O primeiro legado do mundo civil acompanhará o seu filho durante toda a vida, por isso, pense! Um dia ele irá agradecer-lhe por não lhe chamar Idalécio como o avô.

«Dagoberto anda cá à mãe!», «Jovelina vai fazer os trabalhos de casa!», «Mabilda e Severino o jantar está na mesa!».

 

Existem nomes (como estes) que podem representar um verdadeiro estigma para as crianças (e adultos) que os possuem. É que quando se trata de batizar um filho, a criatividade dos pais pode atingir níveis nunca antes vistos. As listas de vocábulos admitidos e não admitidos pela Direção-Geral dos Registos e do Notariado (DGRN) estão disponíveis online e são prova disso mesmo. 

Estas incluem todos os nomes solicitados pelos pais (à exceção daqueles que não suscitam dúvidas quanto à sua validade como Maria, José, António, Ana...) e podem ser muito úteis na hora de escolher um nome para um filho. Uma seleção dos melhores já a seguir.

Regras onomásticas

De acordo com a DGRN «os nomes próprios devem ser portugueses e admitidos pela onomástica portuguesa ou adaptados gráfica e foneticamente à língua portuguesa». Por exemplo, um pai não poderá batizar o seu filho com nomes como «Franklin», «Kevin» ou «Wilma», mas poderá optar pelas adaptações portuguesas: «Franclim», «Quévin» e «Vilma».

Os nomes exóticos só são autorizados quando pelo menos um dos pais possui nacionalidade estrangeira e desde que o vocábulo seja admitido nesse país. De acordo com a mesma entidade os nomes próprios «não devem suscitar dúvidas acerca do sexo». Daí se perceba por que é que vocábulos como «Acini», «Degues» ou «Mali» foram diretamente para a lista dos «Não Admitidos».

Diz-me como te chamas...

O que será que leva um pai a escolher para o seu filho nomes como «Bauduino», «Edla», «Ianco» ou «Ortelinda»? Não sabemos. A única coisa que garantimos é que estas graças foram solicitadas pelos interessados à Conservatória dos Registos Centrais e, tendo sido declinadas, passaram a integrar a lista de vocábulos não admitidos.

O rol de nomes proibidos está organizado por ordem alfabética e inclui pérolas de índole desportiva («Benfica», «Maradona»), de influência divina («Vénus», «Zeus», «Neptuno») e de cariz político («Fidel», «Guevara», «Lenine»). Por seu lado, a lista dos vocábulos admitidos constam vocábulos que revelam o mesmo tipo de inspirações: «Airton», «Querubim», «Adónis» e «Salazar».

Existem também conjuntos onomásticos que, pela sua notoriedade, foram admitidos como nomes próprios. Assim, uma criança poderá assinar «Luís Figo da Silva Oliveira» ou «Vasco da Gama dos Santos Reis». Outras combinações foram, contudo, recusadas, como é o caso de «Mona Lisa» e «Luís de Camões». 

E quem não gosta do nome?

Alcina Rosa, psicóloga clínica, nunca gostou do seu nome. «Estranhava o facto de não haver ninguém que se chamasse como eu e cresci com a expetativa de mudar», recorda.

Muitas vezes interrogava-se. «Com tantos nomes normais porque é que foram logo escolher este?», questiona. Herdou-o de uma avó que nunca conheceu e, por isso, direcionou a revolta para a tia, que o impôs, e para a mãe, que o autorizou.

 

Um dia ouviu na rádio uma ouvinte que se chamava Alcina como ela. «Dei pulos de contente. Afinal havia alguém com o mesmo nome, ele não era assim tão estranho». Aos poucos começou a ver que havia vantagens em ter um nome invulgar. «Quem conhecesse a Alcina conhecia-me a mim. Não havia mais ninguém. Aprendi a aceitar a diferença e até cultivei o gosto pelo que é diferente ou assimétrico. Talvez até por isso tenha seguido psicologia, uma opção pouco frequente naquela altura», conta.

Descubra as diferenças

Ao longo das listas da DGRN encontram-se vocábulos inacreditáveis, tanto no lado dos «Não Admitidos», como nos «Admitidos». É curioso verificar que se autorizam nomes como «Amora» e «Cereja», mas que outros como «Ginja», «Laranja», e «Romã» são proibidos. Na secção dos filósofos e escritores encontramos possibilidades como «Aristóteles», «Cícero», «Pitágoras» e «Dante» e outros que chumbaram como «Eça», «Verdi» e «Pascal».

Alguns diminutivos alcançaram o estatuto de nome como «Martinha», «Teresinha», «Joaninha» e também «Bia», «Xico» e «Tita». Alguns pais, porventura, inspirados na ficção deram lugar a crianças com nomes como «Aramis», «Cinderela», «Donaldo», «Fiona» e «Édipo».

Personagens como «Ruca» e «Sandokan» foram igualmente solicitadas pelos progenitores mas vetadas pelo organismo regulador. Os amantes da natureza podem escolher nomes como «Concha», «Flor», «Mar», «Sol». No entanto, quem preferir «Coral», «Luar» ou «primavera» terá porventura de emigrar. 

Em nome do filho

Gostos não se discutem e os nomes também não. A escolha de um vocábulo vai depender das preferências dos pais e também da personalidade dos autores. «Muitos dos nomes que as pessoas herdam dependem muito da permeabilidade que os pais têm às modas ou à forma como se deixam influenciar pelo futebol e pelas novelas. Na altura em que o homem chegou à lua, por exemplo, surgiram nos Estados Unidos muitos meninos chamados Apollo», conta Alcina Rosa. 

Vocábulos complicados, que não facilitam os diminutivos, que são fora do vulgar ou muito difíceis de dizer são mais suscetíveis a críticas por parte dos «proprietários». «Todas as crianças gostam de saber dizer o seu nome corretamente e que os outros o enunciem igualmente bem», explica a psicóloga clínica.

 

De qualquer forma, os pais não devem ficar muito preocupados se os filhos não apreciam o vocábulo eleito, porque isso é normal, como refere a especialista, «raramente, as pessoas gostam do seu nome em todo o período da vida. Isso não significa que mais tarde a criança não venha a identificar-se com o nome que os pais escolheram».

Texto: Vanda Oliveira