Apenas vinte e cinco por cento dos pais admitem que os seus filhos têm um problema de peso.

Foi esta a conclusão de um estudo britânico realizado num grupo de crianças obesas.

Sinal de distracção, ternura ou de um facto cada vez mais comum? Estima-se que, na Europa uma em cada cinco crianças tenha excesso de peso. Portugal, tal como outros países do sul europeu lidera esta tendência assustadora que reflecte os hábitos alimentares e ritmos de vida da actualidade.

Dados relativos à faixa etária dos sete aos onze anos indicam que, no nosso país, o sobrepeso e a obesidade afectam cerca de trinta e três por cento das raparigas e vinte e seis por cento dos rapazes. Mais do que uma questão estética, esta é uma séria ameaça à saúde e qualidade de vida das crianças. Pela mão de Carla Rego, pediatra e especialista em nutrição infantil, entre no mundo complexo da alimentação e aprenda a mostrar ao seu filho o caminho certo para uma vida em pleno.

Futuro em cheque

Fruto de uma dieta desequilibrada e vida sedentária, o excesso de peso surge associado a outras patologias graves. Como ilustra Carla Rego, «a obesidade acarreta uma série de doenças, como a diabetes tipo 2, hipertensão, colesterol, que eram sobretudo associadas à idade adulta mas começam agora a surgir em idade pediátrica.»

Paralelamente aos efeitos físicos, está o impacto psicológico. Na infância, o primeiro choque dá-se na escola, quando a criança é confrontada pelos colegas. Nesta fase, ela estrutura a sua imagem e após os nove anos, sobretudo no sexo feminino, consciencializa-se do problema. «Aí começa a não gostar da sua própria imagem, a perder a auto-estima», alerta a pediatra.

Super pais

Os responsáveis pelo problema são... os pais! «Eles é que têm as opções todas, eles é que educam. Têm de fazer a escolha do que dão aos filhos e também de assumir as consequências», afirma a pediatra. Sustos à parte, está na hora de passar à prática.

O primeiro passo passa por adoptar um estilo de vida saudável. Segundo, é preciso definir definir as compras como um assunto de gente grande, no qual a criança não participa, nem na ida ao supermercado.

E, terceiro passo, insistir na atividade física. «Duas vezes por semana é excelente, mas tudo o que vier a mais vem por bem», realça.

«Não é preciso recear o excesso de atividade física porque, caracteristicamente, as crianças brincam o tempo todo e em velocidade. A regra é ela gostar do que faz», aconselha ainda.

De pequenino...

O alimento inicial do bebé, o leite materno tem um efeito protetor e deve manter-se nos primeiros seis meses. Segundo Carla Rego, a diversificação da alimentação deve ocorrer o mais tarde possível.

«Hoje em dia preconiza-se que a primeira refeição à colher seja apenas entre o quinto e o sexto mês de vida». Com apoio médico, a dieta varia gradualmente, sem problemas. A prova de fogo é aos doze meses, quando os mais pequenos passam a comer com os crescidos.

Aqui, como refere a pediatra, «oferecer tudo à criança é um erro crasso. Entre o primeiro e o terceiro ano de vida é a fase em que a educamos em termos de controlo, por exemplo da fralda ou comportamento social. É uma fase extremamente sensível e vulnerável em que se educam os hábitos.» Sendo as crianças, tal como nós, seres de hábitos é a hora ideal para definir regras.

Menu da casa

Legumes e fruta são vitais na dieta, mas há lugar para umas asneiras de vez em quando. «Na alimentação há espaço para tudo. Esta deve ser equilibrada de segunda a sábado e ao domingo, que é o dia dedicado à família, há espaço para comer as coisas que não têm interesse mas sabem bem», sugere a especialista, realçando que as exceções são de evitar até aos dois anos.

Incluir sopa na refeição garante a ingestão adequada de «verdes», mas a sua presença não acaba aqui. «No segundo prato deve-se ter atenção à quantidade de carne ou peixe e deixar lugar para os legumes. Se as crianças se habituarem a ver o arroz com bolinhas verdes (ervilhas) acabam por ingerir mais vegetais», exemplifica.

A bebida de eleição é a água e quanto à fruta, pode ser consumida após ou entre as refeições, desde que preencha a quota mínima, duas peças por dia. Ao jantar o destaque recai na sopa, pois como a hora de dormir se aproxima não é necessário de grande ingestão de calorias.

Leite e companhia

De manhã ou ao lanche, o pão e o leite (ou iogurte) são os protagonistas.

