Passam agora 46 anos do golpe contra o regime do Estado Novo, que foi também o início de uma revolução no ensino que ficou na memória de estudantes e professores.

No 25 de Abril de 1974, Manuel Pereira frequentava o 5.º ano (atual 9.º ano), Marília Gomes estava no último ano do liceu e Teotónio Ribeiro era assistente na Faculdade de Engenharia da Universidade de Coimbra. Para todos, aqueles foram tempos de “grandes aprendizagens”.

Manuel Pereira lembra quando os manuais escolares, verdadeiros tratados de propaganda do regime, foram rejeitados e os alunos passaram a aprender “através de folhas soltas e novos cadernos que eram um prazer ler”.

Depois do 25 de Abril, “todas as semanas havia reuniões gerais de alunos no colégio”. Os professores e diretores ligados ao regime eram expulsos. E sempre que havia plenários, as aulas eram suspensas.

“Os anos de 1974, 75 e 76 foram de grandes aprendizagens que nos permitiram conhecer o mundo e despertar para a liberdade. Até ali só conhecíamos o mundo que nos deixavam conhecer”, recordou Manuel Pereira, que estudava no Colégio de Lamego e hoje é presidente da Associação Nacional de Diretores Escolares (ANDE).

O professor da Universidade Lusófona António Teodoro, especialista em Educação, lembra que “grande parte das aulas não se realizaram e quando o ano letivo chegou ao fim não havia condições para realizar o exame de acesso ao ensino superior.

Deram-se então as passagens administrativas. Todos os que tinham terminado o 7.º ano estavam aptos a seguir para a universidade.

Marília Gomes estava precisamente no último ano do liceu. A aluna de quadro de excelência queria ser engenheira civil, mas a revolução deixou a sua vida académica em suspenso.

“Foi um período incrível de liberdade em que aprendemos muito. Discutia-se muito, debatia-se tudo”, contou à Lusa.

No entanto, quando chegou o outono de 1974, a situação de todos os que tinham terminado o secundário estava por definir. Marília acabou por não seguir logo para a Faculdade. Primeiro, teve de fazer o recém-criado Serviço Cívico Estudantil. A futura engenheira civil foi, durante um ano letivo, professora de educação física.

O serviço cívico funcionou apenas durante dois anos letivos - 1974/5 e 1975/6 – e fez com que cerca de 20 mil alunos desempenhassem inúmeras ações junto das populações ou instituições mais carenciadas.

O serviço cívico foi uma forma de os jovens “fortalecerem consciências e conhecerem o mundo real do trabalho”, mas também uma forma de arranjar tempo para conseguir dar resposta aos que queriam prosseguir os estudos, observou o professor universitário António Teodoro, em entrevista à Lusa.

Naquela época, havia apenas as universidades de Lisboa, Coimbra e Porto, já que as restantes previstas pelo ministro Veiga Simão ainda não tinham saído do papel.

“Vivia-se uma situação de explosão, porque as instituições não tinham capacidade para dar resposta à procura”, recordou o professor António Teodoro.

A solução foi colocar os jovens em missões como a alfabetização - um em cada quatro portugueses não sabia ler nem escrever – trabalhar no campo, nas fábricas ou nos serviços autárquicos, nas áreas da saúde, segurança social, ações culturais, desporto ou apoio às atividades escolares.

António Teodoro comparou o serviço cívico a “uma espécie do que é hoje o voluntariado”.

A ideia era aproximar a pequena elite que seguia para o ensino superior do povo. “Deram-me uma formação e, durante um ano, fui dar aulas de ginástica numa escola, com miúdos”, recordou Marília Gomes, que no ano seguinte entrou no pretendido curso de Engenharia Civil.

No ensino superior o ambiente também era de contestação, recordou Teotónio Gonçalves, que era assistente na Faculdade de Engenharia da Universidade de Coimbra.

“Havia plenários no Teatro Gil Vicente para demitir os professores ligados ao regime e, como os alunos eram maioria nesses plenários, acabavam por ser sempre eles que decidiam”, recordou bem-humorado.

Havia plenários de cada faculdade, plenários de cada departamento, assembleias magnas e reuniões gerais de alunos (RGA).

“Na emoção da revolução tudo era posto em casa, desde se deveria haver aulas a se deveria haver avaliação. Havia quem achasse que atribuir notas aos alunos era um tique do capitalismo e não interessava se um era melhor do que o outro. Havia muitos plenários e RGA e poucas aulas. A certa altura, nas pautas apareceu apenas apto e não apto. Os que tinham frequentado a faculdade estavam “aptos a passar de ano”, recordou.

O assistente acabou por deixar o ensino e começar a exercer engenheira eletrotécnica mas garante que, apesar de ter sido um período em que quase não havia aulas, “nunca se aprendeu tanto”.