Karlton Terry é educador pré e perinatal, responsável pelo Consulate Healing Center, centro naturopata e holístico situado em Denver, nos Estados Unidos da América.
Além do seu trabalho para ajudar adultos a transformar as suas vidas através do acesso a experiências pré e perinatais, Karlton desenvolveu e ensina uma abordagem profunda e única de trabalhar diretamente com os bebés e suas famílias.
É membro da Sociedade Internacional de Psicologia e Medicina Pré-natal e Perinatal e membro da Associação de Psicologia Pré e Perinatal e Saúde.
Juntamente com Kathryn Kier fundou o Instituto de Educação Pré e Perinatal.
O que é um bebé?
Um bebé é um novo ser humano, cuja vida começou cerca de nove meses antes do seu nascimento. Tem um corpo que irá aprender a usar, um cérebro que está muito ocupado a adaptar-se ao seu novo mundo fora do útero, tem emoções tais como medo, tristeza, raiva e felicidade, e tem ainda certas tendências – uma personalidade que aguarda por emergir. De formas subtis, é diferente de qualquer outro bebé, e é nossa tarefa, enquanto pais que os amam e profissionais que trabalham com bebés, tornarmo-nos mais capazes de observar os nossos bebés de modo a ver quem eles são.
Quando podemos determinar melhor aquilo que cada bebé necessita especificamente, normalmente é bastante fácil colmatar essa necessidade e, ao fazê-lo, estamos a apoiá-lo a tornar-se mais poderoso: mais independente, mais afetivo, mais criativo e mais expressivo. As abordagens da escola convencional tendem a negar aos bebés o que eles necessitam (alimentá-los em função de um horário em vez da sua fome, tentar calá-los quanto eles precisam de chorar, tentar colocá-los numa rotina ou calendário que está em conflito com o seu próprio ritmo interno) e fazem-nos conformar-se com estruturas sociais adultas que frustram os bebés e criam uma exasperação expressa através de choro e birras.
Quando um bebé é compreendido e é-lhe dado o que ele necessita, na verdade chora menos, está mais satisfeito, menos exigente e menos instável, pois sabe que é amado e que terá aquilo de que necessita. Estes bebés são muito mais pacientes que os bebés que se tornam desesperados devido à negligência ou negação dos seus verdadeiros sentimentos e necessidades.
A criança é uma não entidade até mesmo antes de nascer?
Nenhuma criança é uma não entidade. Mesmo antes de nascer, cada bebé é um ser humano completo, de pleno direito.
Isto é fácil de compreender se passarmos algum tempo com um bebé que nasceu prematuramente devido a alguma emergência de saúde. Por exemplo, um bebé que nasce (ou que é retirado do útero) aos oito meses de gravidez terá a sua própria personalidade; uma personalidade diferente da da sua mãe e de qualquer outro bebé. É um ser humano completo, com sentimentos e respostas ao seu ambiente. Ele reage ao mundo. Pode ver, experienciar e até mesmo sorrir e chuchar. Apenas porque um bebé está no interior do útero, e não pode ser visto e observado, não significa que não é um ser humano autêntico.
Naturalmente, cada feto é influenciado pelas matrizes e impressões da sua mãe. Um bebé que está a ser gerado numa mãe que sente, por exemplo, ansiedade, depressão ou compulsões, terá que encontrar uma maneira de suportar esse ambiente. Os bebés são diretamente afetados pelas hormonas e pelos neuropeptídeos gerados pelo estado emocional da mãe. Eles percecionam o estado emocional da mãe do mesmo modo que qualquer outra pessoa, o pai ou um amigo, ao observar e experienciar as acções e expressões da mãe com os seus órgãos sensoriais (em especial a audição).
Contudo, eles também compreendem este estado porque as hormonas e neuropeptídeos associados ao estado da mãe são expressos bioquimicamente no corpo da mãe e transportados no seu sangue, através da placenta, diretamente para o interior do corpo do bebé. Assim, o bebé tem de lidar com estes aspetos do estado emocional da mãe no interior do seu próprio corpo também. Mas os fetos reagem de formas diferentes às hormonas de stress e aos neuropeptídeos.
