Fernando Daniel abriu o coração para partilhar alguns dos momentos que mais marcaram a sua vida. Além de lembrar o início da carreira, destacou que a música começou por ser um “pilar” para “fugir das tristezas”.
Além do acidente do pai, foi um refúgio quando os pais se separaram, quando ainda era uma criança.
“Era miúdo e não sabia como verbalizar as coisas. A minha família na altura estava mais preocupada em tratar do próprio problema do que dos danos colaterais”, disse.
“Não é suposto um miúdo de 12 anos ficar sem mãe e sem pai de um momento para o outro. Não é suposto dizerem a um miúdo de 10 anos que o pai pode não sobreviver a um acidente. E sinto que a minha infância foi muito atribulada porque eu não a vivi. Fui vivendo o que dava para viver, refugiando-me sempre na música. A música era e é aquilo que me preenche”, acrescentou.
Lembrando o acidente do pai, o cantor recorda que estava na estrada a brincar com amigos e depois percebeu que era suposto a família estar em casa, mas não estava. “Não me disseram nada”. Depois deslocou-se a um café a era frequentado pelos pais. Pediram-lhe para ficar lá porque iria alguém buscá-lo. “Começo logo a entrar em pânico porque não sabia efetivamente o que se estava a passar”, lembrou.
Entretanto, uma tia foi buscá-lo e “foi muito crua na forma como disse que o pai tinha tido um acidente de mota, tinha tido um AVC enquanto conduzia e estava no hospital”. “Que as coisas podiam não correr bem e para eu me preparar porque podia ficar sem o meu pai”.
O pai acabou por ficar em coma e “há uma imagem que nunca mais vai tirar da sua cabeça”. “Decidi ir visitá-lo e naquela ingenuidade de miúdo fui com a minha mãe. Lembro-me de ter dado a mão ao meu pai e chamei-o. Eu achava que o podia acordar chamando-o. Lembro-me que a minha mãe disse que o meu pai não ia acordar e que nem sabia se ia acordar”, contou, em lágrimas.
Depois do pai acordar do coma, tem a imagem de ver o progenitor numa cadeira de rodas, a babar-se, com a cara “um bocadinho desfeita’”. “Não tive pena, não tive medo, naquela altura só queria que o meu pai saísse dali. Que eu pudesse ajudar o meu pai naquilo que precisasse. Acho que desde esse dia sinto que eu para ele continuei a ser o filho que sou, mas ele para mim passou a ser um pai e um filho também porque, hoje em dia, ainda é das pessoas com quem eu mais me preocupo por várias razões”, acrescentou.
O marcante divórcio dos pais e a depressão
Tempos antes da separação dos pais, Fernando Daniel assistiu a várias discussões, “o pai era um bocado violento, não fisicamente, mas verbalmente”. “Era assim com a bebida, porque sem a bebida enche uma casa com alegria”, disse.
“Continuo a ter muito orgulho no meu pai e na minha mãe, mas há um dia que é super marcante para mim. Por causa da bebida, o meu pai chegou a casa, tinha uma arma de caça descarregada e entrou no quarto com ciúmes - muito motivado pela bebida porque o meu pai sem aquilo era uma pessoa super bem disposta. Mas era uma coisa naquela de assustar e eu não devia ter visto aquilo. Nesse dia não dormi. No dia a seguir a minha vontade era de abraçar o meu pai quando percebi que ele não era aquela pessoa que estava lá no dia anterior”, partilhou.
Depois do acidente, o pai do artista ficou sem trabalho e a família vivia apenas com o ordenado da mãe. A família começou a passar por dificuldades e o pai de Fernando Daniel foi para o Luxemburgo trabalhar. E, foi nesta altura, que a mãe “apaixona-se por outro homem”.
“Apesar de hoje a ter desculpado e das coisas estarem um bocado diferentes. Ela disse-me que ia ter com o meu pai e que me iam buscar mais tarde, tinha 12 anos na altura, e isso nunca aconteceu”, revelou, referindo que ficou com os avós.
Depois o pai soube da nova relação da mãe e Fernando Daniel acabou por ir viver com o pai. O cantor lembra-se de ver o progenitor a chorar por causa da separação. Os pais nunca mais voltaram a ter uma boa relação.
