Numa altura em que o seu filho descobre a vida, saiba como explicar-lhe a outra face desta moeda. A perda de um ente querido.

«Penso no céu, no que andará ela a fazer lá em cima e se um dia nos voltaremos a encontrar», refere Ema.

 

«Será que nessa altura eu serei velhinha e ela ainda uma menina? Entretanto, recordo-a muitas vezes e no seu dia de anos ou no Natal faço sempre algo especial em sua homenagem. Na última vez, escrevi-lhe uma carta, a contar o que acontecia por aqui, como ia a escola e deitei-a na lareira para que, em fumo, pudesse subir até ela. Espero que a tenha recebido», conta ainda.

Este é o relato de uma menina de treze anos que perdeu a melhor amiga, vítima de uma doença rara. Inevitável (e igualmente indesejável) o fim da vida é uma questão delicada e difícil de enfrentar.

Falar sobre isso ou, pior ainda, explicá-lo a uma criança é uma tarefa difícil para qualquer adulto. No entanto, convém não esquecer que mesmo os mais pequenos estão expostos a esta realidade, seja através da televisão seja com a perda de alguém querido. Há que saber lidar com ela, por isso, reunimos aqui alguns conselhos de especialistas para o ajudar a transmitir ao seu filho o que realmente importa, a beleza da vida!

O mundo e eu

Observar o que a rodeia é a primeira grande escola de uma criança. É através do que vê que ela cria os alicerces do seu universo, desde ter a noção do que é uma cor ou um objeto a compreender a amplitude de um sentimento ou de palavras como a felicidade.

Segundo Piaget, regra geral, até aos onze anos a criança tende a basear o seu conhecimento em factos concretos e experiências sendo para ela difícil compreender conceitos menos palpáveis. Mas isso não é motivo para julgar ela é demasiado pequena para perceber o que se passa e que não irá sofrer.

Na opinião de Lídia Weber, psicóloga, «essas afirmações desconsideram a criança. É como se ela não tivesse sentimentos ou não tivesse necessidade de compreender o que se passa à sua volta. Como pode a criança saber o que é a morte se ela nunca morreu e se os adultos à sua volta não sabem responder às suas perguntas?», interroga-se a especialista.

Emoções em miniatura

A forma como a criança vive e entende uma situação deste tipo varia de idade para idade. Cada criança é única e desenvolve-se a ritmos distintos, no entanto, existem comportamentos característicos da fase em que se encontra.

Por exemplo, estima-se que até aos três anos, a criança consegue apenas aperceber-se da presença ou ausência de alguém, pelo que as explicações não lhe fazem sentido.

Entre os quatro e os seis, a sua perceção baseia-se no concreto, daí que a criança pense que a pessoa vai regressar ou possa falar do assunto de forma despreocupada. Noções abstratas são incompreensíveis e a sua preocupação, na perda de um familiar próximo, é quem tratará dela.

Aos sete anos de idade, a criança tende a sentir receio da morte. Afirmam os especialistas que é a partir desta idade que ela percebe a morte como algo real, e começa a interessar-se pelo que ocorre depois. Entre os nove e os onze anos, o conceito de vida e morte torna-se mais próximo do que têm os adultos. Aqui a criança já percebe que apenas as pessoas, animais e plantas têm vida e começa a sentir empatia pelos sentimentos dos outros.

A perceção destas noções evolui gradualmente com a idade, contudo, a fantasia pode sempre entrar na história, pelo que não devemos esperar comportamentos de adulto antes dos onze ou treze anos. Os mais pequenos tem dificuldade em centrar-se nos sentimentos, daí que seja normal fazerem uma pergunta sobre a morte e no minuto seguinte brincarem alegremente.

Realidade virtual

Tal como nos desejos animados ou jogos de computador, a vida (e a morte) é vista muitas vezes como algo flexível, reversível até. A própria noção de vida difere muito com a idade. Até aos seis anos é frequente a criança atribuir o estatuto de vivo a tudo o que se move, desde as nuvens, a um brinquedo a pilhas ou até um peluche, durante a brincadeira.

Assim, mesmo depois de já lhe ter sido tido de determinada pessoa não regressará, é frequente a criança insistir em perguntar quando é que esta estará de volta. Esclarecer todas as questões é vital para permitir à criança assimilar esta noção tão complexa.

