A Associação SORRIR tem como missão promover e salientar a importância de sorrir para a saúde, não pela ausência de doença, mas enquanto bem-estar físico, mental e emocional.
O movimento O MAIOR SORRISO DO MUNDO nasce em 2013 para reforçar esta mensagem e representa alegria, amor, saúde e bem-estar.
Figuras públicas e empreendedores aderiram à causa e partilharam os seus testemunhos. Conheça a história de Yolanda Lobo.
"Em 1975 embarquei para Londres, doente, esquelética, com uma cor de pele macilenta. Um problema cardíaco tinha-me roubado os meus objetivos de vida e com 19 anos resolvi recuperar o tempo perdido e completar a minha educação estudando línguas nos países de origem das mesmas. Devagar, cheia de precauções recomendadas pelos médicos, mas decidida a vencer, parti para Inglaterra.
Na mão direita levava a minha viola e arrastava a mala onde tinha, para além da roupa, medicamentos e papas que tomava diariamente, alimentos fortificantes que me permitiam ter mais forças no dia-a-dia. Inocentemente retirei as papas das latas para que pesassem menos e assim entrei no aeroporto de Londres.
Mr Williams – nunca mais esquecerei o seu nome e rosto – viu-me e achou que eu era suspeita: mala que arrastava com dificuldade, muito magra, cheia de olheiras, uma viola.
-Stop! - disse-me, por detrás do guichet de vidro da alfândega. - Passport!.
Imediatamente percebi que iria ter problemas – as papas!! Sem rótulo e sem recipientes identificadores.
Uma hora de interrogatórios numa “gaiola” envidraçada, aviões que despejavam passageiros que passavam e me olhavam, incriminando-me, uma humilhação que não acabava mais. Sozinha, observava a cara dos polícias que me interrogavam ávidos de uma culpa. Encontraram-na: sacos com um pó amarelado e uma carta da minha mãe que me dizia “filha, se o clima de Inglaterra for melhor para a tua saúde, deixa-te ficar por lá...”. Foi a cereja no topo do bolo. A tradutora lia e relia a carta e os polícias rejubilavam – até analisarem o pó amarelado, ou seja, até ao dia seguinte, teria de ficar presa. E assim foi: meteram-me num carro da polícia e levaram-me para outra ala de Heathrow – para uma cela bem dentro do aeroporto.
Chorei nos primeiros 10 minutos, aflita, cheia de medo, sem perceber como aquilo estava a acontecer-me. Porque me prendiam se o pó era um alimento? Porque não acreditavam em mim? A cela era gelada, com duas camas. A outra tinha um casaco de lã pousado e portanto não estaria sozinha muito tempo.
De facto, passados alguns momentos, trouxeram uma senhora colombiana que berrava, em pânico. “Ah! Mi madre!”, gritava de segundo a segundo... Estava verdadeiramente aflita e aumentava a minha própria aflição. Não tardava nada punha-me a chamar pela minha mãe também. Mas a minha estava em Moçambique e eu queria que ela se orgulhasse de mim. Por isso, resolvi acalmar-me e...sorrir. Achei que se sorrisse muito, a senhora se acalmaria e perceberia que mais valia sorrir também. Afinal seria apenas o tempo de esclarecerem as dúvidas.
Sorri, olhei-lhe nos olhos e peguei na minha viola. Dedilhei algumas notas, cantarolei baixinho até ela se deitar e me olhar tranquila, envergonhada, grata. Sorri mesmo a cantar e coloquei-lhe um sorriso também. E o sorriso dela acalmou-me. As lágrimas corriam-lhe silenciosas e de vez em quando sussurrava com doçura: “Mi hijo, pobrecito! Sin su madre”.
Eu tocava viola e sorria sempre, pois sentia que era a forma mais bonita de nos comunicarmos naquela cela. Ambas estávamos apavoradas e fingíamos estar calmas, sorrindo uma para a outra. Ela grata pela minha música, eu grata pelo seu olhar.
O sorriso quando vem de dentro faz milagres. Abre portas, corações e supera as dificuldades. Aprendi isso ao longo da minha vida e foi isso que ensinei aos meus filhos: sorriam sempre, a todos, mesmo aos desconhecidos. Porque ao sorrir podemos estar a sarar as feridas de alguém, podemos estar a melhorar o dia de quem nos vê. Um sorriso é sempre uma mensagem de paz, de amizade, de compreensão. E é a melhor forma de dois seres humanos se ligarem sem qualquer troca de palavras.
Mr. Williams confirmou que o pó era um alimento e não cocaína. Mas mandou-me de volta para o país visitado anteriormente, com um bilhete de ida: França.
Em vez de me mandar para Portugal, mandou-me para França. Onde tinha já estado uns 6 meses a estudar a língua.
Desembarquei no aeroporto Charles de Gaulle sem dinheiro para o bilhete de regresso. Não havia telemóveis na altura. Sentei-me num banco, com a mala e a viola e esperei por um milagre. E ele aconteceu: lá longe, a correr para a porta de desembarque, vi uma amiga dos meus pais que tinha vindo esperar alguém. Larguei tudo no meio do chão e corri para ela. Sorri, sorri muito, ri à gargalhada, aliviada pela ajuda inesperada. Tive direito a um bom banho, uma refeição portuguesa deliciosa e um bilhete de regresso no dia seguinte. Entrei em Portugal com um sorriso de orelha a orelha: os milagres existem e eu iria fazer outro. Iria voltar a Londres, dar de frente com Mr. Williams, arrancar-lhe um carimbo de entrada no passaporte e cumprir os meus objetivos: estudar inglês no seu país! Pelo tempo que eu quisesse! E assim fiz, com um grande sorriso!"
Texto: Yolanda Lobo
Edição: Mafalda Agante
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