Investigações recentes e especialistas confirmam que ambientes excessivamente esterilizados podem aumentar a propensão para desenvolver alergias. Será que está a educar bem o sistema imunológico do seu filho? Ao proteger o seu filho dos supostos perigos do ambiente, poderá estar a impedir o adequado desenvolvimento do seu sistema imunológico. São vários os estudos e os especialistas que o comprovam. Uma investigação recente apresentada no Congresso Internacional da European Respiratory Society concluiu que as bactérias presentes na pele e no pelo de animais podem proteger a criança de alergias no futuro.
O estudo, realizado em Munique na Alemanha e divulgado pelo jornal britânico The Independent, analisou durante dez anos 2.441 crianças saudáveis e constatou que as crianças que dormiam sobre uma pele de animal, durante os seus primeiros três meses de vida, tinham menos 79 por cento de probabilidade de desenvolver asma, comparativamente com as crianças que não foram expostas à pele de animal. De acordo com os investigadores, os micróbios presentes numa pele de animal são os mesmos que se encontram nas zonas rurais.
Em investigações anteriores, já provaram serem eficazes na proteção contra a asma. Mas, afinal, que efeito têm estas bactérias no sistema imunológico de uma criança? Entrevistámos dois especialistas, uma pediatra e um imunoalergologista, que explicam o mecanismo que está por detrás desta aparente relação incoerente. Veja o que (não) deve fazer para proteger o seu filho.
Exposição precoce
«Várias investigações têm demonstrado a existência de um efeito protetor de um estilo de vida mais tradicional, com residência em meio rural e convivência com animais de estábulo, na expressão da doença asmática na criança», confirma Mário Morais de Almeida, imunoalergologista. Contudo, o momento em que ocorre esta exposição também importa. Há estudos que vão mais longe e que sugerem que a exposição precoce a determinadas bactérias favorece mais ainda este efeito protetor.
«Este efeito protetor ocorre essencialmente nas crianças expostas a animais de estábulo em idade precoce, ou seja no primeiro ano de vida. Mas, de acordo com os estudos realizados, este efeito é ainda maior quando as mães trabalham diariamente na quinta durante a gestação, pelo que a exposição pré-natal poderá ser um fator importante», alerta o especialista. Endotoxinas é, de acordo com os autores dos estudos citados por este imunoalergologista, o nome dos produtos bacterianos que desencadeiam este efeito protetor contra a asma.
Higiene adequada ou excessiva?
Outras investigações têm mostrado que há um aumento das alergias, nomeadamente da asma, rinite, eczema ou alergia alimentar, nos países industrializados e em classes sociais altas, onde há uma tendência a exagero da higiene e esterilização do ambiente e a uso de alimentos muito processados e pasteurizados. «Quanto mais estéril é o ambiente, maior é a incidência de alergias, como se o sistema imunitário cometesse um erro na interpretação e reconhecesse como nocivo vários elementos normais no ambiente», explica Mónica Pinto, pediatra. Esterilizar demasiado o ambiente é, aliás, de acordo com ambos os especialistas, um dos erros mais comuns cometidos pelos pais.
A pediatra alerta ainda para outros erros que deve evitar. «É frequente vermos bebés tapados com uma fralda, como que tentando filtrar o ar e proteger do vento, ou não os deixarem gatinhar livremente e manterem sempre em espreguiçadeiras, que lhes limitam os movimentos e os impedem de contactar com o exterior. Também a tendência de lavar demasiado os brinquedos e objetos está errada. É normal que a criança leve a areia à boca ou coma papel. Nada disso resultará num dano terrível e pode ajudar a fortalecer o seu sistema imunitário», elucida a especialista.
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As bactérias que são amigas das crianças
De acordo com os especialistas, é importante a defesa da criança em relação a tóxicos ou bactérias perigosas, mas é igualmente importante que a criança contacte com o ambiente e com bactérias menos perigosas. Mónica Pinto explica que «expor a criança a estas bactérias permite educar o sistema imunitário, nomeadamente do sistema digestivo, em que as bactérias têm um papel importante e regulador. Mário Morais de Almeida faz o mesmo alerta. «A criança deve contactar e conviver com as bactérias que ajudam à maturação e aprendizagem do sistema imunitário», defende.
«Consequentemente, essas bactérias protegem a criança contra agentes/microrganismos patogénicos, sejam eles bactérias, vírus ou parasitas», acrescenta ainda. A explicação para este fenómeno aparentemente antagónico, está na «memória imunitária» desenvolvida pelo organismo. «Esta exposição ajuda a regular e fortalecer o sistema imunitário, ajudando a estabelecer uma memória imunitária e ajudando o organismo a lidar com o ambiente e a selecionar os estímulos nocivos, contra os quais deve desencadear a resposta imunitária», explica Mónica Pinto.
A especialista alerta ainda que «a higiene normal é benéfica, mas higiene é diferente de esterilizar o ambiente. A criança deve estar lavada, mas deve contactar com o ambiente normal, incluindo as poeiras, pelos, bactérias e substâncias que a envolvem. Se a criança não reconhece estas substâncias como normais, acaba por desenvolver uma reacção imune exagerada mais tarde, ou seja uma reação alérgica».
4 hábitos que protegem o sistema imunitário
Os cuidados que protegem o seu filho sem alterar a sua resposta imunológica:
1. Mantenha uma boa higiene diária (banho diário, lavagem das mãos, da cara e dos dentes, por exemplo), mas sem exageros e deixe a criança contactar com o ambiente. A criança deve andar destapada, deve poder explorar o ambiente, andar e gatinhar pelo chão, mexer em animais, plantas e objetos.
2. Promova o contacto com a natureza. É importante voltar a pisar a terra. Frequentar jardins e brincar com animais devem ser atividades e hábitos a manter, de acordo com a realidade social e possibilidades de cada família.
3. Prefira o aleitamento materno e a dieta mediterrânica e, se possível, evite o parto por cesariana. Vários estudos comprovam que estes são cuidados essenciais na prevenção de infeções.
4. Evite o uso de antibióticos. A maioria das infeções, nomeadamente as respiratórias, frequentes nesta época do ano, são de origem viral, nas quais não existe indicação para o uso de antibióticos. Geralmente, o controlo da febre e a hidratação adequada são suficientes. Se estiver indicado um tratamento antibiótico, este deverá ser feito com medicamentos tão selectivos quanto possível, adaptados a cada caso, evitando o uso de antibióticos de largo espetro. Converse com o médico de família ou pediatra.
Texto: Sofia Cardoso
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