Como destaca Lídia Weber, é importante «explicar que ter várias vidas só é possível em desenhos infantis, jogos eletrónicos, contos de fadas e sonhos, mas que todas as pessoas morrem, os animais morrem, plantas morrem e não voltam, mas deixam seus descendentes que continuam o processo chamado vida».

Frente a frente

Muitos fatores podem influenciar a atitude como a criança encara a morte (a idade, proximidade à pessoa que faleceu, valores culturais ou religiosos) mas o modo como ela é tratada é determinante.

Pode ter um impacto na forma como se a criança relaciona com a família ou como lidará, no futuro, com a sensação de perda.

As crianças aprendem a lidar com a tristeza seguindo o exemplo dos adultos que a rodeiam, daí que fechar-se e guardar todas as emoções para si próprio não seja a opção mais indicada. Em vez de evitar que ela se assuste, como realça a psicóloga, «esconder sentimentos pode levá-la a interpretar a morte como um acontecimento sem muita importância».

Outra situação que pode acontecer, sobretudo em crianças até aos oito anos, é o sentimento de culpa pelo que aconteceu. Isto pode dever-se tanto às noções morais desta faixa etária (em que as más ações merecem castigo) ou à falta de compreensão sobre o que aconteceu.

Seguir o ritual

A decisão de levar uma criança a assistir a ritual fúnebre de um parente por exemplo depende essencialmente da maturidade criança e se esta manifesta vontade de o fazer. Antes de mais deve explicar de que se trata, no caso de uma missa por exemplo dizendo que é uma homenagem às pessoas que morreram.

Convém não esquecer que o atmosfera do local, assim como as reações das outras pessoas podem impressionar a criança, e que esta, consoante o seu nível de compreensão é muito provável que não tenha comportamentos de adulto. Na opinião de Lídia Weber, «uma criança muito pequena, abaixo dos cinco anos pode ir à missa, pois é um ritual de passagem que ela tem ainda pouca compreensão, mas sabe que a pessoa está a ir embora e não mais vai voltar. Assistir ao enterro propriamente dito pode ser assustador».

Amigos insubstituíveis

Na infância, uma das perdas mais prováveis que a criança poderá sofrer é a morte de um animal de estimação. Considerada por muitos um amigo pedagógico que familiariza a criança com o ciclo da vida, a mascote tem um valor inestimável. O cão ou o gato são amigos inseparáveis do seu filho por isso o seu desaparecimento deve ser tratado com tato.

«A perda de um bichinho de estimação é um facto muito relevante na vida de uma criança. É importante não subestimar este sentimento», afirma Lídia Weber.

 

«Os pais não devem esconder a morte do animal ou substituí-lo por outro sem ela saber, apenas para acabar com o sofrimento. A criança tem de ter um tempo de luto, pode até fazer um ritual como enterrar num jardim, por exemplo», refere ainda a especialista brasileira.

Mais tarde se a criança manifestar esse desejo, a aquisição de outro animal de estimação é algo positivo desde que se deixe claro que este é um novo amiguinho e que o anterior ocupará para sempre um lugar no seu coração.

Hora certa

Estar recetivo e manter a serenidade é o melhor caminho a seguir neste campo, como refere Lídia Weber, «não existe a melhor forma, nem o melhor momento. O importante é estar preparado para tiver de esclarecer (se ela pergunta ou se há um caso de morte real de um ente querido), evitando que ela fique com noções erradas a respeito de um acontecimento que faz parte da vida tanto quanto o nascimento.»

Dependendo do contexto religioso em que a criança vive, pode dizer que a pessoa foi para o céu. Outra explicação, aconselhada por especialistas, consiste em centrar-se em aspetos físicos, explicando que o coração deixou de bater, por exemplo. Contar uma história leva a criança a identificar com as personagens e pode
ajudá-la a compreender melhor a situação.

 

Mas o mais importante é o diálogo. E não se surpreenda se, por exemplo ao saber que avó morreu, ela se mostrar preocupada com quem a irá buscar à escola a partir de agora pois, como explica a psicóloga, «para a criança o que é concreto é a presença ou ausência dessa avó e o que fazia, não querendo dizer que a criança seja insensível».

 

Texto: Manuela Vasconcelos