Os cereais devem ser a exceção e não a regra, pelo elevado teor de açúcar e valor calórico.

O pão, de preferência fresco e de mistura, é o alimento completo e para recheá-lo «compota, marmelada ou queijo (exceto fundido)», sugere a especialista, acrescentando que «a manteiga está no grupo das gorduras e que o fiambre tem um elevado teor de gordura».

Bolachas ou pão empacotado são pouco indicados devido aos conservantes que os mantém frescos mais tempo. O leite, vital para a formação de massa óssea, não pode ser esquecido. Como alternativa está o queijo (com maior teor de gordura), e o iogurte, dando-se preferência ao iogurte propriamente dito e não variantes concentradas que se estima incluírem um maior valor calórico.

Outros mimos

Um dos erros alimentares mais comuns tem origem no carinho. O doce é oferecido como recompensa ou sinal de afeto. Alterar este hábito é urgente e existem alternativas inteligentes. «Nas festas de anos, em vez de levar os pacotinhos de gomas e chocolates as mães podem dar um carrinho, um gancho ou caixa de lápis. Algo que seja instrutivo e saudável», insiste Carla Rego.

Os refrigerantes lideram a lista negra e isto não se deve apenas ao açúcar, «o fosfato do gás compete com o cálcio da alimentação e frena a formação de massa óssea. Se possível, devem ser evitados na idade de crescimento», afirma. Apesar dos corantes e açúcar, os sumos podem ser bebidos a título excecional.

«Ao fazer exercício as crianças usam as reservas de glicogénio do músculo e como estão a crescer precisam de repô-las rapidamente. Beber um néctar ou sumo não gaseificado vai repor o açúcar», explica. Quanto à fast food, a regra é bom senso. Se é verdade que, pontualmente, um hambúrguer simples no pão não tem mal também é certo que por rotina não traz benefícios.

Na balança

Os hábitos são cruciais, mas a herança biológica não pode ser esquecida. Sabe-se que há pessoas mais poupadas, ou seja, com predisposição para armazenar gordura. E este facto exige uma atenção redobrada. Enquanto que nos adultos o excesso de peso é calculado pelo índice de massa corporal, a razão entre o peso e o quadrado da altura, na infância é mais complexo.

Segundo Carla Rego, «há três parâmetros que definem o crescimento saudável. O peso, o comprimento e o perímetro cefálico».

Estes devem ser analisados integradamente e nunca de forma isolada», sublinha.

Visitas regulares ao pediatra permitem acompanhar a evolução da criança, que se divide em três momentos de risco. Até aos dois anos, entre os cinco e os sete anos e a partir dos onze.

Estado de alerta

O crescimento não é linear. No primeiro ano é mais intenso e, a partir daí, diminui, atingindo o ponto mais baixo aos cinco ou seis anos. «As necessidades nutricionais são menores, por isso, as crianças a partir do primeiro ou segundo ano de vida têm menos apetite», explica.

É algo natural, pelo que insistir na comida não é indicado. Após os sete anos a curva de crescimento começa a subir para preparar o organismo para a puberdade, entre os onze e treze anos. O acompanhamento médico é vital para intervir precocemente.

De acordo com a pediatra, «o aumento rápido de peso ou desajuste em relação à estatura são sinais de alerta. Ao intervir de forma eficaz ela tem toda a infância para repor o estado nutricional e se na puberdade estiver normal acabou o risco de obesidade.» Se o problema se mantém nesta fase torna-se mais complexo devido à ação das hormonas e alterações corporais.

Apetite gota a gota

Em paralelo ao estilo de vida saudável, em caso de obesidade, segue-se um plano multidisciplinar com apoio de pediatra, psicólogo, nutricionista e dos pais, claro está. A abordagem varia com a idade, como refere Carla Rego. «Até aos sete anos, a criança não tem capacidade de racionalizar», alerta.

«Nunca se deve passar a mensagem de que é gorda, diferente ou não pode comer. É preciso negociar com os pais para mudar a estratégia familiar sem a perceção da própria criança», acrescenta ainda. Esquecer-se de comprar certos alimentos é uma técnica usada pelos pais.

Entre os sete e os onze anos, visto já ter alguma autonomia, a criança é envolvida no processo e, com os pais, tenta compreender o que deve ser feito. Após os onze anos, deve-se agir diretamente com o jovem e levá-lo a assumir a própria mudança.

Texto: Manuela Vasconcelos