Considera-se um homem do mundo, com raízes portuguesas e alma carioca. Aos 38 anos, Ricardo Pereira conta já com uma carreira cheia. Em 2003, deixou Portugal para viver no ‘país irmão’ e desde então que se divide entre os dois continentes.
Casado com a pesquisadora de arte, Francisca Pereira, desde 2010, considera o amor o ingrediente essencial para uma vida feliz. Pai de três filhos - Vicente, Francisca e Julieta -, preserva o sentido de família como o seu maior escudo.
Em janeiro deste ano, viu estrear um dos seus maiores desafios, a novela ‘Deus Salve o Rei’, da Globo, onde interpreta o vilão Virgílio.
Em conversa com o Fama Ao Minuto, o ator falou da vida entre ‘cá e lá’, da representação no Brasil, da família e do profundo desejo de continuar a apostar numa carreira internacional.
No Brasil desde 2003, a família e os amigos (de Portugal) já se habituaram à distância?
Como já estou há muito tempo aqui no Brasil e utilizo este grande país como uma base de trabalho, já com uma carreira consolidada, os amigos e a família já se habituaram à distância e ao facto de passarmos grandes períodos fora de Portugal. Acredito também que, por outro lado, tenho orgulho na carreira que tenho vindo a construir nomeadamente no Brasil, mas também noutros países em que trabalho: França, Espanha, Holanda e outros lugares onde acabo sempre por ter desafios profissionais. Acho que todos sentem esse orgulho e matamos saudades nos momentos de férias ou nos momentos em que regresso para fazer trabalhos, sejam eles na área da televisão, cinema, teatro ou mesmo em eventos ou publicidade.
Não houve uma dificuldade, mas sim uma adaptação, um respeito, um entendimento do que são as regras e de como o Brasil funcionava
O que foi mais difícil ao mudar de país?
Acredito que nem toda as pessoas o fariam da mesma forma porque cada um adapta-se de uma maneira diferente aos países e aos lugares onde escolhe ficar, seja por um desafio profissional ou pessoal. No meu caso, e devido ao facto de ter trabalhado e morado em vários países quando trabalhei em moda, tinha a noção de que o mundo era algo que me seduzia bastante: Viajar, conhecer outras culturas, trabalhar com outras mentalidades. Sempre me seduziu e adaptou-me para o desafio que mais tarde iria ter, vir para outro mercado num país irmão como é o Brasil e construir uma carreira consolidada.
Não houve uma dificuldade, mas sim uma adaptação, um respeito, um entendimento do que são as regras e de como o Brasil funcionava e integrar-me profissionalmente e pessoalmente para fazer desta experiência uma experiência enriquecedora e apaixonante e, sobretudo, um desafio artístico. De certa forma quando se muda de lugar temos de entender o lugar em si e, acima de tudo, adaptarmo-nos. No meu caso adaptar-me à vida do Rio de Janeiro, à vida do Brasil, sendo um país que fala a nossa língua, um lugar tão bonito que me acolheu tão bem foi bastante fácil e prazeroso.
O que há já de Rio de Janeiro em si?
Ao fim de tantos anos a viver aqui, a conhecer a cultura, os cariocas, e conhecer o Brasil praticamente na sua totalidade, os Estados e cidades devido a viagens de trabalho e mesmo lazer, eu e a minha família já somos bastante cariocas... os meus três filhos nasceram aqui. Manifesta-se muito no meu dia a dia, na forma descontraída de estar e vestir, o 'lifestyle', exercício permanente, a preocupação com a comida saudável. Os brasileiros são conhecidos por serem extremamente sorridentes, sempre prontos a abraçar, a festejar, aproveitar o dia além do trabalho e eu já tenho muito isso no meu ADN.
As grandes diferenças prendem-se com as receitas publicitárias que são muito maiores e obviamente há mais dinheiro para investir em projetos
Quais são as principais diferenças entre o mundo da representação no Brasil e em Portugal?
É uma questão recorrente em grande parte das entrevistas que me fazem. É cada vez mais claro para as pessoas que trabalham no meio e também para pessoas de fora a dimensão do mercado e a sua movimentação empresarial - por ser um mercado muito maior a nível de público e consumidores, é diretamente proporcional e tem obviamente uma correlação com a faturação desse mercado.
A TVGlobo é a terceira maior televisão do mundo, transmite para mais de 150 países e naturalmente que as grandes diferenças prendem-se com as receitas publicitárias que são muito maiores e obviamente há mais dinheiro para investir em projetos, tornando-os mais internacionais, com mais coproduções e sempre com o foco no mercado mundial e não apenas no mercado caseiro. A dimensão é o que faz a grande diferença porque o modo como as pessoas trabalham e as técnicas são bastante semelhantes.
