Isabel Stilwell é jornalista e escritora. Desde o Diário de Notícias, onde começou aos 21 anos, que contribui de forma essencial para o jornalismo português. Fundou e dirigiu a revista Pais & Filhos, foi diretora da revista Notícias Magazine durante 13 anos e diretora do jornal Destak até ao final do ano de 2012, entre muitos outros projetos. Paralelamente escreveu vários livros de ficção, contos e histórias para crianças, mas a sua grande paixão por romances históricos revelou-se em 2007, com o bestseller “Filipa de Lencastre”, a que se seguiram “Catarina de Bragança” e “D. Amélia”, com crescente sucesso. Em abril de 2012, foi a vez de “D. Maria II”, que vendeu mais de 45 mil exemplares, e mereceu uma edição especial para o mercado brasileiro. Em outubro de 2013 lança um novo romance histórico intitulado “Ínclita Geração”, sobre a vida de Isabel de Borgonha, filha de D. Filipa de Lencastre, e em maio de 2015 publica o seu mais recente livro sobre a mãe do nosso primeiro rei, “D. Teresa”. Em julho de 2015 viu traduzido para inglês o seu primeiro romance histórico, “Philippa of Lancaster – English Princess, Queen of Portugal”.
Mais recentemente mantém a crónica, todos os sábados, no Jornal I, sobre os mais diversos tópicos da atualidade. Escreve, também, para a revista Máxima, tendo uma das suas peças sobre a adoção em Portugal (“Não amam nem deixam amar”, em conjunto com a jornalista Carla Marina Mendes) sido distinguida com o 1º Prémio de jornalismo “Os Direitos da Criança em Notícia”. Continua a colaborar mensalmente com a revista Pais e Filhos, e quando não está a escrever, vira diariamente os “Dias do Avesso” em conversa com Eduardo Sá, na Antena 1.
No tempo que lhe sobra de crónicas, entrevistas, livros infantis e conferências para os mais velhos, e os mais novos, dedica-se a investigar e a escrever o seu próximo romance histórico.
Retratos Contados (R.C): Os Retratos Contados apresentam-se como um projeto único, diferenciador e inovador uma vez que nos focamos numa área diferente do habitual. O nosso objetivo é falar das ligações entre avós e netos, a importância dos avós na vida dos netos e vice-versa. O que é que acha de um projeto como este?
Isabel Stilwell (I.S): Eu acho fascinante! Penso que, da mesma maneira que eu nos romances históricos pesquiso o passado, quando encontro documentos em que as pessoas escrevem sobre como eram e como viviam, e como é que eram os avós delas e todas as informações que são no fundo do dia-a-dia, e das relações… portanto, hoje em dia acho que construir isso, é construir um banco de dados, que no fundo é o que os Retratos Contados estão a fazer, criam um banco de dados deste tempo, deste século XXI, mas que também olha para trás e para os tempos que foi Portugal. É no fundo um arquivo histórico. Para além de nos tocar pela parte da atualidade que é olharmos, nós sabemos que as figuras mais conhecidas ou menos conhecidas, têm essa parte boa que é termos algum interesse pela vida delas, o que nos leva a depois querer saber mais. Mas para além desse impulso inicial, a seguir vem o facto de nos identificarmos (ou não), mas podermos encontrar no testemunho de outras pessoas, aquilo que nós queríamos dizer e não tivemos oportunidade ou nem sequer sabíamos pôr por palavras.
R.C: A partilha dos problemas e das alegrias que a Isabel possa ter com as suas netas, ou que tenha tido com os seus avós, poderá servir de ajuda para as pessoas que nos lêem…
I.S: E às vezes não, das alegrias as pessoas falam com relativamente facilidade, das coisas que correram mal às vezes não falam tão bem!
R.C: Como se não existissem não é?
I.S: Exatamente! Ou porque não sabem como resolvê-las, e o facto de ouvirem outra pessoa dizer, que não teve uma boa relação com um avô, ou que ficou muito marcado negativamente por qualquer coisa que se passou no seio da sua família, nomeadamente um divórcio ou uma separação, a falta de acesso aos avós… Tudo isso pode ajudar as pessoas a resolver os seus próprios problemas, a pensar que não estão sozinhas no mundo e que não foram só elas que passaram por isso.
R.C: Quando olha para o nosso país, como vê a população mais velha?
I.S: Vemos muita, logo para começar! Não é?
R.C: E cada vez mais…
I.S: E cada vez mais! A pirâmide invertida de idade é uma coisa aflitiva. Quando viajamos para países mais novos, sei lá, não conheço muito do mundo, mas quando estive, por exemplo, em Marrocos ou em Angola, de facto só ver aquelas crianças todas (independentemente de todos os outros problemas que possam existir), mas dá muita pujança olhar para um país que tem uma população nova e cheia de vida. Isso é um bocadinho entristecedor, nós podemos passar Portugal de norte a sul, mas não vemos crianças em grandes quantidades como noutros países… e isso é aflitivo!
