Tem os olhos do pai, o nariz da mãe e é, desde que nasceu, o encanto de toda a família. O seu filho. Único! Tão especial que nada nem ninguém se lhe pode comparar. Com o passar dos meses, ele vai crescendo bonito e saudável. Contudo, algo o distingue dos outros meninos. No infantário, prefere ficar no seu canto e, ao contrário, dos colegas ainda não pronunciou as primeiras palavras. As dúvidas acumulam-se e, uma vez no consultório do médico, transformam-se em suspeitas. Autismo!
Por que será ele diferente das outras crianças? Onde terão os pais falhado? Erros de educação ou falta de afeto? A dúvida instala-se. Estas são crenças que ainda rodeiam as perturbações do espetro do autismo, uma das mais complexas a nível do comportamento e desenvolvimento humano. Guiados pelo neuropediatra Nuno Lobo Antunes e por Teresa Brandão, consultora científica no CADin - Centro de Apoio ao Desenvolvimento Infantil, fomos tirar estas questões a limpo.
Entre connosco no mundo especial das crianças autistas e compreenda-as melhor. Estima-se que em todo o mundo, cerca de cinco em cada 10.000 crianças sofra de autismo, patologia que se traduz no défice cognitivo e perturbações comportamentais, de sociabilização e linguagem. Especialistas afirmam que resulta de uma perturbação do desenvolvimento do sistema nervoso que afeta o funcionamento cerebral a vários níveis e que ocorre ainda antes do nascimento.
O que dizem os novos estudos
Um estudo da Universidade de Cambridge, em Inglaterra, tornado público em fevereiro de 2018, associou vários genes a diferenças na anatomia cerebral das crianças autistas, confirmando uma teoria que outras investigações anteriores já tinham avançado. Os cientistas chegaram a essa conclusão depois de analisar as imagens das ressonâncias magnéticas do cérebro de um grupo de 150 autistas e de as comparar com as de crianças saudáveis.
A diversidade de diagnóstico, tanto pelas áreas afetadas como pela gravidade, justificam o nome que, por si só, já causa ansiedade. Perturbações do espetro do autismo! A sua origem é complexa. Parte da responsabilidade recai sobre os genes, mas pode estar igualmente associado a rubéola materna, doenças metabólicas ou a síndrome do X frágil, este último talvez uma das explicações para que quatro em cada cinco casos sejam do sexo masculino.
Ter já um filho com autismo aumenta a probabilidade, como refere Nuno Lobo Antunes, confirmando outras teses. "Cerca de três por cento, uma incidência semelhante à que se verifica nos gémeos falsos. Pelo contrário, nos gémeos verdadeiros a probabilidade de ambos serem autistas pode atingir os noventa por cento. É uma realidade complexa que não implica um gene mas um conjunto de genes", sublinha o especialista.
Afinal a culpa não é dos pais
Definitivamente abandonada está a ideia de que o autismo resulta da falta de carinho materno. Apesar de afetar o comportamento, a sua origem não está nas emoções, como exemplifica o especialista, confirmando a tese do estudo que a Universidade de Cambridge apresentou. "Não há nenhuma ligação definida entre aspectos emocionais na gravidez e o aparecimento do autismo. É o resultado de uma disfunção cerebral. Nasce-se autista", refere.
Na maioria das vezes, é apenas aos dois ou três anos que o autismo é detetado, pois "envolve dificuldades de sociabilização e comunicação e, antes de um ano de idade, esses aspetos ainda não estão suficientemente desenvolvidos", afirma o neuropediatra. Nalguns casos mais raros, a criança pode evoluir normalmente nos primeiros anos. Contudo, por norma, este período de desenvolvimento não excede o terceiro ano de vida.
Nos primeiros meses, as alterações podem ser muito subtis, como a falta de contacto ocular com a mãe ao mamar, uma postura demasiado rígida ao colo ou pouca recetividade ao contacto físico. Numa fase posterior, destaca-se a expressão facial ou comportamento fora de contexto. Outro dos sintomas é o pouco interesse ao que a rodeia em que, por exemplo, a criança não aponta. Não olha para onde a mãe está a olhar.
Não chora nem se defende quando lhe tiram um boneco da mão. Isolamento, dificuldade interagir com as pessoas, interesses restritos e acções repetitivas são outros indícios que colocam os pais em estado de alerta. Um dos principais sinais de alarme surge com a aquisição da linguagem que, nestas crianças, pode ocorrer onze meses mais tarde, sendo que cerca de nove por cento nunca chega realmente a falar.
