“Di e Ricky são um casal que, após dois anos de namoro, decide ter filhos. Ao fim de algum tempo, perceberam que esse objetivo não iria ser atingido de forma fácil e tiveram de superar alguns obstáculos e sentimentos”. Mais do que uma história protagonizada por um casal e uma cadelinha muito sensível e amiga - a Mac -, aquilo que Dina Lopes procurou na sua obra de estreia foi libertar através da escrita os seus fantasmas e a sua dor. Em Mac à Espera do Nunca (edição Cordel d’Prata), a autora optou por acompanhar as suas palavras de ilustrações. Nasceu um livro infantil que tem, também, como destinatário o público adulto. Na obra, Dina relata-nos na primeira pessoa o drama que viveu, transposto para uma história que alia pitadas de humor com a descrição de uma dor “para muitos invisível. O livro resume a minha história de infertilidade e foi dessa forma que aliviei as dores e a alma”. O desabafo da autora de uma narrativa que “quer alertar para o facto de nem todos conseguirem realizar o seu tão desejado sonho de serem mães ou pais e ainda assim cumprirem o seu papel na sociedade sem serem criticados pela mesma”.
Em breves palavras comecemos por traçar o perfil de Dina Lopes na voz da própria: “nasci em Torres Novas e vivi até aos nove anos na vila da Chamusca, altura em que os meus pais se mudaram para a vila dos Riachos, concelho de Torres Novas. Ainda com 17 anos, sai dos Riachos para estudar em Lisboa e, a partir daí, passei por vários locais onde trabalhei”. Atualmente, Dina leciona em Lisboa, embora more em Tomar. Entre os seus prazeres do dia a dia está o gosto confesso pela leitura e escrita.
Passemos à história que deu a Dina Lopes mote para a escrita em torno de Di, Ricky e Mac, personagens ficcionadas de um caminho bem real: “durante algum tempo tentámos engravidar, mas não conseguíamos, o médico que me acompanhava na altura desvalorizou sempre todas as minhas queixas, até que me vi mesmo obrigada a mudar de médico. Posteriormente, no novo médico e após alguns meses e vários exames obtive o diagnóstico da infertilidade”, enfatiza Dina Lopes, que acrescenta: “ouvir este diagnóstico foi muito difícil. Quando o médico me disse que sem qualquer intervenção médica seria impossível ter filhos, penso que, no imediato, fiquei em choque, a tentar assimilar. Fiz as perguntas que tinha de fazer, ele explicou-me minimamente as coisas, e acho que até parecia que estava a receber bem a notícia”. Uma serenidade que a autora perdeu quando chegou perto de alguém que lhe era próximo, o namorado: “desabei completamente e chorei imenso, chorei, chorei, foi como se a vida me estivesse a dar um murro, foi como se tivesse perdido algo que nunca tive, mas que abriu um buraco no meu coração. Foi uma notícia de uma tristeza imensa. Parecia que a vida me estava a dizer que jamais iria preencher um vazio que existia dentro de mim”.
Apesar da tristeza, Dina foi “fazendo as diligências para os passos seguintes”. Contudo, “dói mesmo muito. Para quem deseja muito a maternidade e depois lhe ‘puxam o tapete’ de forma violenta e brusca é uma dor imensa”.
Após o diagnóstico, Dina Lopes partiu para a cirurgia de desobstrução das trompas. “Cirurgia onde obtive o diagnóstico de endometriose e quando tivemos alta para voltar a tentar, ainda o fizemos durante seis meses de forma natural, embora com coitos programados e com estimulação ovárica. Depois partimos para os tratamentos de PMA, primeiro IIU e depois FIV”.
Nenhuma tentativa teve um resultado positivo e, por isso, o sonho de ser mãe não se concretizou. “A dor mantém-se, é uma ferida aberta que não sei se algum dia cicatrizará”.
Dói mesmo muito. Para quem deseja muito a maternidade e depois lhe ‘puxam o tapete’ de forma violenta e brusca é uma dor imensa.
Dina caracteriza todo este processo como “extremamente doloroso e desgastante, de cada vez que tinha um teste negativo, ou a menstruação, era invadida por uma profunda tristeza, pois era mais uma tentativa falhada. Contudo, o momento de me ver obrigada a parar os tratamentos de PMA e saber que aquela FIV tinha sido o último tratamento e o resultado era negativo, talvez tenha sido o pior momento. Foi um momento em que chorei horas, chorei até não ter mais lágrimas, a vida estava a roubar-me o sonho de ser mãe e a deixar em mim uma enorme ferida em sangue”.