R.C: Discute-se tanta coisa no parlamento, mas esse assunto da pirâmide invertida… é muito esquecido! Quando não tivermos população, somos um país completamente frágil e pronto para ser invadido por outros…
I.S: É, eu acho que nós temos que encarar isto sem ser tão nacionalistas e encarar, por exemplo: tanta coisa com os refugiados e muitas vezes um pensamento muito xenófobo e podemos pensar que, de facto há crianças noutras partes do mundo, e jovens e adolescentes… Que podem integrar-se em Portugal e ajudar o pais a andar para a frente.
R.C: Comecemos pelos familiares mais antigos. Que histórias ouviu falar sobre os seus bisavós?
I.S: Sobre os meus bisavós…há histórias muito engraçadas…, eu percebi sempre que o meu pai tinha uma ligação fortíssima com a avó dele e quando o meu pai morreu encontrámos umas cartas muito engraçadas, o meu pai devia ter cinco, seis, sete anos, que escrevia à sua avó, (que pelos vistos foi quem o ensinou a ler e a escrever) a contar-lhe coisas do seu dia-a-dia, nomeadamente a contar-lhe como é que as flores estavam a crescer no jardim, e que se percebe que há ali um elemento de jardinagem entre uns e outros. Esse é um exemplo muito engraçado, e o facto de eu encontrar essas cartas foi muito…foi muito comovente!
R.C: É uma herança que a Isabel tem.
I.S: Essa é uma herança que eu tenho. Do lado da minha mãe há uma história muito engraçada, que a minha mãe adorava contar e que era…lembrar-se dela própria quando tinha para aí três ou quatro anos, de chegar ao pé do avô, este tentar calçar-lhe os sapatos e fingir que não lhos conseguia calçar e dela pensar “ Que tonto que é este! Que já tem esta idade toda e ainda não consegue calçar sapatos.” Mas, mais do que histórias eu acho que há…(tive esse privilégio), há um fio condutor de valores. No caso da minha família, também de pertença à igreja católica e, portanto, de valores cristãos muito, muito fortes. Sobretudo duma humanidade e duma ideia de que todo o poder que temos deve ser posto ao serviço dos outros! Acho que isso é uma linha condutora, tanto do lado do meu pai como da minha mãe, que foi muito importante. Eu lembro-me da minha mãe falar, de como os pais dela e os avós dela se zangavam se ela não era bem-educada com alguém que trabalhasse para eles na quinta onde viviam, em Inglaterra. Lembro-me depois dos meus pais me dizerem “Se quiser ser malcriada com alguém acima de si seja à vontade, porque essa pessoa irá defender-se e você irá sofrer as consequências, mas que eu nunca a oiça ser malcriada para alguém que é seu subordinado em termos profissionais, ou de qualquer outra maneira, porque essa pessoa não se pode defender”. Portanto, eu acho que esta ligação vem dai, vem de bisavós.
R.C: É uma bela história de vida!
I.S: Sim
R.C: Quando estive a ler “O Diário da avó galinha”, o seu mais recente livro, confessa que os avós não foram muito importantes na sua vida. Não conheceu o seu avô paterno, que histórias é que lhe contaram deste avô?
I.S: Não conheci o meu avô paterno, mas era um homem muito corajoso e tem uma história muito importante. Ele vivia em Portugal, mas era Inglês, e não só se alistou na Primeira Grande Guerra, como na Segunda Grande Guerra quis que os seus filhos (que poderiam não se ter alistado porque estavam fora) lutassem e, portanto, todos os seus cinco filhos mais velhos alistaram-se. Perdeu dois deles durante a Segunda Guerra Mundial com um intervalo de uns meses entre eles. Penso que isto são lições de vida da minha avó, porque continuaram sempre a lutar por aquilo em que acreditavam!
A ideia que um filho meu possa perder a vida por uma pátria deixa-me dividida. Eu hoje acho que pátria nenhuma merecia que o meu filho morresse! Mas tenho que olhar para estes pais e pensar que esta noção de pátria, não como um território porque eles nem sequer viviam no território, mas como um conjunto de valores e, no caso da Segunda Guerra Mundial, de valores de liberdade, democracia, tudo isso…eu acho que são lições que nós temos que olhar, que nos faz pensar.
R.C: E em relação ao seu avô materno?
I.S: Conheci-o porque ele esteve cá quando eu tinha dois ou três anos. A minha mãe diz que eu o adorava, que me sentava ao colo dele e punha as mãos nos bolsos, porque sabia que ele tinha caramelos e isto foi lembrança que sempre ficou.
R.C: Claro.
I.S: Porque muitas vezes não as temos como nossas, mas de qualquer maneira esta sensação de afeto fica comigo, e eu acho que isto é que é o importante, sabermos que fomos amados e de quem descendemos.
R.C: Só conheceu a sua avó materna, a avó Grany, quando já tinha dez anos, porque essa avó vivia em Inglaterra. Até essa altura só tinha contacto com essa avó através de cartas que iam trocando. Fale-nos nessa avó, como é que a imaginava?