Usemos a emoção da raiva como exemplo. Um bebé nascido de uma mãe que esteve zangada durante toda a gravidez conhecerá a raiva. Mas poderá não ser, necessariamente, um bebé zangado. Poderá estar zangado ou, por outro lado, poderá ter-se adaptado ao campo de raiva, que esteve presente ao longo da sua vida gestacional, tornando-se dócil, defensivo, ou fortemente independente.
Um comportamento adaptativo único é a assinatura de cada bebé, e começa antes do nascimento. Porque nós somos seres humanos e porque desenvolvemos estes grandes cérebros humanos, somos mais diversos e criativos do que as outras criaturas no mundo. A raiva não tem um fluxo simples e constante que flui com o mesmo sabor, com a mesma proporção e ao mesmo tempo, continuamente. Existem diferentes tipos de raiva com diferentes intensidades em momentos diferentes e, assim, o feto tem que negociar com o estado bioquímico psico-emocional da mãe, baseado num fluxo vital que, provavelmente, apresenta certos padrões que são conhecidos e que podem até ser antecipados.
Há uma relação entre as personalidades pré e pós-natais?
Sim. Os padrões de comportamento rudimentares são desenvolvidos antes do nascimento. A maioria dos nossos comportamentos fundamentais inicia-se no útero. A forma como comemos, como respiramos (isto é, padrões umbilicais de absorção e excreção), o nível basal do metabolismo, questões sobre sobrevivência, intimidade, saúde e relacionamentos, tudo se inicia no útero. Os comportamentos resultantes subjazem e influenciam todos os nossos outros comportamentos.
Depois de nove meses no útero e conhecer a mãe por dentro e por for a (literalmente), estará a criança impregnada com as características físicas, mentais e emocionais da mãe? Como é que isto afeta a criança?
Para além de ser um ser único, cada bebé teve de lidar com as características mentais e emocionais da mãe à sua própria maneira, como expliquei anteriormente. Não importa o quão independente e forte o bebé tenha sido, ainda assim terá consequências advindas do período pré-natal.
Por exemplo, eu trabalhei com adultos que sofreram uma inibição emocional semiconsciente, como medo ou ansiedade que não conseguiam explicar, sem causa aparente na sua vida quotidiana. Usemos o medo como exemplo, uma vez que é um sentimento básico e bem conhecido. Através de processos de regressão terapêutica, frequentemente torna-se claro que certas tendências de medo que vivem no paciente, na verdade pertencem à sua mãe.
Um paciente explicou, «Eu andei a carregar o medo da minha mãe no meu coração durante toda a minha vida e isso manteve-me pequeno e tímido.» Esta frase pode ser literalmente explicada pela ação de certos neuropeptídeos, que se podem acumular, ao nível molecular, nos receptores, na superfície da membrana, e manter-se ali durante anos.
Um estímulo, quer seja ameaçador ou não, pode então activar estes peptídeos e estimular o órgão a um nível celular, criando a sensação de medo. Então, o adulto tem a sensação de medo sem uma razão adequada. Embora não exista nada a recear, a pessoa continua a ter a sensação de medo, absolutamente válida, tornando-se, desnecessariamente, tímida e inibida.
Estas inibições emocionais não desejadas podem ser curadas através de terapia pré e perinatal para adultos. Os neuropeptídeos causadores de problemas, e as reações e respostas programadas associadas, podem literalmente diminuir através de terapia, de tal modo que uma pessoa que era tímida e receosa pode ficar mais descontraída e paciente.
O que é a psicologia pré e perinatal?
É a disciplina que assume que os eventos, especialmente os traumáticos, que ocorrem muito precocemente na vida (quando a pessoa é mais vulnerável e impressionável) terão um efeito sobre a vida psicológica e emocional dos seres humanos, criando, inclusivamente, padrões de comportamento e sistemas de crenças.
A psicologia pré e perinatal ajuda os adultos a compreender a causa raiz, ou original, de tais padrões de comportamento e sistemas de crença.
O movimento mais recente na psicologia pré e perinatal tem como objetivo educar os pais e os profissionais de bebés, no que diz respeito aos significados por detrás da linguagem corporal do bebé e do seu choro inexplicável, de modo que os bebés possam libertar-se das consequências de impactos precoces que poderiam afetar adversamente as suas vidas.