Que características definem um bom ator?
Honestidade, capacidade de trabalho, capacidade de ouvir, humildade para se aprender com todas as pessoas com quem nos vamos cruzando na nossa vida artística e, acima de tudo, trabalhar diariamente, ser perseverante. Eu tenho um preparador de elenco que se chama Marcelo Borchardt que diz uma coisa muito importante: “Os atletas treinam todos os dias para estarem na sua melhor forma quando são chamados aos jogos decisivos e o ator tem de fazer o mesmo, exercitar-se todos os dias, tentar melhorar todos os dias”. Isto é o denominador de grande parte dos atores, para além do talento e de outros fatores que muitas vezes já nascem com as pessoas.
Quando vim para o Brasil nunca pensei que seis meses se traduziriam numa carreira com as proporções que tem agora
Quando foi para o Brasil, estava preparado para tudo o que viria a acontecer, a nível de realização profissional?
Já tinha uma carreira estabelecida em Portugal, com vários projectos no currículo e quando vim para o Brasil nunca pensei que seis meses se traduziriam numa carreira com as proporções que tem agora... hoje em dia posso olhar para trás e ver tantas novelas, séries, filmes realizados. Estava preparado sim, sempre a dar o meu máximo, mas tudo o que veio de realização profissional foi mais que alguma vez pensei e quero acreditar que ainda tenho um longo caminho a percorrer porque acredito que ainda há sempre muito mais por viver, por fazer e conquistar. Posso dizer que tem sido uma viagem alucinante com uma repercussão estonteante que me faz crescer diariamente como profissional e como ser humano.
Mais do que ser figura pública aquilo que me preenche como artista é ter este reconhecimento do público
Quais são as responsabilidades de ser uma figura pública em dois países?
Naturalmente e tendo em consideração o tamanho do Brasil, o número de pessoas que tem e o mercado tão grande que não é só visto por brasileiros, mas por pessoas de muitas nacionalidades torna-nos figuras públicas em muitas partes do mundo onde os produtos são consumidos. Mais do que ser figura pública aquilo que me preenche como artista é ter este reconhecimento do público, de ter um público que assiste e me diz o que acha de tal personagem ou projecto. O artista trabalha para o público e sem público um artista não existe e isso é que me deixa feliz, mais do que ser figura pública.
Em algum momento, toda a visibilidade que tem lhe foi prejudicial?
Em nenhum momento a visibilidade que tenho, sempre com a noção que a minha profissão tem uma visibilidade e exposição diferente de outras profissões, foi prejudicial.
Nos últimos tempos tem surgido uma nova ‘vaga’ de atores portugueses a representar no Brasil, ou para terem formações nesta área. O que acha que os leva a esta escolha?
Muitos atores pensam em construir carreiras fora de Portugal e alguns têm vivido experiências não só no Brasil como também Espanha, França e entre outros países. Acho que é extremamente positivo, as pessoas devem tentar melhorar artisticamente e procurar profissionais que os estimulem e que os façam evoluir. Tenho muitos amigos que mudaram de país com o objetivo de melhorar o currículo e crescer enquanto artistas e tem corrido muito bem. Tenho tido oportunidade de receber alguns aqui no Brasil e tento ajudá-los naquilo que posso, de os incentivar e também trilhar alguns caminhos e abrir algumas portas que tornem esta introdução a um novo mercado e a um novo país mais fácil. Obviamente, com os anos e com a carreira que tenho aqui no Brasil também me sinto responsável e assumo um papel onde os amparo e de certa forma os ajudo em algumas escolhas que eles possam ter dúvidas. Acho que nós temos de, sem dúvida, mostrar a nossa arte e é importante conhecer outras realidades e outras formas de fazer, representar e evoluir... só assim podes crescer enquanto artista.
Quando se sente saudade olha-se com mais atenção para o nosso país
Quais são as principais preocupações de quem está fora e olha para o seu país?
Quem está fora olha naturalmente para o próprio país de uma forma mais detalhada porque vai vendo e analisando determinados problemas que são resolvidos ou determinadas coisas boas que vão acontecendo. Quando se sente saudade olha-se com mais atenção para o nosso país e eu posso dizer que isso é uma realidade quando se está fora. Nós temos muito interesse em saber o que acontece no nosso país e da mesma forma que as conquistas vão acontecendo são celebradas, também as coisas menos boas que acontecem nos entristecem e não deixam obviamente tocados. Olhamos de uma forma diferente para o nosso país quando estamos fora, de uma forma mais atenta e preocupada.
