Que doenças oftalmológicas podem surgir durante a gravidez? 

As mudanças hormonais causadas pela gravidez provocam uma série de alterações oculares.

A sensação de olho seco, alterações do campo visual e na focagem são problemas oftalmológicos que podem surgir durante o período gestacional. A pré-eclâmpsia, que se carateriza pelo aumento significativo da pressão arterial, pode provocar lesões em vários órgãos do organismo. Em termos oculares, as suas manifestações vão desde o aparecimento de manchas pretas (escotomas), intolerância à luz, visão turva, até à perda súbita de visão. Com a gravidez, pode ainda ser identificado algum grau de hiperpigmentação na pele à volta dos olhos também denominado cloasma.

Felizmente, com uma vigilância partilhada com o obstetra, a maioria destes sintomas são transitórios e acabam por desaparecer no pós-parto.

Uma mulher com miopia deve esperar para fazer a cirurgia de correção oftalmológica caso queira engravidar nos anos seguintes ou isso é mito?

É verdade. Caso haja por parte da mulher a intenção a curto prazo de vir a ser mãe, é totalmente desaconselhada a realização de cirurgia para correção do erro refrativo (graduação que usa). A gravidez acarreta um conjunto de alterações hormonais fisiológicas que interferem com os níveis de hidratação e curvatura da córnea. Neste sentido, seria imprudente realizar um procedimento cuja precisão iria falhar dadas as alterações que acompanham a gestação. Por esse motivo, e a fim de obter alguma estabilidade refrativa, a cirurgia deve ser protelada até,  pelo menos, seis meses depois do parto.

É possível que haja um aumento do grau de visão na gravidez ou uma diminuição? Porquê? 

A alteração de graduação (erro refrativo) durante a gestação é mais comum do que se possa imaginar, já que é causada em decorrência de outros fenómenos típicos da gravidez, como a retenção de líquidos e o aumento de peso, que modificam o formato e a espessura da córnea, deixando a visão distorcida.

Esta alteração é transitória e a córnea volta ao seu normal gradualmente após o nascimento do bebé. Por isso, dada a instabilidade hormonal que caracteriza este período a recomendação é que não se reveja o erro refrativo neste período a menos que a futura mãe esteja muito sintomática, nomeadamente pela baixa acentuada da visão com os óculos ou lentes de contacto em uso, dores de cabeça ou cansaço visual, sendo nesse caso o ajuste realizado apenas para maior conforto da mulher.

Ana Figueiredo, oftalmologista e membro da Sociedade Portuguesa de Oftalmologia
créditos: Esfera das Ideias

Por que motivos podem surgir doenças dos olhos na gravidez? 

Durante a gravidez, existem alterações no metabolismo, perfil hormonal e circulação sanguínea de todas as mulheres, as quais podem afetar o normal funcionamento da visão e levar ao aparecimento de novas doenças oftalmológicas ou agravar as que já existem (miopia, retinopatia diabética, glaucoma e uveíte).

Com efeito, neste período, algumas doenças pré-existentes podem descontrolar-se. A mais comum é a diabetes, podendo precipitar ou agravar o aparecimento de retinopatia diabética. Além disso, mulheres previamente saudáveis podem desenvolver diabetes gestacional, correndo risco de desenvolver problemas na retina, caso não se controlem os níveis de açúcar no sangue (glicemia).

Quais são os cuidados especiais que a mulher grávida deve ter? E quando devem procurar um médico oftalmologista? 

Uma vigilância adequada da gravidez, acautelando os principais fatores de risco e doenças pré-existentes culminarão com uma gravidez sem intercorrências. Adicionalmente, a adoção de medidas de estilo de vida saudável, nomeadamente cuidados na gestão do peso, alimentação adequada e prática regular de exercício físico serão determinantes na redução do aparecimento de complicações.

Sintomas oftalmológicos de alerta, persistentes, ou em agravamento, implicam uma observação urgente por Oftalmologia.

As alterações oftalmológicas que surgem ou agravam na gravidez são reversíveis no pós-parto?

Na grande maioria dos casos sim. Sejam as alterações em termos refrativos, a hiperpigmentação da pele das pálpebras, o agravamento do olho seco ou alterações retinianas decorrentes da retinopatia diabética, ou de picos de pressão arterial (no contexto da pré-eclâmpsia), a menos que tenham atingido um nível de gravidade com lesões major da retina ou do nervo ótico, o seu curso habitual é a regressão completa com o término do status gestacional.

A que sinais é que as mulheres devem estar atentas?

Qualquer sintoma visual, nomeadamente visão enevoada, moscas volantes, manchas escuras (escotomas) no campo de visão, sensibilidade à luz ou perda temporária da visão, deverão representar um alerta que deve motivar a procura urgente de um oftalmologista.

Mais ainda, se as mulheres apresentarem hipertensão arterial antes ou durante a gestação, ou se forem diabéticas, o seu acompanhamento oftalmológico deve ser regular durante toda a gravidez. 

Por outro lado, qualquer mulher grávida com histórico em termos de patologia oftalmológica (alta miopia, uveíte, retinopatia diabética, glaucoma ou relacionada com o mero uso de meios corretivos – óculos ou lentes de contacto) deve conhecer o seu padrão de visão habitual por forma a identificar quaisquer alterações e procurar ajuda diferenciada imediata que possa identificar se se trata de algo fisiológico, e como tal reversível após o parto, ou pelo contrário, patologia que implique vigilância e/ou tratamento ao longo da gravidez.