Neste momento, o artista sonha conseguir um dia “sentar a filha à mesa com os avós e que as coisas corram naturalmente e que não fique com o coração nas mãos como acontecia quando era em criança”.
Durante a entrevista, Fernando Daniel falou sobre o tema ‘Recomeçar’, tendo revelado que “muitas vezes põe-se na pele do pai como inspiração para escrever”.
“A música fala sobre o meu pai não ultrapassar o divórcio, a separação, não avançar na vida. Para ele, ele não fez nada de mal, em parte percebo. Ele sóbrio se calhar nunca fez nada de mal, mas a vida do meu pai não era só sóbrio. Acho que a minha mãe também não esteve bem”, disse. “Sempre que estou com a minha mãe continuo a sentir um peso que é de ter deixado os filhos para trás”, explicou, contando também que quando foi deixado em casa dos avó pela mãe ficou sem falar com a progenitora durante quase dois anos.
“Hoje em dia percebo que se calhar foi um amor próprio, pensar um bocadinho nela também antes de pensar nos filhos. Não condeno, não sei o dia de amanhã, mas não tinha 25 anos como tenho agora, tinha 12 anos”, destacou.
Depois da separação dos pais, Fernando Daniel foi diagnosticado com uma “depressão”. “Vou a psicólogos, tomo medicamentos durante seis meses. Chorava sem motivo aparente”, lembrou.
“Acima de tudo, nunca lhe vai faltar carinho”
Quase a ser pai pela primeira vez, de uma menina, fruto da relação com Sara, Fernando Daniel afirma que a filha vai “ter um pai super presente que jamais tocará na bebida”. “Por mais que o pai esteja chateado com a mãe, nunca vai ver os pais discutir à frente dela. Acho que as discussões fazem parte de um relacionamento desde que sejam saudáveis. Acima de tudo, nunca lhe vai faltar carinho”, realçou.
A relação e esta fase da gravidez também foi tema de conversa, e o cantor confessou que é uma pessoa bastante preocupada e que sente que vai continuar assim quando a bebé nascer. “Vou ser muito protetor”, admitiu.
A partida do avô que não era de sangue e o concerto para a avó
Sobre o avô que não é de sangue mas que marcou a sua vida, Aníbal, a quem dedicou a música ‘Melodia da Saudade’, o cantor lembrou que este teve um papel fundamental na sua vida, especialmente no momentos menos bons.
Também o pequeno concerto que deu para a avó antes de esta morrer foi um momento recordado durante a entrevista, com o artista a explicar que a familiar se refugiou em casa após a morte do marido, por isso é que nunca tinha assistido a um concerto seu: “Não podia permitir que a minha avó fosse sem antes de ver de perto aquilo que ela também me incentivou a fazer, que era correr atrás dos meus sonhos”.
"Espero que vão em paz e que de certa forma o meu avô [Aníbal] também os possa guiar”
Outro momento emotivo foi quando falou sobre as visitas ao hospital para cantar para crianças com cancro. Altura em que falou de um episódio marcante. De referir que o avô morreu de cancro.
“Desde que o meu avô partiu com o cancro, sinto uma forte necessidade de ir de vez em quando ao hospital surpreender pessoas que estejam internadas na mesma condição que o meu avô estava. Recorro aos hospitais para nos últimos momentos de vida dar alguma coisa a estas pessoas porque o meu avô não merecia, uma criança de três ou quatro anos muito menos”, disse.
“Já tive uma criança na pediatria do Hospital de São João que me disse: se estás aqui a tocar é porque eu não te vou ver mais. O que é que é suposto eu dizer? Aprendi a dar o melhor de mim nesses momentos, a fazê-los esquecer do que os espera e a tornar os últimos dias deles felizes ou, pelo menos, aquele dia. A esquecerem as máquinas, a dor, a quimioterapia e desfrutar da música, que acho que foi para isso que ela foi feita, para fazer companhia, para preencher um vazio. E espero que vão em paz e que, de certa forma, o meu avô [Aníbal] também os possa guiar”, partilhou.
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