Devemos estar onde os desafios são interessantes
Pensa em voltar definitivamente um dia?
A minha profissão enquanto modelo e agora como ator deu-me a possibilidade de viver em vários país, conviver com várias culturas, trabalhar com várias pessoas e isso alimentou-me muito a noção de que hoje em dia nós devemos estar onde os desafios são interessantes, onde estamos estamos bem emocionalmente. Regressar não sei se é a palavra certa porque continuo a trabalhar muito em Portugal, a fazer parte da comunidade através do meu trabalho. Tenho sempre vontade de me envolver com tudo o que acontece: de coproduzir teatro em Portugal, trazendo atores e atrizes do Brasil, a envolver-me também em questões de desenvolvimento do nosso país ao fazer parte do Conselho da Diáspora, sou também membro da administração da Fundação luso-brasileira e embaixador de grandes marcas em Portugal. Portanto, acabo por me envolver de várias formas por isso estou sempre, de alguma forma, presente no país.
Voltar definitivamente é muito relativo porque nunca sabemos o que a vida nos reserva, qual vai ser o meu percurso artístico, os próximos desafios que vão aparecer... vou continuar a estar muito presente através de várias iniciativas - como os restaurantes dos quais sou coproprietário -, aproveitando também este momento lindo e brilhante do turismo no nosso país.
Quais as metas que ainda tem por alcançar? Chegar a Hollywood é um objetivo?
Sempre disse que terei de passar um tempo nos Estados Unidos. Tenho um bom empresário lá, inclusive já tive oportunidade de trabalhar lá e e por uma razão de datas não se concretizou, mas acho que vale a pena experimentar, nem que seja para me formar e adquirir mais conhecimento. Contratar bons professores, estudar lá uma temporada e levar a família, dar uma nova experiência às crianças. Vejo-me sem dúvida a passar uma temporada nos Estados Unidos no meu futuro.
É um desafio extraordinário trabalhar com tanta tecnologia, com um elenco tão bom e com uma direção artística e uma escrita brilhante
Estreou há pouco tempo a novela ‘Deus Salve o Rei’, um dos seus projetos mais recentes. Como descreve este trabalho?
'Deus Salve o Rei'é um projeto arrojado e extremamente delicado da TV Globo, é primeira novela medieval da Globo que utiliza recursos de computação gráfica e tecnologia 3D extremamente avançados e de muita utilização de Chroma. Eu interpreto um dos protagonistas da história, o vilão, é uma personagem muito importante e que será sempre a sombra do mal ao longo de todos os capítulos, embora seja bastante sedutor, muito rico e de uma complexidade extrema. É um desafio extraordinário trabalhar com tanta tecnologia, com um elenco tão bom e com uma direção artística e uma escrita brilhante. É um projeto que está a ser muito bem acolhido, um sucesso aqui no Brasil e que me deixa mais uma vez feliz pelo facto de a TV Globo confiar também e me convidar para um trabalho tão moderno e precursor dentro da dramaturgia brasileira.
Interpreta um vilão, o Virgílio. O que está a ser mais desafiante na personagem?
O Vírgilio é o grande vilão da história, é um homem que perde o grande amor da Amália - que é a personagem que Marina Ruy Barbosa faz - e que vai infernizar a vida de quem lhe rouba este amor que é o personagem do Afonso, príncipe herdeiro do trono - que é desempenhado pelo Rómulo Estrela. Eu fico muito feliz porque este é um personagem que à primeira vista ninguém o entende como vilão, o público obviamente vai percebendo isso ao longo da história mas os outros personagens não, o que me permite trabalhar em diferentes registos, diferentes camadas muito diferentes da sedução, do envolvimento, da capacidade de, através das falas ele envolver as pessoas e enganá-las mas depois nas ações ele justificar toda essa vilania.
É uma personagem muito observadora, muito delicada com um cuidado estético muito grande para a época, não pertence à nobreza, também não é da plebe mas ambiciona subir a sua classe social e daí também o desenrolar da história o vá aproximar da Catarina - que é a personagem desempenhada pela Bruna Marquezine - que é também uma outra parte da vilania da história e que se vai unir a este Virgílio para contaminar com malvadez a novela toda. É uma personagem muito rica, um presente maravilhoso dado pelo autor da novela, pelo Daniel, uma personagem cheia de camadas, cheia de registos diferentes e muito bom de realizar.
José Fidalgo também faz parte deste novo trabalho. O que está a achar da prestação do ator?