O problema da linguagem
Muitas vezes, a linguagem pode limitar-se à vocalização, ao uso de poucas palavras, ao uso repetitivo ou inadequado de expressões e até à criação de um idioma próprio. Noutros casos, verifica-se uma regressão. A criança dizia algumas palavras e deixa de o fazer. A ausência de comportamentos de imitação, uma peça-chave no desenvolvimento infantil, torna a aprendizagem mais difícil, como sublinham muitos especialistas.
Um dos trunfos a usar é a memória visual, tendencialmente mais apurada do que a auditiva. Ao ilustrar as palavras com imagens ou desenhos a criança obtém pistas visuais que o ajudam a concentrar-se e a reter a informação. Perguntas do tipo "O que é isto?" ou "O que é que fizeste aqui?" são de evitar pois, como alertam muitos dos profissionais que diariamente lidam com o problema, funcionam como fonte de ansiedade.
Manual de etiqueta para lidar com o autismo
As brincadeiras faz de conta ou jogos de grupo típicos da infância não despertam interesse nestas crianças. Por vezes, a fraca resposta a estímulos externos leva os pais a pensar que se trata de surdez. Algumas parecem imunes à voz mas têm sensibilidade extrema a sons comuns como o do telefone, outras possuem um limiar à dor elevado. A perceção sensorial varia caso a caso.
Com uma capacidade cognitiva, por regra, reduzida (calcula-se que cerca de setenta e cinco por cento sofra de atraso mental), as crianças autistas possuem por vezes aptidões fora do comum, como a memória. Além disso, o autismo caracteriza-se por comportamentos desajustados e repetitivos e pela tendência em seguir rotinas rígidas, o que leva as crianças a sentirem-se perturbadas se há uma alteração no seu ambiente, como uma simples mudança de lugar à mesa.
Organizar um horário em que a sequência de atividades diárias da criança está representada com uma figura (por exemplo levantar, tomar banho e vestir) ajuda-a a estruturar a sua rotina e a saber que comportamento é esperado em cada situação. Como alertam muitos especialistas, nacionais e internacionais, as rotinas são fundamentais para estas crianças, pelo que não devem ser constantemente alteradas.
O que fazer no médico
Uma intervenção precoce só é possível graças a um diagnóstico precoce. Fazer o acompanhamento médico da criança e alertar o pediatra caso exista uma perturbação de comportamento, comunicação ou sociabilização permitem identificar o problema e encaminhá-la para uma consulta especializada. Visto muitas das alterações comportamentais serem pouco visíveis em termos biológicos ou na estrutura cerebral, o diagnóstico é essencialmente clínico.
Na maioria das vezes, é baseado na observação e avaliação de comportamentos. Uma vez identificadas as áreas em que a criança apresenta deficiência é elaborado um plano de intervenção específico, com base em terapias comportamentais. Embora existam fármacos para combater alguns sintomas associados a esta patologia, como a ansiedade ou a falta de concentração, as soluções clínicas continuam a ser escassas.
São muitos os especialistas que o confirmam. "Não existem medicamentos, nem vitaminas, que curem o autismo ou que melhorem a capacidade de sociabilização e empatia", sublinha o neuropediatra português. "Portanto, são utilizadas técnicas comportamentais para tentar minorar e melhorar o comportamento das crianças com perturbações do espectro autista", afirma ainda Nuno Lobo Antunes, habituado a lidar com o problema.
A necessidade de educação especial
A especificidade de cada caso, obriga a um plano de ação individual e com as técnicas adequadas, é possível desenvolver capacidades, nomeadamente em termos de comportamento, linguagem, interação social. Embora se estime que apenas cerca de um terço dos casos de autismo atinja um certo grau de independência,
verificam-se progressos na fase escolar, sobretudo no funcionamento social.
Frequentar uma escola comum revela-se importante, pois permite o contacto com outras crianças e a integração social. A par com a ajuda especializada, os pais têm um papel determinante, tanto pela forma como encaram a disfunção como pelas estratégias que usam para lidar com isso. Convém lembrar que, apesar de não estar na origem do problema, o meio envolvente pode ajudá-la a progredir.
Por isso, fomentar o contacto regular com outras crianças, estimular a aprendizagem pelo jogo, pela música ou com recurso ao objeto favorito, criar situações em que a criança tem de tomar iniciativa e, sobretudo, estar atento às suas reações, gostos e necessidades, são, como sublinham muitos neuropediatras, gestos importantes. Tudo para que o seu filho se sinta parte do seu mundo que, infelizmente, é muito diferente do dele.
Texto: Manuela Vasconcelos com Luis Batista Gonçalves (edição digital)
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