Entre os vários tipos de lesão a que o ser humano está exposto ao longo da vida, as queimaduras encontram-se no topo dessa lista como uma das mais vulgares e perigosas e as crianças são um alvo fácil devido à sua curiosidade e tendência para explorar o meio que as rodeia. Líquidos, chamas, vapores, velas, azeite, chá, uma frigideira quente, um prato a escaldar, um fósforo aceso… Tanta e tanta coisa!

E a consequência, para lá da queimadura direta, pode ser ainda um incêndio, o fumo, o fogo, a asfixia. Por outro lado, as queimaduras são as lesões que mais dor e sofrimento provocam, com internamentos médios muito superiores aos dos outros acidentes e com necessidade frequente de múltiplas intervenções, cirúrgicas e outras, prolongadas e custosas, para lá das sequelas e das cicatrizes que deixam, podendo mesmo, em casos extremos, causar a morte.

A gravidade das lesões

As queimaduras são ferimentos muito graves, porque causam extensa e profunda destruição dos tecidos. Além de poderem colocar em causa a vida e provocarem dor intensa, deixam sequelas que, frequentemente, exigem múltiplas intervenções cirúrgicas e internamentos. As sequelas físicas são causa frequente de problemas psicológicos graves.

Em muitos casos, podem afetar a autoestima e ter consequências a médio e longo prazo na integração na escola e no mercado de trabalho. Para além da ação do calor, muitas vezes há libertação de gases e fumos que podem causar intoxicações e lesões gravíssimas das vias aéreas. A maioria das vítimas de incêndios morre devido a problemas respiratórios e não pelo fogo em si.

As queimaduras do inverno

Com o frio, é natural acenderem-se braseiras, lareiras e aquecedores. Infelizmente, muitos deles ficam desprotegidos, à mercê das crianças, que, especialmente nos dias de maior reboliço em casa, e com mais gente e confusão podem queimar-se. Um gesto muito comum nessa altura do ano é pôr-se roupa a secar em cima de aquecedores.

Mas não nos esqueçamos de que a maioria dos tecidos é inflamável, podendo incendiar-se facilmente, ao provocar o sobreaquecimento dos aparelhos por o atabafarem. O mesmo acontece com as saias das camilhas com braseira. A existência de alcatifas, papéis velhos e outros materiais altamente combustíveis leva a que o fogo se propague muito rapidamente.

A cozinha é um local particularmente perigoso, especialmente em épocas festivas, pela concentração de pessoas, de líquidos e alimentos quentes e ferventes, havendo menor vigilância das crianças, que, não podendo brincar fora de casa por causa do frio e da chuva, e atraídas pelo ambiente que acompanha a atividade de cozinhar, pelos doces e pela presença de membros da família, irrompem pela cozinha dentro, expondo-se mais ao perigo.

Este problema ainda é maior quando a cozinha está cheia de obstáculos, como é o caso de bancos, cadeiras ou sacos, por exemplo, nos quais o adulto ou a criança podem tropeçar, entornando os líquidos.

Veja na página seguinte: O problema dos líquidos quentes

Cuidado com os líquidos quentes

A maioria dos casos de internamento na sequência de queimaduras pediátricas resulta do contacto com líquidos quentes. Entre os principais focos desta causa de queimadura, encontram-se as panelas que se equilibram mal no fogão ou que são transportadas para a mesa e apanham, nesse movimento, uma criança.

Sopa, café ou chá que estão em chávenas a que a criança tem acesso, entornando ou carregando no pires e fazendo com que o objeto se volte por cima de si, designadamente para a sua face. A lista inclui ainda água demasiado quente na torneira (geralmente, quando está próxima do esquentador), água a ferver, biberões ou papas aquecidos em micro-ondas (se não houver o cuidado de mexer ou agitar e verificar a temperatura final).

Ocorrem também queimaduras do banho quando, na ausência de misturadora, a mãe ou o pai deitam água a ferver para uma tina e, enquanto vão buscar a água fria para temperar, a criança salta para dentro da tina.

Outros focos de perigo

Para além dos líquidos quentes, na lista de potenciais causas de queimaduras encontram-se as lareiras e braseiras, churrascos (ativados pelo álcool, um gesto facilmente imitado por crianças, ansiosas por ajudar os pais), aparelhos a gás (utilizados no campismo) e brincadeiras com fósforos e isqueiros. As crianças também devem ser impedidas de contactar com objetos cuja temperatura pode aumentar.

É o caso de placas de fogão, portas de forno, lareiras com recuperador de calor e placa, radiadores, ferros eléctricos e escapes de automóveis, por exemplo. Tenha cuidado, também, com objetos de eletricidade (como tomadas desprotegidas, fichas sobreaquecidas por excesso de ligações ou fios elétricos degradados), assim como produtos químicos de uso doméstico e pilhas elétricas pois também podem provocar queimaduras.

Roupas inflamáveis

As roupas das crianças feitas de nylon ou outras fibras sintéticas podem inflamar-se facilmente. Ardem, derretem e colam-se à pele num instante, agravando as lesões. Os cuidados devem ser redobrados com os fatos e cabeleiras de Carnaval. Não são raros os casos em que, largos e soltos, estes se incendeiam. Enquanto a criança brinca, rodopia ou dança, pode tocar num aquecedor ou lareira.

Se a roupa se inflamar, deve-se retirar a peça logo que possível, mas ter em atenção que o que ficou preso à pele (como algumas fibras sintéticas que derretem) só deverá ser retirado no serviço de urgência, para impedir que os tecidos humanos sejam também arrancados.

Veja na página seguinte: O que fazer em caso de queimadura

O que fazer em caso de queimadura:

- Aplique água fria a correr durante 10 minutos

É a melhor maneira de diminuir a temperatura local e impedir que continue a ação do calor na pele e nos tecidos corporais (dez minutos debaixo da torneira pode limitar muito a profundidade da queimadura). Não use manteiga ou outras gorduras pois aceleraram o processo de combustão e aumentam a temperatura e a dissolução dos tecidos corporais.

- Use gaze e vá às urgências

Convém proteger a pele queimada com gaze normal e levar a criança a um serviço de urgência. Algumas queimaduras causam bolhas (tecnicamente chamadas flitenas) que protegem os tecidos mais profundos. Não deverão ser retiradas, a não ser pelos profissionais de saúde.

- Administre um analgésico

As queimaduras causam dor, pelo que a toma de um analgésico pode ajudar (paracetamol ou ibuprofeno). Em casos mais graves, poderá ser necessário um analgésico mais forte, mas apenas com indicação médica. Em caso de dúvida, ligue para a Linha saúde 24, acessível através do número 808 242 424.

Texto: Carlos Eugénio Augusto com revisão científica de Mário Cordeiro (médico pediatra)