I.S: É muito engraçado porque há dois momentos, há o antes e o depois de a conhecer. Eu tinha uma avó paterna cá, muito mais militarizada, digamos, e quando fui a Inglaterra aos dez anos e a conheci, fiquei uma semana com esta mãe da minha mãe, foi uma sensação de pertença que, conhecendo a minha mãe, conheci-a a ela e, portanto, fiquei com ela sozinha. Ao princípio pensei, como é que eu vou ficar sozinha com uma pessoa com quem eu nunca estive? Mas houve ali uma ligação muito profunda e ela já estava a fazer o papel de avó, ou seja, teve comigo uma ligação muito curta mas muito afetuosa, enquanto com a da minha mãe era muito conflituosa, como é comum entre filhos e pais. Depois, quando ela morreu, a minha mãe teve um desgosto enorme e eu, pela primeira vez enquanto criança, também tive um desgosto por ver a minha mãe a sofrer. Às vezes as pessoas pintam a infância muito cor-de-rosa (ai como éramos tão felizes e isto, e aquilo) e eu lembro-me da minha impotência perante a tristeza da minha mãe, que ainda por cima estava longe, não é?
R.C: Por último, tinha a avó Maria, a sua avó paterna que vivia perto de si, mas de quem sentia grande distância?
I.S: Eu devia ser uma criança muito difícil. A minha mãe diz que eu era uma criança muito difícil, ao contrário dos meus irmãos que são mais fleumáticos, eu sempre fui muito birrenta, exteriorizava muito, tanto o bom como o mau, ia da felicidade total à infelicidade total.
R.C: Dramática? Teatral?
I.S: Muito teatral e muito dramática! Para a minha mãe, que tinha tido seis filhos antes de mim, todos muito fleumáticos, que ela própria era fleumática, que o meu pai era fleumático, e eu saí a mais latina de todos, muitas vezes havia uma dificuldade entre mim e a minha mãe. Eu acho que a minha avó, que teve dez filhos, dois dos quais morreram na guerra, se dava muito melhor com os rapazes do que com as raparigas.
R.C: Também era muito típico na época.
I.S: Sim, ela nitidamente conseguia lidar muito melhor com os meus irmãos do que com as minhas irmãs. Além disso tentava proteger a minha mãe. Lembro-me de estar doente e dela chegar e dizer coisas do género “Você está mesmo doente? Olhe que a sua mãe já tem preocupações suficientes e veja lá se só lhe dói a garganta não esteja a fazer fita!”.
R.C: O que sentia em relação à avó Maria?
I:S: Eu tinha respeito e admiração, mas ao mesmo tempo tinha medo. Eu olho para trás e, quando tinha cerca de dez anos e ela teria perto de setenta, lembro-me que sentia um enorme terror quando ela se esquecia de onde punha os seus óculos e me mandava procura-los. Eu procurava por todo o lado, tal o terror de voltar à sala e dizer-lhe que não os tinha encontrado. E se isso acontecesse, ela dizia “pateta eu tenho a certeza que sei onde é que eles estão”. Mas era do meu feitio também, porque ela fazia isto ao meu irmão e este nem se levantava da cadeira para procurar os óculos. Logo para começar dizia “avó, eu sei que me vai dizer que eu não encontro os óculos, portanto é melhor ir a avó procura-los“ e ela ria-se imenso e ia.
R.C: Fantástico…
I.S: Eu, feita estúpida, andei casa acima, casa abaixo. Com o meu irmão é assim?
R.C: E ele tinha coragem para responder!
I.S: Não era coragem, saí-lhe naturalmente porque não tinha medo e falava. Aproximei-me da minha avó quando ficou mais velhinha. Aproximei-me muito mais dela porque ela estava mais frágil, já era uma relação diferente. Eu também já não faria birras da mesma maneira, portanto encontrámos ali um ponto de encontro. Mas mesmo nessa altura, se a minha avó dissesse algo do género “ninguém está a arrumar os talheres nas gavetas, desaparecem-me talheres”, eu ia logo contar os talheres, enquanto o meu irmão continuava no mesmo sítio e dizia “ah pois é, levei-os para a praia e deixei-os lá” e a minha avó ria, ria, ria… e aquilo acabava assim.
R.C: Ainda houve uma tia-avó que a marcou bastante, não foi?
I.S: Sim, era a tia Genoveva. Ela não tinha filhos e, no fundo, adotou o ramo do meu pai e da minha mãe, nós os oito como netos. Essa tia-avó era completamente ao contrário, era tudo o que se podia desejar ter como avó. Comprava-nos gelados Santini, lia-me histórias… Eu sabia onde estava o livro e ia a correr buscá-lo, sabíamos a página em que tínhamos ficado. Tive uma ligação muito próxima com ela. Quando a minha mãe se enervava comigo a fazer os trabalhos de casa, eu ia fazê-los com ela. Portanto, foi uma ligação que me marcou bastante.
Não percam, em breve, a 2ª parte dos Retratos Contados da Isabel Stilwell
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