
Isto para vos dizer que estou quase a chegar ao fim da gravidez e o meu colo do útero está “bom e recomenda-se”. E se essa era a minha maior preocupação ao longo deste tempo – nas ecografias questionava sempre – a verdade é que neste momento o meu maior problema é mesmo um quadro de ciatalgia incapacitante. Nada daquilo que eu achava que ia ser o meu maior desafio.
Ou seja, o meu caso correu bem e tem tudo para ter um final feliz. E muito tenho a agradecer ao Serviço Nacional de Saúde. No meu caso, sempre que precisei, nunca me faltou. Sei que nem todos têm a mesma experiência, mas esta partilha, no fundo, é só para falar do meu caso, um exemplo positivo no meio de tudo o que nos corre mal (ou menos bem). Infelizmente, não há muitas destas partilhas por essa internet fora.
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Daniela Costa chegou ao SAPO em agosto de 2013, depois de uma passagem por produtoras de televisão em que fez um pouco de tudo: desde programas para a RTP 2 sobre agricultura, pescas e desenvolvimento rural, programas sobre lusofonia, na RTP África ou programas para a RTP Internacional sobre o melhor que se fazia em Portugal nos anos de crise financeira, entre outros. Entrou na equipa do SAPO Lifestyle, em novembro de 2015, e desde fevereiro de 2017 que assume a função de editora.
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