Os primeiros sinais podem ser subtis. A criança parece embrenhada num diálogo consigo mesma ou em brincadeiras onde interage com o ar. Depois pode aparecer um nome nas conversas e há mesmo casos onde o novo companheiro se senta à mesa ou é transportado no carro da família.
A questão é que a única pessoa que o parece ver e conhecer é a criança. Trata-se do seu amigo invisível, ou imaginário, um dos grandes clássicos da infância.
Estudos da universidade norte-americana do Oregon demonstraram que, ao atingirem os sete anos, cerca de 40% das crianças tinham já- em dado momento – brincado com personagens existentes apenas na sua imaginação.
Essas personagens podem ser humanas, animais ou de espécie desconhecida. Algumas têm a idade da criança, mas também são frequentemente mais novas, mais velhas ou até adultas. E podem ser calmas e compreensivas, ou assertivas e desafiantes. Tudo depende do que fizer sentido numa determinada altura ou cenário.
As reações dos adultos variam. Há quem ignore e espere que passe, há quem ache graça e entre na brincadeira e há quem tema que a “convivência” com o amigo imaginário traga consequências indesejáveis, tais como afastar a criança do mundo real.
Criatividade em alta
Nada está mais longe da verdade. Uma criança que tenha a capacidade de transportar para a vida de todos os dias uma personagem tão completa – ainda que não real – demonstra que está cheia de criatividade e ferramentas sociais.
A sua imaginação é tão rica que consegue criar um companheiro que a ajuda a explorar o que se passa à sua volta, que a compreende na perfeição, que partilha as suas alegrias e tristezas e com quem pode desabafar na sua própria linguagem.
Pedagogos e especialistas em desenvolvimento infantil afirmam mesmo que quanto mais inteligente é uma criança mais sofisticadas são as caraterísticas destes amigos especiais que mais ninguém vê.
Muitos filhos únicos – ou enquanto não nascem irmãos mais novos – servem-se dos amigos imaginários para partilharem parte do dia-a-dia. O que não significa que os confundam com pessoas reais.
Os mesmos investigadores da Universidade de Oregon chegaram à conclusão que, muitas vezes, são as próprias crianças que revelam que o “amigo” vive apenas na sua cabeça e é por isso que mais ninguém consegue observá-lo. É uma relação de exclusividade, que conforta e dá poder à criança.
Mas as crianças têm a capacidade inata de fazerem amigos à medida que encontram outras crianças com quem partilham interesses ou afinidades. E não é pelo facto de terem em casa, à espera, o companheiro imaginário que vão isolar-se no exterior.
Pelo contrário, a tendência é, à medida que o tempo passa, os amigos reais tornarem-se tão importantes que o amigo imaginário entra na reforma. E, quando são mais velhas, muitas crianças nem sequer se recordam de alguma vez ele ter existido. Cumpriu o seu papel e desapareceu.
Amigo traquina
Um amigo imaginário também não faz juízos de valor e é o bode escapatório perfeito para as tropelias. E, desde que não se torne uma prática corrente, ajuda a criança a ir distinguindo conceitos, valores e comportamentos que são aceitáveis ou nem por isso.
Por exemplo, é possível que, perante o leite derramado no tapete ou os brinquedos espalhados no corredor ou na sala, a criança tente colocar a culpa no “amigo”. Num primeiro momento, talvez seja produtivo entrar no jogo, dizendo algo como: “ele portou-se mal, foi? Mas tu vais explicar-lhe que isto não se faz e ele não vai repetir, pois não?”. Com sorte, não haverá mesmo repetição. Pelo menos dessa traquinice.
Maria Cristina Rodrigues
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