Quando, aos 10 anos, o Diogo foi diagnosticado com a doença de Charcot-Marie-Tooth, uma doença neuromuscular degenerativa, o ruído surdo que se instalou nas nossas vidas foi tremendo e deixei de ouvir as gargalhadas esperançosas pelo amanhã. Lembro-me de no próprio dia ter ficado num certo estado catatónico e de nem digerir a palavra degenerativa no seu todo.

Naturalmente, a primeira fase de convívio com essa verdade não foi muito pacífica e a dor que se entranhou no nosso dia-a-dia foi intensa, mas a pouco e pouco tempo, e depois de digerir muita informação, reerguemo-nos e percebemos que a vida teria de continuar a ser vivida enquanto vida, a doença não podia ter o papel principal. E era a nós, pais, a quem cabia essa responsabilidade de aprender e ensinar a viver a vida integrando a doença, mas sempre pondo a vida em primeiro plano.

Decidimos que a vida do nosso filho tinha de ser preenchida com inúmeros momentos felizes e dar-lhe muitas memórias boas para que essas apazigúem os dias mais cinzentos que sabemos que irão chegar; dar-lhe a ele o acesso a toda a verdade que a ele lhe diz respeito, muita informação e lembrá-lo sempre que há imensa gente que o adora e que se desdobra em mil só para o ver sorrir.

Começámos por tirar fotografias divertidas durante os tratamentos para que o contacto com o ambiente hospital não ficasse marcado apenas pelo cheiro a éter mas acima de tudo pela alegria com que podemos viver tudo.

Entretanto, ouvimos falar da Make-A-Wish Foundation e lembro-me de ficar com os olhos em lágrimas, comovida por haver alguém que trabalha no seu dia-a-dia só para distribuir afeto, sorrisos e alegria – e como o poder da alegria e afeto pode ter um impacto transformador.

O Diogo tinha 12 anos quando preenchemos a candidatura à Make-A-Wish Portugal. Ele pediu um piano vertical. Era novembro de 2012.

O primeiro contacto foi através de duas voluntárias, a Cristina e a Gisele que nos cercaram de puro mimo, de atenção, disponibilidade e sem esquecerem nenhum membro da família. Perguntaram ao Diogo se não haveria ninguém que ele gostasse muito de conhecer, se não havia nenhum músico que ele admirasse – o Diogo estuda no Conservatório Nacional e integra a orquestra de jazz Big Band Júnior no Hot Club Portugal. Ele prontamente referiu que gostava muito de conhecer o Mário Laginha, um dos grandes pianistas de jazz que admira e que ouvia desde pequeno.

Alguns meses passaram-se mas sempre com a presença da Make-A-Wish por perto, fosse um email, uma mensagem ou um telefonema. Fez-se uma campanha de crowdfunding e logo aí começamos a receber uma enxurrada de mensagens calorosas para o Diogo, ainda o desejo não tinha sido realizado e já o carinho e a experiência se gravavam em nós.

No dia 15 de março de 2013, já estava combinada uma surpresa para o Diogo: “Vamos apenas almoçar fora para comemorarmos termos conseguido angariar o dinheiro para o teu piano, Diogo.” Lá fomos pela mão da Gisele ao tal almoço que não era num restaurante mas sim numa casa particular. E de repente, quando olhamos novamente vemos diante de nós o maravilhoso Mário Laginha e o seu sorriso aberto. Acho que as pernas do Diogo cederam por segundos. Não só nos recebeu em sua casa como nos ofereceu um ambiente acolhedor e despojado de formalidades e os dois, o Diogo e o Mário, puderam conversar do que mais gostam e o Diogo ainda passou os dedos pelo piano do Mário Laginha.

Ao chegar a casa o Diogo tinha já bem instalado o piano que tanto queria. A Make-A-Wish não se ficou por aí e ainda organizou, em conjunto com o Hot Club, um concerto com a participação especial do Mário Laginha que tocou a quatro mãos com o Diogo. Mais realizado era impossível e esta experiência contagiou-nos a todos, mas deu ao Diogo a certeza que a vida pode ser vivida com alegria com ou sem doença e que os sonhos podem ser alcançados com mais ou menos limitação. Hoje o Diogo é presidente (honoris causa) da sua própria associação, ajuda outros com a mesma condição e vive a plenamente a cada dia.

Susana Moura