Rita Blanco
créditos: Pedro Loureiro

Revista Saúda: A dimensão humana do filme “Fátima” é tocante. Parece ter sido uma experiência duríssima…

Rita Blanco: Não foi uma experiência dura. Fazer um filme nunca é uma experiência duríssima. Dura é a vida real.

RS: Fizeram 400 quilómetros a pé?

RB: Quando estávamos a filmar andávamos um bocado e depois parávamos. Não é
a peregrinação real, que já tínhamos feito como preparação para o filme. Duro é ser uma mulher de Trás-os-Montes e fazer esta peregrinação. No fim há algum alívio. Em vez de dormirmos em roulottes, vamos para um hotel. Não terá sido dos filmes mais fáceis, nem a filmagem foi tradicional. Geralmente vamos filmar e depois para casa. Não andamos à chuva, ao frio e ao vento. Mas quem corre por gosto não cansa. Ainda por cima gosto imenso de correr e andar (risos).

RS: Houve uma preparação física?

RB: Estou habituada a andar com os cães. Uma a duas horas. Também faço desporto. Mas a questão nem é essa. A questão é irmos para outro sítio e termos de entender aquele “estar”. Não é igual ter nascido e vivido em Lisboa ou em Trás-os-Montes. A minha preparação no terreno foi passear com uma pessoa de lá, a Zeca. O que gostava mais era de conversar com ela. Era aí que entendia a sua maneira de pensar e de ver as coisas.

RS: Numa entrevista, a Zeca – que inspirou a sua personagem Ana Maria – garante que ir a Fátima é melhor que ir ao psiquiatra...

RB: Passear os meus cães é melhor que ir ao psiquiatra. A Zeca tem tanto gosto em ir a Fátima como eu tenho em passear os meus bichos. O exercício físico é saudável, produz endorfinas que nos fazem ficar felizes. Às vezes estou triste ou zangada com a vida e vou passear os cães ou nadar. E venho outra, capaz de aturar os portugueses. (risos). Gosto dos portugueses, são eles que fazem de mim a actriz que sou.

RS: Além da natação, pratica algum outro desporto?

RB: Faço aqua cycling, que é uma bicicleta dentro de água. Pedala-se e faz-se abdominais. O impacto com a água é menor do que cá fora, mais suave e mais saudável. Já não sou um bebé, não sei se tinham reparado (risos). Comecei a nadar no Sport Algés e Dafundo e a prática ajuda. Quando se faz desporto, a vida fica um bocadinho mais leve. É isso e ler.

RS: Dá tudo o que acha que é ser português às mulheres que faz. O que tem a portuguesa de tão especial?

RB: Gosto de fazer a mulher portuguesa, à minha maneira. Gosto muito da coisa de ser português. Gosto das mulheres portuguesas. Comovem-me. Têm uns pontos em comum entre si, que têm a ver com o passado recente e menos recente. Com o tempo da
ditadura. Com esta sociedade católica e tradicional em que as mulheres aguentam muita coisa. São estóicas. São fortes e são elas que tomam as decisões.

RS: Às tantas, a personagem da Cleia Almeida diz para si «Não podes dar aos outros aquilo que tu não tens.» Refere-se à força. Sentiu nalguma altura que estava a perder as forças?

RB: Além de ser uma actriz de quem gosto muito e que admiro, a Cleia é uma amiga. Ela achou que me fazia mal ao coração andar tanto. Nunca tive nenhum achaque, mas era cansativo.
Entrar nas carrinhas, sair das carrinhas. Apanhar aquela chuva toda. Passar o dia encharcada. Mas faz parte.

RS: Acredita em Deus?

RB: A minha religião é o amor. Acredito que o amor é a única possibilidade que temos de dar a volta à vida. De gostarmos uns dos outros, de sermos minimamente felizes ou de fazermos as coisas com algum sentido. Não quer dizer que sejamos felizes. Mas com amor é tudo um bocadinho mais. Mais. Já disse que o amor não é fácil, mas com amor vale mais a pena. Não acredito na guerra. Mesmo.

RS: O que retirou de bom deste filme?

RB: Vale sempre a pena trabalhar com o João (Canijo). Ele é um dos meus maiores amigos. É sempre válido falar com ele, ainda que nos zanguemos até à exaustão. Temos um processo de trabalho a decorrer, que continua e nos faz crescer. Ele como realizador, eu como actriz. Trabalhei com duas das minhas melhores amigas. A Cleia Almeida e a Vera Barreto. Será sempre um enorme prazer, apesar da dureza. A dureza partilhada é melhor. Foi também uma surpresa trabalhar com a Sara Norte, com quem não o fazia há muitos anos. Ela transformou-se numa lutadora brilhante, numa mulher. Isso é encantador. Passou coisas duríssimas e deu a volta sozinha. Gostei de vê-la florir.

RS: O que tem a Ana Maria da Rita Blanco?

RB: Ser tesa. Sou tesa. Não vou dizer que sou corajosa. Tenho imensos medos. Mas não fujo a um confronto.

RS: Como tem trabalhado a resiliência?

RB: É através do amor aos outros. Amar os outros pressupõe amarmo-nos, perdoarmo-nos e aceitarmo-nos como somos. Depois, aceitar os outros.

RS: Como viveu a chegada a Fátima?

RB: Quando foi a verdadeira peregrinação, fui fazer a procissão das velas. Estava muito cansada.
Como se vai naquela emoção, parece que estamos a ser elevados e não custa nada. Há a ilusão de que aquilo é um momento mágico. São uma série de circunstâncias que se juntam. É muito engraçado.

RS: No fim da peregrinação, o que lhe apeteceu fazer?

RB: Voltar para casa. Vir ter com a Alice, a minha filha, e com os meus cães. Os cães estiveram comigo durante a preparação para o filme. Mas, durante as filmagens, como mudávamos de sítio todos os dias, não podia andar com eles atrás e vim trazê-los a Lisboa. Por isso, estava cheia de saudades da minha filha e dos cães.

RS: O que lhe dá equilíbrio?

RB: A minha filha, a literatura, nadar, a água e o desporto.

RS: O que gosta mais de fazer nos intervalos de tudo isto?

RB: Poder estar deitada na minha cama com os cães e com os gatos em cima de mim. A minha filha aparecer por lá. Ler um bocadinho, ir passear e ver o mar. Oh, meu Deus, que posso mais querer?

Texto de Maria João Veloso

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