Qual a idade ideal para começar a terapia para bebés?
Entre os dois e os oitos meses de idade é o período ideal.
Em que situações se recomenda a terapia para bebés?
Todos os bebés podem beneficiar deste trabalho, mas especializámo-nos em trabalhar com bebés que têm problemas de choro, sono, alimentação e vinculação.
É absolutamente necessária a presença da mãe durante as sessões de terapia?
Sim, a não ser que ela seja incapaz.
Qual é o papel do pai na terapia para bebés?
Ele deve estar presente também, para ver o que acontece, para apoiar a mãe, e para compreender por si mesmo como pode conhecer e encontrar-se com o seu bebé a um nível mais profundo.
De que forma os sentimentos dos pais para com o bebé são importantes para si e para o trabalho que desenvolve com a família?
A maioria dos pais sonha com um bebé feliz, com a esperança de afecto e fofura que emana de um presente de amor. Contudo, os bebés também têm lados sombrios: choro inexplicável, que impede os pais de obter o adequado descanso e sono, e que faz os pais sentirem-se impacientes e incompetentes (porque não conseguem impedir o choro, e parecem culpabilizar-se por terem um bebé infeliz).
O nosso trabalho ajuda os pais a compreenderem os seus bebés, e o que os bebés estão a pedir através da sua linguagem corporal e do seu choro. Então, os pais podem encontrar-se com os seus bebés e ligar-se com eles a um nível mais profundo. Os bebés choram menos e tornam-se menos inquietos quando isto acontece.
O nosso trabalho ajuda os pais e os bebés a terem mais espaço para aceitar e dar amor. Os bebés são realmente amorosos, não importa o que estejam a fazer, sempre que os pais o compreendem de forma precisa.
O nosso trabalho simplesmente abre a porta para o reino do bebé e gera mais espaço para o fluxo de amor, paciência e afeto. Há espaço para todos os sentimentos difíceis também, mas com menor exasperação.
A forma como o bebé nasce na família – parto natural, cesariana, fertilização in vitro, adoção – tem consequências na forma como enfrenta o mundo?
Sim. O período de maior índice de desenvolvimento do cérebro humano ocorre durante as seis semanas antes do nascimento, o parto e as seis semanas seguintes. São feitas mais conexões neurológicas durante este período que em qualquer outro. Assim, a impressão cerebral sobre como é a vida, em especial sobre como são as transições, é altamente programada e interiorizada durante o processo de nascimento.
Os nascimentos naturais, onde a mãe e o bebé sentem-se um ao outro e onde lutam juntos para criar o nascimento, imprimem no bebé que a intimidade, o trabalho em conjunto, encontrar o seu próprio poder e o seu próprio caminho, podem fazê-lo atravessar a dor e as dificuldades com sucesso.
Os nascimentos por cesariana podem programar uma impressão de que uma invasão intensa e súbita poderá ocorrer, praticamente em qualquer momento, e que a vida é imposta ou realizada por outrém, que os seus próprios ritmos, passo e poder não têm importância, porque não pode fazê-lo sozinho.
Os nascimentos por fertilização in vitro podem programar uma pessoar a necessitar de ajuda de uma fonte externa poderosa, se não mesmo avassaladora.
Os nascimentos adoptivos, a não ser que os pais adoptivos estejam lá para receber o bebé, dizem-lhe que será abandonado.
Os gémeos entendem o mundo de forma diferente dos «únicos»? Como é que a morte de um gémeo no útero afeta o gémeo sobrevivente ao longo da vida?
Os gémeos são de alguma forma diferentes dos bebés únicos, incluindo os gémeos que sofreram a perda de um irmão durante a gravidez.
A perda é dolorosa, e muitos gémeos passam muito da sua vida em busca do tipo de companheirismo que perderam, comparando relacionamentos adultos com o relacionamento «ideal» que pensam ou sentem ter tido com o seu irmão gémeo.
A transferência gemelar pode complicar e mesmo destruir relacionamentos amorosos potenciais, especialmente quando o parceiro não satisfaz o anseio pelo gémeo perdido.
Maria João Pratt
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