Ando a modos que a dar em louca com trabalho. E por mais que isto soe a queixume, a verdade é que é um desabafo eufórico. Adoro sentir-me assoberbada com afazeres e só eu sei o quão monótona parece ficar a minha vida quando o trabalho me permite um estado laboral quase meditativo. Acontece que o fluxo de trabalho nem sempre é compatível com a restante vida. E muito menos com a maternidade.
Trabalhar com as palavras significa, nestas fases, ter dias em que oito horas são passadas a falar ininterruptamente para depois ter outras quantas a imprimi-las no papel. Significa precisar de alguns momentos de reclusão para que elas - as palavras – fluam agilmente sem que a campaínha da porta, a melodia do telemóvel ou os chamamentos dos meus filhos me condicionem a fluídez de ideias. Significa ainda uma quantidade quase pornográfica de cafés e de muitas obscenidades linguísticas quando tenho bloqueios criativos. Encontro-me e esgoto-me, portanto, nas palavras.
E esgoto-me de tal forma que, nestes dias, o meu corpo quase suplica por um desfalecer integral, gritando por sossego, paz e silêncio absolutos. Nestas alturas, acho-me sempre pior mãe. E acho-o porque, lá está, me esgoto nas palavras. Ao jantar faço um esforço por alimentar as conversas que, como habitual, saltam em catadupla no meio de cada garfada. E, depois das rotinas asseguradas, já não me apetece esclarecer dúvidas com trabalhos de casa nem estender em cima da mesa as fichas de exercícios que tanto ajudam os meus filhos mais novos. Nestes dias, só me apetece ficar aninhada nas crianças, num total conforto que um qualquer filme estúpido embale.
Os meus filhos estão habituados a uma mãe faladora. A uma mãe que chega a casa e fala, ri, grita e dá comandos. A uma mãe que partilha o dia e acolhe com conselhos as novidades das aventuras escolares. A uma mãe que recebe e devolve telefonemas aos amigos, nem que seja para partilhar uma barbaridade ridícula. A uma mãe a quem, resumindo, muitas vezes é preciso mandar calar.
Mas, nestes dias em que me doem literalmente os maxilares de tanto falar e em que os dedos parecem já calejados de tantas palavras que nasceram do dedilhar das teclas digitais, os meus filhos conhecem uma mãe mais reservada. Que, mesmo mantendo o soriso e o colo aberto, lhes responde com sonorizações fechadas.
- Mãe, posso comer bolachas?
- Hum, hum.
Acontece que este meu “cansaço feliz” lhes parece trazer algum descanso auditivo. Até porque, conhecendo-me e percebendo que a contenção nas palavras vem precisamente do uso excessivo que lhes dou ao longo do dia, hoje um dos meus filhos me brindou com um manifestamente sincero: “oh mãe, será que podes continuar assim mais calada até sábado? É que assim não gritas tanto por mim quando eu tiver o próximo jogo de futebol”.
Alda Benamor
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