É muito bom. Ao longo dos anos tive a oportunidade de ter no elenco conterrâneos, pessoas com quem já trabalhei em Portugal e que vêm também à Globo trabalhar. Deixa-me muito feliz como no 'Negócio da China' e 'Aquele beijo', em 'Liberdade Liberdade' e no 'Novo Mundo' onde tive outros atores que me fizeram companhia nos projetos. Fico obviamente muito feliz e é um prazer estar aqui com o Zé, fizemos juntos a minha última novela em Portugal onde éramos irmãos. Sabe bem ter a companhia de um conterrâneo neste trabalho.
Como está a ser o feedback do público?
Está a ser excepcional, é uma novela muito baseada em séries que hoje em dia contagiam o público que assiste a televisão com uma narrativa muito próxima do suspense e muitas surpresas ao longo de todos os capítulos. O feedback do público, principalmente das gerações mais novas que acompanham muito séries americanas, é que encontram no 'Deus Salve o Rei', um produto mais longo, um ponto de apoio que estão a gostar bastante. Conseguir trazer o público mais jovem para a novela tem sido extremamente positivo. É um projeto muito especial e só agradeço pela oportunidade de fazer parte dele.
Estamos todos muito felizes. A Julieta veio alegrar ainda mais a casa
A família aumentou em setembro. Como tem vivido estes primeiros tempos com a pequena Julieta?
Estamos todos muito felizes. A Julieta veio alegrar ainda mais a casa, é muito tranquila. Está a ser muito bom viver de novo esta experiência de ser pai, esta experiência boa da paternidade, ver a satisfação da família ao receberem a Julieta, dos irmãos a viverem com uma bebé pequenina em casa... nós sempre dissemos que gostaríamos de ter uma família grande, então é um prazer ver isso tornar-se realidade. Sem dúvida que é desafiante, mas torna-nos melhores pessoas de dia para dia, é. É algo muito difícil de explicar por palavras. Dedicação total, mas ser pai e ser mãe é isso mesmo. É a melhor experiência do mundo.
O Vicente e a Francisca ficaram entusiasmados com a ideia de ter uma irmã?
Vicente e a Francisca adoram a irmã mais nova, é engraçado vê-los imitarem aquilo que nós dizemos e o cuidado que eles têm sempre que ela está mais chorosa ou quando quer a chupeta. São muito participativos e acolheram-na muito bem. Acho que isso é extraordinário porque o grupo está a aumentar e os irmãos estão se a formar num trio bem interessante.
Apesar de a Julieta ainda ser muito bebé, o que é que os seus filhos têm em comum e de diferente? E que características herdaram do pai?
Acho que cada filho é diferente, tem a ver com as personalidades. Cada um é como é e isso é muito bom. Ainda bem que são assim, têm tanta coisa em comum e tanta tanta coisa diferente uns dos outros. O Vicente é sem dúvida muito mais determinado, muito mais envolvente porque tem uma capacidade de persuasão e diálogo estonteante e eu acho isso acho maravilhoso. É muito parecido comigo. A minha filha Francisca tem muito da mãe, não descansa enquanto levar a sua vontade avante. É uma personalidade bastante forte, mais difícil de dobrar. A Julieta é uma jovem inocente, muito tranquila, sem características ainda muito presentes. Embora uma das características para mim já é fulcral e determinante: Ela sorri para toda a gente, tem uma felicidade inata que contagia toda a gente.
Nós promovemos e queremos todas as semanas ter tempo para namorar
Com uma família cheia de crianças, sobra energia para programas a dois?
Com a família cheia de crianças, sobra sempre energia para um programa ou dois. Nós [eu e a Francisca] promovemos e queremos todas as semanas ter tempo para namorar, para falar sobre a vida, para nos ouvirmos, para fazermos um jantar de marido e mulher e ter tempo de olharmos um para outro sem pressas e preocupações. É muito importante ter sempre tempo para tudo.
Qual é o segredo para um casamento feliz?
Não existe segredo para um casamento feliz. Tem que haver respeito, compreensão e, acima de tudo, capacidade de escutar o outro. Acho que isso sim é fundamental para que um relacionamento dure e tenha sempre uma coisa que eu acho que preponderante que é o respeito.
Se hoje lhe fosse concedido um desejo, qual escolheria?
Se eu pudesse pedir um desejo, o desejo que eu pediria era saúde. Acho que é aquilo que qualquer pessoa quer e deseja para a sua família para poder aproveitar a vida que é tão divertida, que é tão boa e que nos deixa tão feliz.
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