Nasci e cresci num mundo feliz. Num mundo em que, tirando a preocupação para com as doenças da minha mãe, não existia nada que abalasse os meus dias. Num mundo em que eu brincava na rua até escurecer, sem medo que uma mão estranha me roubasse do colo dos meus pais. Num mundo em que eu olhava para o céu a admirar os aviões que levavam outros para terras paradisíacas, sem medo que um deles transportasse bombas assassinas. Num mundo em que, apesar de tudo, os telejornais não me alarmavam para o receio de chacinas no bairro do lado.
Nasci e cresci num mundo que me fez acreditar na bondade do ser humano. Num mundo em que o futuro me parecia maravilhoso e cheio de boas esperanças. Num mundo que, infelizmente, parece já não existir para as nossas crianças.
Hoje, os meus filhos acordaram cedo demais. Invadiram a minha cama, encostaram-se a mim e, num sussurro pesado, um deles perguntou-me: “os terroristas vão chegar a Portugal?”.
Quanto eu tinha nove anos, preocupava-me apenas com os trabalhos de casa. E com a possibilidade de a minha mãe descobrir que eu havia partido o bibelot que ela tanto estimava. Quanto eu tinha nove anos, achava que “terrorista” era o Miguel – o meu vizinho do lado que não perdia uma oportunidade para fazer asneiras e roubar a paciência aos seus pais. Quando eu tinha nove anos, sonhava em correr o mundo, não pensando duas vezes se seria seguro voltar a andar de avião ou assistir a um jogo de futebol num estádio lotado de pessoas.
A minha filha mais velha nasceu três meses antes do malfadado 11 de setembro. E nunca me hei-de-esquecer que, naquele dia, assisti à carnificina ocorrida nas torres gémeas enquanto a agarrava no meu colo, enchendo o seu rosto de lágrimas que me escorriam da alma. Com a dor profunda de ser aquele o mundo que estava a receber o meu amor maior.
Sempre disse que apenas quero que os meus filhos sejam “normais”. Mas, para isso, preciso que eles cresçam num mundo também normal. Sem massacres, sem vidas roubadas, sem o terror que cada vez mais invade os nossos dias. Com a convicção absoluta de que eles adormecem e acordam com um sorriso. Com o sossego de os deixar na escola certa de que, no final do dia, voltaremos a estar juntos.
Não quero que os meus filhos cresçam num conto de fadas. Já nem tenho como prioridade que eles achem que o futuro vai ser extraordinário. Porque aquilo que mais quero, como mãe e como pessoa, é que eles acreditem que o “hoje” é suficientemente bom. Sem despertarem de olhar perdido com medo de sair de casa.
Alda Benamor
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