Um sofrimento silencioso
Na apresentação que faz de si mesma na sinopse do livro a Dina Lopes destaca, amiúde, um “sofrimento silencioso”. Porquê este silêncio? “No meu caso foi um sofrimento silencioso e só, uma vez que a maioria das pessoas que sabiam da minha infertilidade desvalorizavam o meu desejo de ser mãe, desvalorizavam a minha dor e o meu sofrimento. Este facto fez com que não sentisse à-vontade para contar a outras pessoas e, por isso, fechei-me. E outras pessoas inférteis relatam que também passaram pelo mesmo”.
Uma ausência entre aqueles que lhe estavam próximos que a autora de Mac à Espera do Nunca alarga à “comunidade médica, principalmente no Sistema Nacional de Saúde, devo dizer que também não tive grande apoio, senti-me mesmo como um número, era mais uma para a estatística dos insucessos, apenas isso”.
O escrever o livro também me iniciou no processo de aceitação de não conseguir ser mãe, um processo que ainda está no início e que não sei se terá fim.
Na escrita do livro, a autora encontrou um meio para “desabafar, era uma forma de canalizar o que estava a sentir para algum sítio, era uma forma de soltar todos os sentimentos que estavam aprisionados no meu peito e assim atenuar um pouco esta dor. Obriguei-me a falar sobre o assunto e, dessa forma, libertei-me deste sofrimento só e silencioso que sentia. O escrever o livro também me iniciou no processo de aceitação de não conseguir ser mãe, um processo que ainda está no início e que não sei se terá fim”.
Um livro “transversal a todas as idades”
O facto de ter escrito um livro infantil não fecha a porta a que a sua mensagem chegue a leitores de idade mais madura: “sinto este livro como um livro transversal a todas as idades. É importante que os pais leiam com os mais pequenos a história de Mac à Espera do Nunca e respondam às perguntas que lhes sejam feitas. É importante haver noção de que a infertilidade faz parte da vida e se essa consciencialização começar desde muito cedo, talvez se consigam preparar melhor, caso um dia se deparem com um diagnóstico semelhante”, sublinha Dina, para substanciar: “se enquanto muito pequeninos gostam de ver as imagens, entre os seis a 12 anos já percebem a história e começam a questionar, os adolescentes já começam a estar alerta para estes problemas, até mesmo pelos conteúdos programáticos das disciplinas de ciências naturais e biologia, e, por isso, começam a despertar para estes problemas. E os adultos, muitas vezes estão a passar pelo mesmo que eu passei e sentem que existe alguém que os compreende, sentem empatia”.
É importante haver noção de que a infertilidade faz parte da vida e se essa consciencialização começar desde muito cedo, talvez se consigam preparar melhor.
“Continuamos a ser julgados pela sociedade”, sublinha Dina Lopes. Porquê este julgamento?, questionamos: “relativamente à endometriose e adenomiose é um julgamento relacionado com a dor, pois acham que não podemos sentir tanta dor e que provavelmente estamos a tentar enganar o outro, a arranjar desculpas para algo. Para além disso, também pensam que a doença não pode destruir os órgãos onde se instala, ou seja, não compreendem, de todo, a complexidade da doença (ou doenças se incluirmos a adenomiose). No que diz respeito à infertilidade, é a condenação por não ter filhos, se não temos filhos é porque não queremos, é porque não fizemos tudo o que devíamos ter feito. E não tendo filhos parece que não estamos a cumprir o nosso papel na sociedade nem podemos ter opinião sobre determinados assuntos, como educação de crianças, pois não temos filhos. Nem podemos dizer que nos sentimos cansados, por exemplo”.
Num processo repleto de dor também houve palavras de conforto: “provavelmente quando o meu médico me disse que não existem decisões erradas e que, por isso, independentemente daquela que fosse a minha decisão seria a decisão certa e que eu deveria viver bem comigo mesma, pois tinha feito tudo o que podia ter feito. Foram as palavras certas no momento certo, foram palavras importantes, uma vez que penso que estava a precisar ouvi-las”, finaliza Dina Lopes.
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